Joana Ascenção, in Expresso
Foram divulgados os valores da pobreza energética de 2021 na Europa, com indicadores alarmantes para Portugal. Não só aumentaram as pessoas sem dinheiro para pagar a tempo as faturas da energia, como também as famílias que não conseguem manter a casa aquecida. “E estes valores ainda não refletem a inflação e a guerra”, lembra o investigador João Pedro Gouveia
No ano passado, 5,3% das famílias atrasaram-se no pagamento das contas de energia. O valor subiu consideravelmente, face aos 3,5% notificados em 2020, e ainda não reflete o impacto da subida dos preços da energia e da queda no poder de compra devido à inflação.
Este parâmetro integra o conjunto dos mais recentes dados da pobreza energética disponibilizados pela Comissão Europeia, que acentuam o lugar português na cauda da Europa.
Ainda a sofrer consequências da crise pandémica, com mais tempo passado em casa, 16,4% das famílias não conseguiram aquecer convenientemente as casas em 2021. Este valor reduziu, face aos 17,5% referentes a 2020 e aos 19% sentidos em 2019.
Contudo, a redução reflete em si mesma uma tendência, aconchegada por uma “tríade de fatores”, aponta João Pedro Gouveia, investigador na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa e especialista em pobreza energética.
“O primeiro é que as pessoas estão a tentar voltar à lenha, dado que os preços do gasóleo e do gás estão insuportáveis. E se Portugal já tem uma estrutura energética muito assente na lenha, este recurso está a ser ainda mais usado e não entra para a fatura de energia, portanto não é tão facilmente quantificável”, explica.
No segundo plano, um fator estrutural apontado pelo também coordenador de projetos na área de eficiência energética e pobreza energética do Center for Environmental and Sustainability Research é que Portugal consome menos energia do que precisaria para ter conforto térmico. “As pessoas optam por aquecer só uma divisão da casa ou por nem ter nenhum aquecimento. Com isto acabam por passar frio só para não terem, no final do mês, uma fatura que não possam pagar”.
Por último, mas não de somenos importância, em Portugal há 800 mil famílias apoiadas pela Tarifa Social de Energia, que ajuda as famílias a pagarem a fatura para que não incorram em incumprimentos.
HUMIDADE E INFILTRAÇÕES: UM PROBLEMA ESTRUTURAL
Noutro dado recentemente divulgado pelos indicadores europeus de pobreza energética, denota-se que, em 2020, uma em cada quatro famílias portuguesas (25,2%) viviam em casas com problemas de humidade, de bolores e de infiltrações – e neste parâmetro Portugal apresenta-se como o terceiro pior classificado da Europa, só ultrapassado pelo Chipre (39,1%) e pela Turquia (34,7%).
Os novos indicadores surgem com preocupação, até porque se sabe ainda não conseguirem refletir o impacto na energia da guerra entre a Rússia e a Ucrânia e a queda do poder de compra devido à inflação.
“Se há três anos, antes da pandemia, já estávamos muito mal posicionados, agora depois de as pessoas passarem mais tempo em casa e com uma crise financeira em cima de uma crise energética, não podemos estar melhor”, reflete João Pedro Gouveia.
De um outro ponto de vista, estes valores estão diretamente relacionados com o número das pessoas em risco de pobreza ou de exclusão social, que aumentou para 22,4% em 2021 face aos 20% verificados um ano antes.
Combinados todos estes fatores “o prognóstico é mau”, garante o investigador, às portas de outro inverno que se afigura difícil. Os bloqueios da energia russa põe a pensar em alternativas muitos países europeus, como os do norte da Europa, muito dependentes de gás “pouco habituados a fazer esta gestão dos gastos”, aponta o investigador.
Portugal, por outro lado, está na posição oposta. Por já estar habituado a uma ginástica de privação de conforto térmico e por falta de possibilidades financeiras, sentirá menos diferenças neste inverno.