31.7.23

Opinião: Quem vive quer casa

Manuel Rocha, opinião, in Diário A Beiras


Estudar em Coimbra é, ainda antes da sebenta, viver em Coimbra. É essa a preocupação de grande parte dos mais de 25.000 estudantes que todos os anos “almamaterizam” na Universidade de Coimbra, e de significativa parcela dos mais de 10 mil jovens que aderem a uma das muitas escolas do Instituto Politécnico de Coimbra. Em contas por alto há, nesta Cidade, 35 mil jovens precisados de cama para o recobro diário das forças que as atividades cerebrais e físicas lhes levam (pelas mais diversas razões, algumas de juvenil disponibilidade), precisados de lugar a que chamem casa quando a casa de família não fica perto daqui.
Estudar, para ser direito humano, é também direito à habitação em custo que não signifique a recusa da colocação por falta de vaga na residência universitária. Alojamento de estudantes é preocupação prioritária numa Cidade em que o ensino superior ocupa grande parte dos seus orgulhos. Desconhecendo os números reais dos estudantes do ensino superior que chegam dos tantos lados de Portugal e do estrangeiro, forçoso será concluir que a oferta institucional de cerca de duas mil camas é curta. Coimbra precisa mesmo de dar prioridade ao alargamento do alojamento estudantil a preços comportáveis, aumentando, também assim, a atratividade da oferta local de ensino superior.
Trabalhar em Coimbra é, antes do ofício, morar por cá. Quando a satisfação das necessidades do “mercado” deixar de ser a prioridade dos dignitários da pirâmide governativa, Coimbra voltará a ser a cidade funcional de que precisamos. Nesse dia, e nos dias a seguir, estará cumprida a parcela de liberdade individual que depende do direito à habitação, a concretização da convicção, entre outras, de que “quem casa, quer casa”, tradução simplificada da fase da vida em que o afastamento da descendência não é impedimento da aproximação afetiva – o único traço familiar que perdura vida adentro.
A soberania das vidas é um fator de liberdade, pelo que ao “mercado” deve caber o que cabe ao mercado: a oferta para além da satisfação da necessidade básica. O “mercado” dos nossos dias, porém, comporta-se como predador, abundante em paciência, esperando o melhor momento para atacar. Assim se explica o escandaloso volume de casas vazias na Cidade, a sistemática fuga ao fisco em troca de miseráveis reduções do preço do arrendamento, as “Lei Cristas” que banalizam o despejo, a subida de taxas de juro com que a Banca nos verga quando quer.
Viver em liberdade é também ter direito à habitação a preços comportáveis. Por isso é que, na Coimbra partilhada por estudantes e trabalhadores, é urgente o alargamento do património habitacional público – única forma de habitar o desabitado, recuperar o arruinado, valorizar o desprezado, revitalizar os lugares históricos que não podem ser apenas-cenário, programar o espaço público para os passos de todos os dias, disciplinar o negócio imobiliário – o anunciador de “sonhos” que é, afinal, o grande concretizador de pesadelos.
A Coimbra dos nossos anseios é, todos os dias, encantadora. A Coimbra da especulação imobiliária é que não tem encanto nenhum – nem na hora da despedida.

Projeto-piloto no Alentejo quer recuperar tradições para criar empregos

Agência Lusa, in Rádio Voz da Planície


Saberes ancestrais e tradicionais do Alentejo estão a ser recuperados e transmitidos, juntamente com práticas sustentáveis, às novas gerações e à população em risco de exclusão social com vista à criação de emprego, devido a um novo projeto.


Trata-se do projeto-piloto “Escola de anciãos”, que arrancou em Portel, promovido pela Agência de Desenvolvimento Regional do Alentejo (ADRAL) e pelo Círculo Primaveril - Associação para a Promoção da Economia Circular e da Ecoinovação.

“Os mais velhos são convidados a partilhar o seu saber com as gerações mais novas para que estas, dotadas desse conhecimento, o possam desenvolver, adaptar à realidade e criar o seu próprio emprego”, explica a ADRAL, num comunicado enviado à agência Lusa.

Para os promotores, o projeto, que inclui visitas, formações, eventos e oficinas práticas, entre outras iniciativas, é “uma ação inovadora” no Alentejo, pois alia o envelhecimento ativo com a sustentabilidade e a circularidade da economia.

A “Escola de anciãos” iniciou-se com a realização de uma oficina prática em Artes e Ofícios e já passou, também, pelo concelho de Cuba, na passada quarta-feira, 26.

Também já está agendada uma ação de sensibilização sobre práticas agrícolas sustentáveis para o dia 08 de setembro, na Herdade do Freixo do Meio, em Montemor-o-Novo.

“Valorizar a sabedoria dos anciãos e recuperar cultura, saberes e tradições do Alentejo em prol da sustentabilidade é o mote do projeto, que vai permitir a criação de novas ideias de negócios”, adianta a ADRAL.

Os interessados em participar como empreendedor ou em ser mentor podem obter mais informações na página de Internet do projeto, em escoladeanciaos.pt.

