11.11.22

O silêncio sobre a gritante pobreza

Manuela Ferreira Leite, opinião, in Expresso

Os responsáveis políticos, os deputados, a comunicação social, a sociedade em geral, cada um de nós, preocupam-nos, discutimos e opinamos sobre inúmeros aspectos que afectam o nosso dia-a-dia, mas não discutimos a pobreza ao mesmo nível de preocupação como a dívida ou como a carga fiscal.

Não me refiro a casos esporádicos de pobreza. Refiro-me à pobreza crescente entre nós, àquela retratada pelos dados impressionantes fornecidos pela OCDE ou à que é sugerida por credíveis instituições da sociedade civil, ou aos testemunhos de reconhecidas instituições de solidariedade social.

Também não falo de medidas tomadas pelos Governos ou por diversas instituições que são ajudas preciosas que permitem a sobrevivência dos mais carenciados, mas não os retiram dessa condição.

Sabemos que a pobreza não é apenas uma carência de alimentação, vestuário e habitação, mas que envolve um acesso a cuidados de saúde de qualidade e a um sistema educativo muito exigente.

Apoiar para manter condições de sobrevivência é obviamente essencial no curto prazo, mas perspectivar um futuro diferente exige políticas com esse objectivo.

Sem crescimento económico, vamos ajudando na medida da generosidade colectiva, mas não resolvemos o problema, porque a redistribuição de riqueza tem limites na própria riqueza.

A pobreza é só por si uma situação impressionante e inaceitável perante as potencialidades de desenvolvimento a que assistimos decorrentes de uma evolução tecnológica que transformou a forma de relacionamento, de produção e de enriquecimento entre os povos.

Vivemos num mundo global, mas não parece.

Mas mais inaceitável é a realidade do empobrecimento.

Empobrecer significa caminhar em direcção à pobreza, caminhar em direcção a uma situação pior da que já se vive e nada fazer para a travar.

É aqui que estamos.

Claro que existem teorias que tentam explicar este absurdo.

Existem várias. Fui relê-las.

Discordo da maioria, mas percebi que devem estar na ideologia de alguns responsáveis.

Gunnar Myrdal, economista sueco, Prémio Nobel partilhado, dedicado ao estudo de políticas públicas, desenvolvimento económico e social, fala na causa circular da pobreza, com base na ideia de que “quem nasce pobre terá uma alimentação inadequada, frequentará as piores escolas, terá as piores oportunidades e esse processo repetir-se-á com os filhos assim por diante, gerando um circuito que se ‘retroalimenta’ e não proporciona ascensão ou melhoria de vida dos indivíduos”.

Interroga-se sobre os motivos que fazem com que as pessoas se mantenham dominadas e conformadas, sem sequer procurar melhorar a sua condição, para concluir que a “pobreza é um fenómeno social”.

Existem ainda estudos que tentam mostrar que se toda a riqueza existente no mundo fosse dividida em partes iguais e distribuída entre todas as pessoas não demoraria muito tempo para que aquela voltasse às mãos de quem já hoje a possui.

Sem crescimento económico, vamos ajudando na medida da generosidade colectiva, mas não resolvemos o problema, porque a redistribuição de riqueza tem limites na própria riqueza

Há, ainda, quem coloque a questão da pobreza a nível genético.

Investigadores norte-americanos fazem uma ligação directa entre calor e pobreza, chegando ao ponto de medir que cada 1°C mais quente reduz em 1,4% o rendimento per capita do PIB do país em causa, considerando que “lugares onde o clima é mais quente e que exigem o mínimo de investimento na agricultura proporcionam alimentos que crescem praticamente sem mão-de-obra (exemplo: os frutos tropicais), dormem bem ao relento, não necessitam de tanto vestuário, não têm tanta preocupação com o futuro, tendo em vista que não precisam de poupar para o inverno ou para tempos com dificuldades”.

Há, assim, explicações de natureza vária que mais não são do que uma tentativa de desvendar o porquê da aceitação da situação de pobreza, aceitação por parte dos próprios e dos responsáveis políticos.

Não será propriamente um mistério.

É um tema que inegavelmente incomoda todos, mas que não se manifesta de forma ruidosa. É apenas um espectáculo trágico observado por quem a ele assiste.

É uma situação que só se altera com motivação.

É preciso criá-la.

Se os responsáveis políticos não tivessem qualquer papel a desempenhar na “regressão” deste fenómeno, bastava-nos que criassem a esperança, não cuidando apenas da sobrevivência, mas do futuro.

Dar prioridade ao crescimento económico para depois distribuir com justiça.

Os indicadores económicos não vão nesse sentido.

O silêncio é a solução.