21.11.22

Número de pessoas sem-abrigo triplica em Beja, migrantes engrossam grupo

Rosário Silva, in RR

Desde o início do ano que a Cáritas da Diocese de Beja tem no terreno o projeto “Estou Tão Perto que Não Me Vês”. Há uma equipa que anda pelas ruas e um espaço de portas abertas para assegurar as necessidades básicas destas pessoas.

Migrantes timorenses engrossaram contingente de sem-abrigo. Foto: Nuno Veiga/Lusa

A Cáritas de Beja está preocupada com o aumento significativo de sem-abrigo na cidade. Em dois anos, triplicou o número de pessoas nessa situação.

O inquérito de caracterização desta população, de 2020, publicado no portal da Estratégia Nacional para a Integração de Pessoas em Situação de Sem-Abrigo (ENIPSSA), revelava que a grande maioria se concentra na Área Metropolitana de Lisboa (AML), contudo por 100 mil habitantes, a situação mais preocupante é no Alentejo, nos concelhos de Alvito e Beja.

Só no concelho de Beja, com base nos atendimentos dos diferentes serviços internos da Cáritas, foram sinalizadas um total de 88 pessoas em situação de sem-abrigo, em 2020, número que este ano mais do que triplicou para 279.

“Se nos reportarmos a 2020, tendo por base os atendimentos da Caritas, foram sinalizadas 88 pessoas e, neste momento, já temos 279”, confirma, à Renascença Maria do Carmo Gonçalves, responsável pelo projeto “Estou Tão Perto que Não Me Vês” da Cáritas bejense.

O projeto começou em janeiro deste ano para se prolongar, pelo menos, até dezembro de 2023, com a finalidade de atender, acompanhar e integrar pessoas em situação de vulnerabilidade ou de risco e em situação de sem-abrigo no concelho alentejano.

Esta população, maioritariamente do género masculino e com uma média de idade a rondar os 45 anos, tem associadas várias problemáticas, tais como desemprego de longa duração, consumos aditivos, problemas ao nível da saúde mental e alcoolismo. Juntam-se os migrantes, que vieram à procura de trabalho, mas acabaram por ser explorados ou enganados. São de diferentes nacionalidades, com destaque para os timorenses que, ainda assim, foram já realojados.

“São de diversas nacionalidades. Temos, por exemplo, marroquinos, indianos, nepaleses, moldavos, mas a prevalência, sim, são pessoas de Timor”, esclarece a responsável.

Cáritas tem equipa de rua e espaço de porta aberta

Totalmente desprotegidos, os migrantes acabam a deambular pelas ruas da cidade, à espera da ajuda que chega das instituições de solidariedade social, como a Cáritas bejense.

No âmbito do projeto “Estou Tão Perto que Não Me Vês”, foi criada uma equipa de rua que, tal como o nome indica, tem como missão prestar apoios às pessoas que se encontram na rua, promovendo diversas campanhas de prevenção contra os incêndios, vagas de frio e de calor, identificando problemas de saúde e comportamentos aditivos, além de realizar o acompanhamento aos diversos serviços em caso de necessidade.

Foi também criado um “Drop In”, situado na Casa do Estudante, o espaço “estórias”, dotado de equipamentos e recursos que permitem às pessoas em situação de sem-abrigo receber apoio ao nível da alimentação, higiene e tratamento das roupas, medicação assistida e cuidados de saúde primários. No mesmo local, é prestado apoio psicológico e social.

Maria do Carmo Gonçalves assume que todos os recursos da Cáritas são poucos para fazer face às necessidades, mais ainda quando o número de pessoas que requerem ajuda aumentou.

No terreno, elege a falta de habitação como uma das maiores dificuldades no trabalho de intervenção. “A falta de habitação social e de centros de abrigo temporário, ou de emergência, tão necessários para quem está na rua, com diversas problemáticas associadas, são dificuldades que encontramos quando intervimos junto destas pessoas”, alude a técnica de ação social.

E a pouco menos de dois meses de 2023, que se espera muito difícil, as perspetivas não são nada animadoras.

“Estes aumentos de preços, o aumento das rendas, a inexistência de casas para alugar, o aumento das que existem, parece-nos que o crescimento da pobreza vai ser uma realidade. Nós acompanhamos com preocupação a situação de centenas de pessoas que vivem nas ruas de Beja e tememos também o despejo de pessoas idosas, sem recursos”, constata a mesma responsável.

Grupos vulneráveis devem ser “prioridade nacional”

Para refletir em torno dos desafios que se colocam à sociedade, sobretudo ao nível dos organismos públicos, para responder à realidade das pessoas em situação de sem-abrigo no concelho de Beja, a Cáritas diocesana promove esta quinta-feira, 17 de novembro, uma conferência sobre a temática.

“Pelo contexto de vida a que estão sujeitas, as pessoas em situação de sem-abrigo são uma população vulnerável com condições precárias e a quem muitas vezes o acesso a vários serviços públicos e apoios sociais existentes se torna bastante difícil, fazendo com que seja necessária uma intervenção articulada junto desta população-alvo, assegurando a informação clara dos seus direitos e a um atendimento personalizado para que tenham acesso aos mesmos”, lê-se na nota de apresentação do encontro.

Os promotores consideram que todos os grupos vulneráveis, onde se incluem as pessoas em situação de sem-abrigo, “devem representar uma prioridade de intervenção política nacional”, assumindo particular importância “no quadro da descentralização de competências para os municípios, sobretudo na área social”.