A iniciativa, que conta com o apoio de várias entidades, é cofinanciada pela União Europeia, através do Fundo Social Europeu, no âmbito do aviso “Projetos inovadores/experimentais na área social (DLBC)”.

JMJ: Alojamento Local não esgota em Lisboa e tem ocupação entre 80% a 90%

Por Lusa, in Dinheiro Vivo


Presidente da Associação de Alojamento Local em Portugal, Eduardo Miranda, explicou que o setor em Lisboa não está esgotado e que ainda estão disponíveis "cerca de mil casas" na plataforma de Airbnb.

O Alojamento Local em Lisboa está com uma ocupação entre os 80% a 90% para a semana da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), valores idênticos à semana homóloga de 2022, revelou esta segunda-feira fonte do setor.
"Eventos como este [da JMJ] são importantes para a exposição de Portugal, atraem o destino para o futuro" e os "efeitos positivos podem vir a sentir-se a longo prazo", mas o próprio "espírito do evento", com as pessoas a ficarem em escolas e outras instituições "não são uma oportunidade de negócio a curto prazo", declarou Eduardo Miranda, presidente da Associação de Alojamento Local em Portugal (ALEP).

Em entrevista por telefone à agência Lusa no âmbito da JMJ, Eduardo Miranda explicou que o setor do Alojamento Local (AL) em Lisboa não está esgotado e que ainda estão disponíveis "cerca de mil casas" na plataforma de Airbnb.

A JMJ não está a ter efeitos diretos nem indiretos a curto prazo no setor do AL, porque os turistas tradicionais sabem do evento e evitam a cidade, marcando as estadias para outra semana.

"Os números de ocupação estão muito idênticos aos do ano anterior", concluiu.

Mais de um milhão de pessoas são esperadas em Lisboa para a JMJ, com o Papa. Francisco chega a Lisboa na quarta-feira, pelas 10h00, à Base Aérea de Figo Maduro, em Lisboa. A JMJ é o maior acontecimento da Igreja Católica.


Esta jornada nasceu por iniciativa do Papa João Paulo II (1920-2005), após um encontro com jovens em 1985, em Roma, no Ano Internacional da Juventude.

As principais cerimónias da JMJ decorrem no Parque Tejo, a norte do Parque das Nações, na margem ribeirinha do Tejo, em terrenos dos concelhos de Lisboa e Loures, e no Parque Eduardo VII, no centro da capital.

"Embora em cima da hora", Marcelo dá luz verde a diploma de acesso ao Ensino Superior

in SIC

O Presidente da República promulgou o diploma do Governo que estabelece os regimes especiais de acesso e ingresso no ensino superior.


Numa curta nota publicada na Presidência da República, o chefe de Estado informa que promulgou um diploma do Governo. Não, não é o dos professores, mas sim do acesso ao Ensino Superior.


“Atendendo à urgência de resolver o problema, embora em cima da hora e para efeitos imediatos, o Presidente da República promulgou o diploma do Governo que estabelece os regimes especiais de acesso e ingresso no ensino superior, alterando o regime de acesso e ingresso no ensino superior e o concurso especial para acesso ao curso de medicina”, lê-se na nota.

crédito à habitação? Apoio do Governo será alargado (veja como)

in Notícias ao Minuto


Conheça as alterações que vêm a caminho e que foram já anunciadas pelo ministro das Finanças.

O Governo vai alargar o regime de apoio à bonificação do crédito habitação a mais famílias e quer que a banca ofereça taxa fixa a quem já tem créditos, anunciou o ministro das Finanças na semana passada. Afinal, o que vai mudar?

"A medida de bonificação de juros vai ser alargada, de modo a abranger mais famílias com dificuldades em enfrentar o aumento das taxas de juro", explicou a tutela numa publicação partilhada nas redes sociais.

Eis o que vai acontecer:

Serão apoiados os mutuários com taxa de esforço igual ou superior a 50%, com rendimentos até ao limite do 6.º escalão e cujo indexante utilizado para o cálculo da prestação seja superior a 3%;
A bonificação é de 75% da diferença entre o indexante atual e 3%.

Mais novidades na calha?

O Governo anunciou ainda que está a "desenvolver uma nova medida para estabilizar os juros que as famílias pagam no crédito à habitação, permitindo-lhes maior previsibilidade na gestão dos seus orçamentos".

"O Governo está a trabalhar para facilitar a transição progressiva para taxas mistas, ou fixas, no crédito à habitação. O objetivo é dar mais tranquilidade às famílias perante a subida dos juros", pode ler-se numa outra publicação também partilhada pela tutela nas redes sociais.

Na semana passada, questionado sobre se a medida que estava em vigor não estava a produzir efeito, Medina respondeu: "as taxas de juros estão num nível em que já são altas demais para o encargo que as famílias podem suportar, nomeadamente nos contratos mais recentes, que ainda não tinham subido o suficiente para que o mecanismo fosse eficaz".

