Ângela Roque, in RR
Uma carta aberta pede medidas urgentes e denuncia “realidade desconcertante” que atinge “parte substancial da população”, com “situações inaceitáveis” ao nível dos despejos, realojamentos e “precariedade e sobrelotação” das casas.
A “Carta da Habitação: uma proposta das comunidades inseridas nas periferias” foi elaborada por iniciativa da Comissão Justiça, Paz e Liberdade, da Conferência dos Institutos Religiosos de Portugal (CIRP), que representa várias congregações religiosas. Mas, entre os subscritores estão várias organizações da Igreja que atuam em bairros sociais e junto dos mais desfavorecidas, como os ciganos, os migrantes e os refugiados. Uma delas é a Obra Católica Portuguesa das Migrações (OCPM).
A Carta enviada às autarquias, sindicatos e comunicação social denuncia a “realidade desconcertante” que atinge “parte substancial da população”, com “situações inaceitáveis”, como despejos “sem alternativa condigna”, realojamentos “mal geridos” e “precariedade e sobrelotação” das casas.
O diagnóstico dos principais problemas não foi difícil de fazer por quem está no terreno. Ouvida pela Renascença, Eugénia Quaresma, da OCPM, diz que são precisas “medidas urgentes”, porque a crise na habitação é nacional, e vai aumentar.
“Não afeta só quem está em situação de vulnerabilidade, mas quem não estava e por causa da crise pode vir a estar. Por isso é urgente resolver esta situação, com políticas públicas para todos”, até porque, lembra, “a habitação faz parte dos direitos humanos. Todo o ser humano tem direito a uma habitação”.
“A crise [na habitação] atinge nacionais, os nacionais ciganos, os imigrantes. Sente-se a falta de respostas públicas e que alguns bairros de realojamento estão-se a degradar cada vez mais e a ser descuidados. É preciso uma nova capacidade de gestão”, indica aquela responsável, para quem esta é a altura certa para intervir.
“Pede-se uma solução para as casas devolutas e para os despejos. Não faz sentido que as pessoas sejam postas na rua sem uma solução alternativa e sejam transformadas em sem abrigo. Por isso é preciso refletir de uma forma conjunta e transversal sobre estas questões”.
Um contributo que as organizações católicas esperam continuar a dar, tendo em conta a experiência que têm, e para “que este movimento seja cada vez maior. Porque existem investigadores que estão a trabalhar na área, e grupos que estão a surgir nestes bairros, que ajudam a refletir estas questões. Por isso, é alargar o mais possível esta reflexão positiva e construtiva sobre o problema da habitação”.
“É urgente que todos tomemos consciência da realidade”
A Carta Aberta foi uma iniciativa da Comissão Justiça, Paz e Liberdade da Conferência dos Institutos Religiosos de Portugal, e é subscrita pelo Centro Diocesano de Lisboa da Pastoral dos Ciganos, a Obra Católica das Migrações e o Centro Padre Alves Correia, dos missionários espiritanos, que apoia imigrantes.
O documento lembra que a habitação “é um verdadeiro direito humano”, mas não está garantido para parte substancial da população em Portugal. Fala em “situações inaceitáveis”, com pessoas a “viver indignamente” devido à “precariedade e sobrelotação das casas", e despejos que são feitos “sem alternativa condigna”. E diz que, para além de haver um “mercado ilegal de venda e arrendamento de habitação pública”, há “famílias desfeitas com realojamentos dispersos”, as casas dos bairros sociais têm condições de habitalidade “precárias”, há mais sem-abrigo e famílias “destruídas pelas forças excludentes do mercado de arrendamento e mercado laboral”, sem oferta de casas a preços acessíveis.
A Carta alerta, ainda, para a desigualdade com que determinadas franjas da população são tratadas. “O problema da habitação não deve afetar mais as comunidades imigrantes, ciganas e afrodescendentes”, de que é exemplo “a negação abusiva por parte de alguns municípios à sedentarização de portugueses ciganos que são obrigados a manter-se nómadas, contra sua vontade, sem condições mínimas, vivando em tendas, sem água, eletricidade e sanitários”.
“É urgente que todos tomemos consciência da realidade atual”, lê-se ainda na missiva, que considera que falta “fiscalização” e “uma visão coletiva das políticas públicas e dos programas de habitação a partir das periferias, numa busca humanista alternativa à globalização capitalista”.
A Carta é endereçada aos presidentes de câmaras e juntas de freguesia, organizações sociais e ONG ́s (Organizações Não Governamentais), sindicalistas, jornalistas, professores e intelectuais, e a toda a sociedade civil.