21.11.22

Num país a perder população, o desafio é atrair trabalhadores

Raquel Martins, in Público online

Num mundo que esta semana chegou aos oito mil milhões de habitantes, Portugal debate-se com uma perda acentuada da população e um acelerado envelhecimento. Esta realidade irá agravar-se nas próximas décadas, obrigando o país a delinear políticas de atracção de mão-de-obra imigrante e de retenção de trabalhadores, para conseguir alimentar o seu mercado de trabalho e sustentar o sistema de protecção social.

Dorothea Schmidt-Klau, investigadora e especialista em envelhecimento na Organização Internacional do Trabalho (OIT), começa por sublinhar ao PÚBLICO que o crescimento demográfico é assimétrico e há “discrepâncias enormes” entre as várias regiões do globo, com impactos muito diversos no mercado de trabalho.

Por um lado, “temos regiões que estão a ficar cada vez mais jovens, principalmente em África, onde há uma elevada proporção de jovens a entrar na força de trabalho”. E, por outro, temos “sociedades envelhecidas, especialmente na Europa”, em que há mais pessoas a sair do mercado de trabalho do que a entrar e os que saem vivem muito mais tempo.

“Uma criança nascida hoje na Europa tem 50% de hipóteses de chegar aos 100 anos de idade e isso tem um enorme impacto nos rácios de dependência da velhice”, alerta.

Portugal está na linha da frente dos países que estão a perder população, a envelhecer mais rapidamente e a ver a sua força de trabalho encolher. O número de residentes caiu 2,1% para cerca de 10,3 milhões em 2021, o país tem agora 182 idosos por cada 100 jovens e, entre 2008 e 2021, a população activa recuou 382,8 mil pessoas e é agora inferior a 5,2 milhões (no contexto europeu, só a Roménia, que teve um recuo de 1,7 milhões na população activa, e a Grécia, com perdas de 392,5 mil pessoas, estão numa situação pior).

Perante este cenário, problemas que hoje já se fazem sentir, como a falta de mão-de-obra em determinados sectores e a dificuldade em reter uma população jovem cada vez mais qualificada, tenderão a agravar-se.

Para Francisco Carballo-Cruz, economista e professor na Universidade do Minho, o principal desafio dos estados com o perfil de Portugal “é encontrar fórmulas que permitam delinear políticas de imigração adaptadas às características do país e às necessidades do seu mercado de trabalho”.

“Em Portugal, o défice de mão-de-obra é um problema transversal à maioria dos sectores da economia, que afecta quer ocupações pouco qualificadas, quer ocupações altamente qualificadas, especialmente em sectores ligados às novas tecnologias. Sem boas condições de trabalho e sem remunerações competitivas será difícil atrair mão-de-obra imigrante, porque no actual contexto, na União Europeia, existe uma elevada concorrência pela mão-de-obra em geral e pela mão-de-obra imigrante em particular”, alerta.

Outro desafio, acrescenta, é conseguir “manter os trabalhadores portugueses no país, especialmente em sectores onde o atractivo das remunerações noutras economias da União Europeia é um forte incentivo para emigrar”.

Paulo Marques, investigador e coordenador do Observatório do Emprego Jovem (OEJ), partilha destas preocupações. E além da falta de mão-de-obra em sectores como a hotelaria ou a agricultura, alerta para a necessidade de a economia portuguesa crescer em sectores mais intensivos em conhecimento, que permitam absorver uma população jovem cada vez mais qualificada. “Mesmo aí vamos ter de ser também capazes de atrair e reter pessoas e isso passa pela habitação, pelo acesso aos cuidados de saúde ou pela qualidade do emprego”, sublinha.
Olhar para os mais velhos e antecipar necessidades

Além da inclusão de trabalhadores vindos de outros países, Dorothea Schmidt-Klau considera que a falta de mão-de-obra nas sociedades a braços com um envelhecimento galopante pode ser ultrapassada recorrendo a grupos arredados do mercado de trabalho, através de uma maior participação das mulheres ou aproveitando o potencial dos trabalhadores mais velhos.

“Uma das coisas mais urgentes a fazer é superar a discriminação etária nos mercados de trabalho. As pessoas mais velhas têm a reputação de serem caras, muitas vezes doentes, menos inovadoras, mais lentas. Mas estudos mostram que, com organizações do trabalho flexíveis, muitos idosos estariam disponíveis para trabalhar por menos, que na verdade eles não têm mais dias de baixa em comparação com os outros trabalhadores e muitas inovações são, na verdade, o resultado da longa experiência de trabalho dos idosos”, recomenda.

Para Francisco Carballo-Cruz, há também muito a fazer no planeamento e defende que os países com défice de trabalhadores deveriam apostar na melhoria dos processos de ajustamento no mercado de trabalho, através do reforço dos mecanismos de antecipação de necessidades de mão-de-obra.

Ao mesmo tempo, “os instrumentos de fiscalização deveriam estar melhor dotados para evitar abusos e melhorar a organização dos fluxos de trabalhadores” e “as políticas sociais de facilitação da integração de imigrantes e suas famílias deveriam ser uma das principais prioridades” dos governos.

Nos países onde o crescimento demográfico se manifesta com maior intensidade, a principal dificuldade está em acomodar um elevado número de jovens no mercado de trabalho. Só para se ter uma ideia, nota o investigador Paulo Marques, as taxas de desemprego jovem podem chegar aos 64% na África do Sul, aos 50% na Líbia ou aos 34,3% em Cabo Verde.

“O que vemos nos países em desenvolvimento é que o crescimento populacional leva ao crescimento do emprego. Mas quanto mais pobre é o país e quanto maior é a pressão populacional, mais provável é que o emprego criado seja de baixa qualidade. Os empregos criados nestas circunstâncias são geralmente na economia informal, onde as pessoas são mal remuneradas, não têm protecção social, os seus direitos não são respeitados e não têm voz no trabalho”, lamenta a especialista da OIT, lembrando que “o crescimento populacional e as mudanças demográficas são um dos principais motores do emprego” para o bem e para o mal.