"Um último ponto importante desta alteração que estamos a fazer é que este decreto aplica-se às situações todas a partir do início do ano de 2023", esclareceu.

Alto Alentejo discute caminhos para a gestão e consumo mais consciente dos recursos hídricos

 in Jornal Alto Alentejo

A Águas do Alto Alentejo assinalou na a sexta-feira, dia 21, no auditório Municipal do Crato, o primeiro aniversário da sua actividade comercial com a conferência “Gestão de Água: Futuro Sustentável”, onde foi debatida a importância de adaptar as instituições a modelos de gestão de água sustentáveis e que promovam um consumo consciente, garantindo o acesso a este recurso indispensável, tanto agora como no futuro.

O presidente do Conselho de Administração da Águas do Alto Alentejo, Hugo Hilário, sublinhou a importância da criação da empresa, destacando a concertação entre os 10 Municípios aderentes, no sentido de gerir os recursos disponíveis de forma consciente e eficiente. Deste primeiro ano, destacou o «investimento superior a 7 milhões de euros, destinado ao alargamento e remodelação da rede, garantindo o abastecimento de água à população, incluindo a territórios onde nunca tinha existido este serviço, e operando hoje em, aproximadamente, 4 dos cerca de 6 mil quilómetros da área do distrito de Portalegre, com 4 centros operacionais e mais de 50 funcionários». Este é um processo que se considera absolutamente fundamental para a adaptação do território às necessidades actuais, mas, especialmente, das gerações futuras.

A importância do investimento contínuo na rede hidráulica para combater problemáticas como as perdas de água a nível municipal e a gestão integrada dos recursos foram tópicos centrais da sessão de mesa-redonda, moderada por Ricardo Campos, presidente do Fórum de Energia e Clima, e que reuniu Carlos Martins, CEO da EPAL e AdVT, Miguel Nunes, Vogal do Conselho de Administração da ERSAR, e André Matoso, Director da ARH do Alentejo da Agência Portuguesa do Ambiente.

Carlos Martins reforçou a importância do trabalho e investimentos continuados, dando como exemplo os trabalhos profundos feitos pela EPAL nos anos 90 e que só seis ou sete anos depois mostraram os seus resultados, sendo agora necessário voltar a investir para manter o padrão de qualidade. Nessa linha, Miguel Nunes relembrou que as agregações como a AAA «são mecanismos extremamente importantes para se alcançar a gestão verdadeiramente profissionalizada e de qualidade».

Desta intensa manhã destaca-se também a intervenção de Joaquim Diogo, presidente da Câmara do Crato, com foco na relevância da construção da Barragem do Pisão para o abastecimento de água e diversificação das actividades económicas da região.

Para trazer a debate a perspectiva de defesa dos consumidores, Marta Mesquita Pais, da DECO PROTESTE, fez uma apresentação centrada na percentagem preocupante de desperdício de água a nível municipal, apontando caminhos para que as empresas de gestão possam ir ao encontro das necessidades dos consumidores.

Chamado a intervir sobre as oportunidades de financiamento para o sector da água, o deputado à Assembleia da República, Ricardo Pinheiro, sublinhou a importância da adaptação da gestão hídrica a modelos sustentáveis, alinhados com a visão europeia, saudando a Águas do Alto Alentejo pela visão e trabalho desenvolvido, que considera adequado ao futuro da região.

Na sessão de encerramento, Gonçalo Rodrigues, secretário de Estado da Agricultura, abordou a relação indissociável entre a gestão da água e a actividade agrícola, defendendo que um futuro sustentável passa por garantir que «o presente também o é, através da educação e do desenvolvimento de projectos que visem encontrar soluções para as problemáticas associadas às alterações climáticas», nas quais se inclui a seca, altamente sentida no território do Alto Alentejo, e que afecta directamente a agricultura.

O nosso jornal acompanhou os trabalhos numa reportagem que pode lera na edição desta semana do Alto Alentejo

Governo envia funcionários para recrutar trabalhadores de Marrocos, Timor, Índia e Cabo Verde

Salomé Pinto, in Dinheiro Vivo

Pela primeira vez, o executivo colocou adidos no estrangeiro com a missão de atrair imigrantes para Portugal. A ministra do Trabalho assegura que serão valorizados e terão uma ligação fácil com as empresas lusas.

O governo enviou funcionários para recrutar trabalhadores de Marrocos, Timor, Índia e Cabo Verde. O executivo "colocou, pela primeira vez, adidos dedicados às questões do trabalho e à mobilidade de Trabalhadores em quatro países", segundo um comunicado do Ministério do Trabalhado divulgado esta quinta-feira.


Na mesma nota, a ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho, defende que "a capacidade de atrair e fixar trabalhadores em Portugal é determinante para o crescimento do país". "Os novos adidos terão um papel importante para garantir que os trabalhadores que pretendem vir para Portugal são valorizados e que exista uma ligação fácil e simples entre as necessidades das empresas e as pessoas que procuram trabalho", destacou.


Os novos adidos têm como missão estabelecer pontes de contacto entre as empresas portuguesas e as comunidades locais, para atrair e simplificar a vinda de trabalhadores para Portugal, de forma regular e digna.

Em Timor e Cabo Verde, os funcionários destacados terão ainda a missão de promover investimento na formação, nos países de origem, para garantir a capacitação e valorização dos trabalhadores, de acordo com o mesmo comunicado.

Jovens portugueses são dos mais qualificados mas em maior risco de pobreza e exclusão social

Paula Sofia Luz, in DN

Um estudo da Pordata destapa a realidade dos jovens portugueses, no momento em que começa a JMJ. Os números são preocupantes: 95% vivem com os pais, e isso acontece por causa do desemprego e da precariedade no mercado de trabalho.

Um total de 95% dos jovens portugueses (que em 2022 eram 10% da população) vivem com os pais, o quarto valor mais alto na União Europeia. Essa é uma das conclusões do estudo da Pordata que hoje é tornado público. No documento percebe-se também que são cada vez mais qualificados - 9 em cada 10 jovens entre os 20 e os 24 anos têm, no mínimo, o ensino secundário, e Portugal é o 7.º país da UE com maior proporção de jovens com ensino superior.

Apesar disso, as preocupações com o acesso à habitação e ao emprego continuam a afetá-los: 6 em cada 10 têm vínculos de trabalho precários, e Portugal é o 7º país da UE com maior taxa de desemprego jovem, afetando 1 em cada 5 jovens no mercado de trabalho. Há outro dado positivo neste retrato agora traçado pela Pordata: os jovens portugueses têm competências digitais acima da média europeia, e estão em 5.º lugar entre os que mais utilizam as redes sociais e leem notícias online. No campo das boas notícias, o documento revela que os hábitos de saúde deste grupo etário parecem estar a melhorar - diminuiu a percentagem de jovens que afirma nunca praticar desporto (um em cada 3) ou que fuma diariamente (9%).

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Em 2022 contabilizavam-se em Portugal 1.086.544 jovens entre os 15 e os 24 anos (51% eram do sexo masculino e 49% do sexo feminino) o que representa uma diminuição de 6 pontos percentuais desde 1961, refletindo a redução das taxas de natalidade e o aumento da esperança média de vida. Para Gonçalo Saraiva Matias, presidente do conselho de administração da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), este estudo revela "um indicador muito positivo, e outro bastante negativo". Refere-se, respetivamente, à educação e competências digitais, onde os jovens portugueses estão num patamar superior à média europeia; por outro lado, "não estamos bem no desemprego (Portugal é o sétimo país da União Europeia com maior desemprego jovem), e seis em cada dez jovens têm vínculos laborais precários. Isto tem necessariamente um reflexo na inclusão social, já que 25% dos jovens estão em risco de pobreza ou exclusão social. Gonçalo Matias acredita mesmo que "temos aqui uma situação explosiva, porque uma faixa considerável dos jovens, entre os 15 e os 24 anos, tem muita qualificação, mas depois tem trabalhos precários e pouca capacidade de entrar no mercado".


"Na minha opinião, até baseada noutros estudos que a Fundação tem feito, isto revela que há um incentivo grande a que os jovens saiam do país", conclui o presidente da FFMS.


O saldo migratório revela que, desde 2019, entram no país mais jovens do que aqueles que saem para viver no estrangeiro. Mas nem sempre foi assim: de 2010 a 2018 o saldo foi negativo.


De acordo com o estudo, no ano passado a esmagadora maioria dos jovens (95%) vivia com os pais, "valor que traduz uma mais difícil independência, sobretudo considerando que este valor era de 86% em 2004". Na verdade, Portugal é o 4.º país da UE, a seguir à Itália (97%), Croácia (96%) e Espanha (96%), em que mais jovens vivem com os pais, acima da média europeia (83%). Na Suécia e na Dinamarca, os jovens que vivem com os pais são menos de metade do total de jovens.

Em Portugal, de acordo com dados de 2022 do Eurostat, a idade média de saída de casa dos pais era aos 30 anos, mais 3 anos do que a média europeia.
Mais educação e competências digitais

Um dos dados mais animadores do estudo da Pordata diz respeito à Educação e Competências Digitais. Em Portugal, 6 em cada 10 jovens concluíram o ensino secundário e quase 3 em cada 10 têm o ensino superior. Somando o ensino superior com o secundário, 9 em cada 10 jovens têm, no mínimo, o ensino secundário, quando a média europeia é de 84%. Foi em 2020 que Portugal ultrapassou a média europeia relativa aos jovens que têm, pelo menos, o ensino secundário completo. Os dados comparativos permitem perceber que, há 20 anos, a proporção de jovens entre os 18 e os 24 anos que deixavam de estudar sem terminar o ensino secundário era de 45%, valor que ficou nos 6% em 2022. "Éramos o 2.º país, a seguir a Malta, com maior abandono escolar. Atualmente, somos o 8.º país com menor taxa de abandono escolar, com menos 4 p.p. face à média europeia (9,6%).

Os rapazes abandonam os estudos duas vezes mais do que as raparigas (8% vs. 4%).

A democratização do acesso ao ensino permitiu trajetórias escolares mais longas. Em 2022, Portugal era já o 7.º país da UE com maior proporção de jovens entre os 20 e os 24 anos com ensino superior, acima da média europeia (19%).

Portugal destaca-se também no que toca ao peso de alunos estrangeiros no ensino superior. 8% dos alunos em licenciaturas e 14% em mestrados são estrangeiros, valores acima da média europeia (6% e 12%).

De acordo com a avaliação das competências digitais, Portugal encontrava-se em 5.º lugar entre os países da UE em que os jovens, entre os 16 e os 24 anos, apresentam competências digitais básicas ou acima do básico. Quase todos os jovens portugueses utilizam diariamente a internet (99,5%), ocupando o 5.º lugar dos países onde os jovens mais usam a internet para participar nas redes sociais, e para ler notícias online. Já para participar em atividades cívicas ou políticas, ocupa a 10.ª posição. O aumento dos anos de escolaridade obrigatória e o acesso mais generalizado ao ensino superior traduziu-se num recuo da taxa de emprego dos jovens. Foram 17 pontos percentuais em 20 anos.

Mas a instabilidade laboral é frequentemente associada aos jovens. Os contratos temporários são uma realidade para cerca de 6 em cada 10 jovens (57%) empregados, bastante acima dos 14% que correspondem aos trabalhadores entre os 25-64 anos. Na UE, os contratos temporários abrangem 5 em cada 10 jovens (e 11% dos trabalhadores de 25-64 anos).

Em comparação com a população em geral. Em 2021, o salário médio dos jovens entre os 18 e os 24 anos era de 948,8€ euros mensais brutos, menos 345,3€ euros do que a média nacional.

No que respeita à religião - que afinal dá o mote a este retrato, à conta da JMJ - a maioria dos jovens diz-se católico.

Mais de um quarto dos jovens em Portugal está em risco de pobreza ou exclusão social

Edgar Nascimento, CM

Ganham menos que os europeus e saem mais tarde de casa dos pais. A maior parte dos que trabalham têm contratos temporários. Taxa de desemprego é de 19%.
Mais de um quarto dos jovens em Portugal, entre os 15 e os 24 anos, está em risco de pobreza ou de exclusão social. Os dados, revelados hoje pela Pordata, a propósito da Jornada Mundial da Juventude, revelam que o risco de pobreza ou de exclusão afeta 246 mil jovens.

Há 25 mil que recebem rendimento social de inclusão e 5 mil com subsídio de desemprego.

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A guerra da fome

Andreia Sanchez ,opinião, in Público

Mais de 345 milhões de pessoas enfrentam altos níveis de insegurança alimentar, um número sem precedentes. O fim do acordo dos cereais é um desafio. Mas há outros.


Apesar de o mundo estar a viver a “maior crise alimentar da história”, o Programa Alimentar Mundial (PAM) enfrenta uma falta de financiamento “paralisante”. Pelo menos 38 países já viram, ou verão em breve, os seus programas de assistência alimentar reduzidos. A ideia é esta: para tentar salvar quem está literalmente a morrer de fome, é preciso cortar no apoio a comunidades onde a situação não é ainda de “fome catastrófica”. Para lá caminharão, mas não há outra forma.

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Mais de 345 milhões de pessoas enfrentam altos níveis de insegurança alimentar, o que representa um aumento de quase 200 milhões desde o início de 2020. A suspensão, há dias, por parte da Rússia, do acordo para a exportação através do mar Negro de cereais da Ucrânia, o “celeiro do mundo”, representa o colapso de um mecanismo fundamental para mitigar o impacto da escalada dos preços dos alimentos.


Mesmo com a guerra, a Ucrânia continuou a ser, graças a esse acordo, o maior fornecedor de trigo da ONU em 2022. Ainda assim, o PAM viu os custos de aquisição dos alimentos que distribui aumentarem 39% face a 2019.
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Sejamos claros: é uma obrigação moral travar o ciclo da fome. É também uma questão estratégica, à escala global: a fome agrava a instabilidade e os conflitos, provoca migrações em larga escala, compromete o futuro de gerações inteiras, com ondas de choque que vão muito além dos países onde grassa.

Há um problema para resolver agora, já: o que fazer sem acordo de cereais. Há outro, de fundo: reconhecer que uma forte mobilização financeira vai ter de se manter, ou aumentar. Porque, ao contrário da guerra na Europa, que há-de ter um fim, a crise climática não terá. As alterações climáticas são há muito responsáveis pela escassez de alimentos em várias regiões do planeta, da Somália a Madagáscar, que pouco contribuíram para elas. A guerra agravou a situação. Mas os extremos climáticos deste Verão mostram que pode ser ainda pior.

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Nove menores retirados da academia Bsports mantêm-se em instituições portuguesas

Marina Oliveira, in Público online

Outros 27 menores já regressaram aos países de origem. Por cá, continuam 47 jovens adultos considerados vítimas de tráfico de pessoas. Um mês após a operação do SEF, número de vítimas subiu para 94.

Nove menores retirados da academia Bsports mantêm-se em instituições portuguesas
Dos 36 menores estrangeiros retirados da academia de futebol BSports, em Riba d’Ave, em meados de Junho, e identificados como vítimas de tráfico de pessoas, nove ainda permanecem em instituições de acolhimento portuguesas. Os restantes 27 já regressaram aos países de origem acompanhados pelos pais ou por tutores legais.

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"Muito talento"

A coordenadora refere que, deste rol de 44 jovens adultos, apenas sete regressaram aos países de origem. Os outros 37 permanecem em Portugal, onde estão a tentar construir o seu futuro. “Estão a surgir algumas possibilidades de clubes de futebol nos seus países de origem, por isso, é possível que alguns regressem a casa”, revela Marta Pereira. Os jovens são oriundos maioritariamente da América Latina, nomeadamente do Brasil, Colômbia e México.

A coordenadora das equipas multidisciplinares de apoio às vítimas de tráfico afirma que não está a ser fácil concretizar os desejos destes jovens, que ainda têm esperança de singrar no mundo do futebol. “Continuamos à procura de soluções no mundo do futebol. Muitos deles têm muito talento”, acredita a técnica.

Não é estranho que assim seja. A BSports vendeu-lhes um sonho e agora sentem-se defraudados. Num vídeo que ainda continua no canal da academia, na Internet, vende-se que este é o "maior projecto de formação de futebol do mundo" e, num outro, a "porta de entrada para a elite do futebol europeu". Associa-se a marca a grandes nomes portugueses do futebol mundial, como Cristiano Ronaldo ou José Mourinho, e anuncia-se uma “formação integral única e pioneira”, que compatibiliza o ensino regular com a formação desportiva.

Não há dúvida de que essa parte não passava de ficção, porque tudo indica que os alunos, com idades entre os 13 e os 23 anos, não frequentavam a escola. Havia aulas assistidas de forma aleatória pelos jovens, como revelou um ex-professor da academia ao PÚBLICO.

As “infra-estruturas de elite” de que se gabava a BSports afinal implicavam que os jovens, que viviam em camaratas que chegavam a ter 12 camas, tivessem de percorrer cerca de 500 metros para chegar a um dos seis chuveiros existentes para as dezenas de atletas, como mostrou a TVI numa reportagem. Isso obrigava a que o banho fosse sujeito a hora marcada. Para quem estava nas camaratas, ir à casa de banho obrigava a uma descida de dois andares.

Questionada pelo PÚBLICO, Marta Pereira referiu que, apesar da grande repercussão mediática do caso, nenhuma organização ligada ao futebol – seja a Federação Portuguesa de Futebol, seja a Liga Portuguesa de Futebol Profissional ou até algum dos principais clubes portugueses – se ofereceu para ajudar a encontrar um futuro para estes jovens, parte dos quais se mantém à guarda do Estado português juntos numa estrutura cedida para esse efeito, onde são asseguradas as suas necessidades básicas. Tem cabido em grande parte ao relator nacional para o tráfico de seres humanos fazer contactos para tentar encontrar soluções.

Contactada pelo PÚBLICO, a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de Vila Nova de Famalicão não respondeu a nenhuma das perguntas feitas, remetendo para o Ministério Público (MP). O PÚBLICO já antes tinha enviado uma série de perguntas sobre este caso à Procuradoria-Geral da República, que, no entanto, não disponibilizou qualquer informação sobre o destino das vítimas de tráfico envolvidas neste caso.

“O inquérito encontra-se em investigação e sujeito a segredo de justiça, não sendo possível, neste momento, prestar informação mais circunstanciada”, justificou o MP.

Já o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, que investiga este caso a pedido do MP, adiantou que até agora, no âmbito da Operação El Dourado, “foram sinalizadas 94 vítimas de tráfico de seres humanos, das quais 36 menores”. Confirmou ainda que até esta semana tinham sido “constituídos arguidos três cidadãos e cinco sociedades”. Trata-se do ex-presidente da Assembleia Geral da Liga Portuguesa de Futebol Profissional Mário Costa, que dirigia a academia, do seu pai e de um primo destes.


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Proibições nas praias "tiram a diversão, algo que pertence aos jovens"

Jucélia Freire, editado por Helena Tecedeiro, in DN


Música alta, jogar à bola, pescar entre nascer e o pôr-do-sol... que outras atividades são proibidas de acordo com o Edital de praia e qual o montante de coima pode ser aplicada?


O Sol brilha forte, a água está na temperatura perfeita e o clima agradável transforma a Praia de Santo Amaro de Oeiras, na Linha de Cascais, num refúgio para quem se quer divertir e fugir do quotidiano. O Edital de Praia, publicado pela Autoridade Marítima Nacional (AMN) todos os anos, define as regras e interdições do que se pode fazer nas praias. Este ano, surgiram algumas novidades para os banhistas, apesar de já estarem previstas em editais anteriores.
Maria Leonor, acompanhada de oito amigos, foram a Santo Amaro para aproveitar as férias escolares. A estudante e os amigos, que dizem já conhecer as atividades interditas pelo Edital de Praia, sentem-se frustrados com algumas das limitações impostas pelo edital, que restringem certas atividades que consideram ser parte integrante da diversão na praia.


"Passámos a maior do ano em aulas e quando chega a época de férias, queremos vir à praia para nos divertirmos e não é possível. As novas leis tiram-nos a diversão, algo que pertence aos jovens. Por isso acho que não faz sentido", afirma Maria Leonor.

Para o grupo, a diversão na praia é algo que deve ser desfrutado ao máximo e algumas restrições são desnecessárias, privando-os de momentos inesquecíveis que a praia pode proporcionar . "No que diz respeito à lei que proíbe as pessoas de fumar junto a outros banhistas compreendo, porque o tabaco pode incomodar, mas não acho que faça sentido proibir os jovens de jogar ou ouvir música."


Utilizar equipamentos ruidosos, jogar à bola ou similares fora de lugares destinados à prática desportiva, pescar entre o nascer e o pôr-do-sol são algumas das atividades interditas no Edital de Praia e podem gerar multas de milhares de euros, questão que tem provocado agitação entre os banhistas.

"Música alta em todas as zonas concessionadas já é proibida há algum tempo. Como nos temos deparado com mais infrações da parte dos banhistas, esta restrição foi reforçada", conta o coordenador dos nadadores-salvadores na Praia de Santo Amaro de Oeiras, Miguel Dias.

O coordenador explica que muitas vezes se deparam com banhistas que trazem equipamentos de som de elevada potência, com música tão alta que chega a afetar toda a praia. "Isso gera muitas reclamações de outras pessoas que vêm descansar. Em todos os locais públicos há regras que devem ser respeitadas".

De acordo com o Edital de praia 2023, a colocação de música alta, que possa perturbar outros banhistas, em praias com domínio da Autoridade Marítima Nacional, para além da apreensão do objeto, a coima pode chegar aos 4000 mil euros para indivíduos e aos 36 mil euros para bares ou outras casas comerciais. Mas não é a única atividade proibida que gera multas. À semelhança de anos anteriores, jogos de bola ou similares fora das zonas destinadas a esses fins; prática de surf, kitesurf, windsurf e outras atividades desportivas que possa constituir perigo para a integridade física dos banhistas em zonas que lhes estejam reservadas pode causar punições (ver caixa).
"É preciso mais fiscalização"

Questionado pelo DN sobre a forma como os banhistas reagem às abordagens no momento em que infringem as leis, Miguel Dias diz que na maioria dos casos se portam bem, mas que no geral as leis do edital não são cumpridas.

"São leis que fazem todo o sentido, mas não me parece que os banhistas as cumpram. Para que isso tenha sucesso é preciso haver mais controlo e fiscalização, senão as pessoas continuam a infringi-las".

O porta-voz da Autoridade Marítima Nacional, José Sousa Luís, diz que o Edital de Praia publicado este ano é semelhante ao de 2022, no entanto, este ano houve mais interesse por parte da comunicação social e de toda a população.

"As abordagens feitas pela Polícia Marítima são mais pedagógicas, mas há um controlo por parte das autoridades."

Fumar na praia, atirar beatas para o chão e incomodar os outros banhistas com o fumo do cigarro também será proibido nas praias a partir de 23 de outubro ao abrigo das novas leis do tabaco (ver caixa).

O DN deslocou-se também à Praia da Barra, em Aveiro, para perceber se os banhistas já consultaram o Edital de Praia de 2023.

O areal estava bastante cheio e André Pires, natural de Aveiro, que fazia praia pela primeira vez este ano, disse concordar com todas as leis do Edital, mas que deveria haver mais restrições nas regras de fumo e bebidas alcoólicas. "Não acho que seja o sítio certo para beber. Em relação ao fumo, acho que tem de haver uma zona reservada só para fumadores, para não incomodarem os outros banhistas."

Em relação ao tabaco, o aveirense não é o primeiro a tocar no assunto. Em maio, a Federação Portuguesa de Concessionários de Praia afirmou que em relação à lei do tabaco, que deu entrada no Parlamento, as regras sobre os locais onde não se pode fumar nas praias devem "estar bem definidas".

"Depois das abordagens, as pessoas voltam a fazer coisas erradas na nossa ausência. Podem até conhecer as regras, mas duvido que as cumpram", afirma o nadador-salvador da Praia da Barra, Ricardo Sarabando, que está no seu primeiro ano de serviço. "O nosso trabalho é vigiar e perdemos tempo com certas advertências que, para além de precisarem de ser mais divulgadas pelas autoridades e meios de comunicação social, os banhistas deveriam ter conhecimento da legislação."

Um banhista, que estava a visitar a praia pela terceira vez disse não ter conhecimento de todas as regras do edital, mas que concorda com todas elas. "Há pessoas que vêm para a praia para relaxar, apreciar a paisagem, dormir um bocadinho e até ler um livro e não podem por causa do barulho. Concordo plenamente com as leis", afirma Carlos Daniel, que trouxe consigo uma bola, mas não sabia ainda que era proibido jogar em zonas não-atribuídas.
Atividades proibidas e punições de acordo com o Edital de Praia

Equipamentos ruidosos
Utilização de colunas de som que possam causar incómodo a outros banhistas, para além da apreensão do objeto, pode gerar coimas entre os 200 e os quatro mil euros para pessoas individuais, e entre os 1000 e 36 000 euros para pessoas coletivas.

Jogos de bola, raquetes e outros fora de áreas afetas a esse fim gera coimas entre os 30 e 100 euros.

Praticar surf, kitesurf, windsurf em locais não-destinados a essas práticas, nas praias sob o domínio da AMN, leva a coimas entre os 55 e 550 euros.

Outras atividades
Sujar a praia, pesca lúdica nas unidades balneares entre o nascer e o pôr-do-sol, acampar e sobrevoar com aeronaves com motor abaixo dos 1000 pés, são outras atividades proibidas. Com a nova lei do tabaco, a partir de 23 de outubro passará a ser de todo proibido fumar nas praias.

Jovens portugueses são dos mais qualificados mas em maior risco de pobreza e exclusão social

Paula Sofia Cruz ,in DN


Um estudo da Pordata destapa a realidade dos jovens portugueses, no momento em que começa a JMJ. Os números são preocupantes: 95% vivem com os pais, e isso acontece por causa do desemprego e da precariedade no mercado de trabalho.


Um total de 95% dos jovens portugueses (que em 2022 eram 10% da população) vivem com os pais, o quarto valor mais alto na União Europeia. Essa é uma das conclusões do estudo da Pordata que hoje é tornado público. No documento percebe-se também que são cada vez mais qualificados - 9 em cada 10 jovens entre os 20 e os 24 anos têm, no mínimo, o ensino secundário, e Portugal é o 7.º país da UE com maior proporção de jovens com ensino superior.


Apesar disso, as preocupações com o acesso à habitação e ao emprego continuam a afetá-los: 6 em cada 10 têm vínculos de trabalho precários, e Portugal é o 7º país da UE com maior taxa de desemprego jovem, afetando 1 em cada 5 jovens no mercado de trabalho. Há outro dado positivo neste retrato agora traçado pela Pordata: os jovens portugueses têm competências digitais acima da média europeia, e estão em 5.º lugar entre os que mais utilizam as redes sociais e leem notícias online. No campo das boas notícias, o documento revela que os hábitos de saúde deste grupo etário parecem estar a melhorar - diminuiu a percentagem de jovens que afirma nunca praticar desporto (um em cada 3) ou que fuma diariamente (9%).


Em 2022 contabilizavam-se em Portugal 1.086.544 jovens entre os 15 e os 24 anos (51% eram do sexo masculino e 49% do sexo feminino) o que representa uma diminuição de 6 pontos percentuais desde 1961, refletindo a redução das taxas de natalidade e o aumento da esperança média de vida. Para Gonçalo Saraiva Matias, presidente do conselho de administração da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), este estudo revela "um indicador muito positivo, e outro bastante negativo". Refere-se, respetivamente, à educação e competências digitais, onde os jovens portugueses estão num patamar superior à média europeia; por outro lado, "não estamos bem no desemprego (Portugal é o sétimo país da União Europeia com maior desemprego jovem), e seis em cada dez jovens têm vínculos laborais precários. Isto tem necessariamente um reflexo na inclusão social, já que 25% dos jovens estão em risco de pobreza ou exclusão social. Gonçalo Matias acredita mesmo que "temos aqui uma situação explosiva, porque uma faixa considerável dos jovens, entre os 15 e os 24 anos, tem muita qualificação, mas depois tem trabalhos precários e pouca capacidade de entrar no mercado".


"Na minha opinião, até baseada noutros estudos que a Fundação tem feito, isto revela que há um incentivo grande a que os jovens saiam do país", conclui o presidente da FFMS.


O saldo migratório revela que, desde 2019, entram no país mais jovens do que aqueles que saem para viver no estrangeiro. Mas nem sempre foi assim: de 2010 a 2018 o saldo foi negativo.


De acordo com o estudo, no ano passado a esmagadora maioria dos jovens (95%) vivia com os pais, "valor que traduz uma mais difícil independência, sobretudo considerando que este valor era de 86% em 2004". Na verdade, Portugal é o 4.º país da UE, a seguir à Itália (97%), Croácia (96%) e Espanha (96%), em que mais jovens vivem com os pais, acima da média europeia (83%). Na Suécia e na Dinamarca, os jovens que vivem com os pais são menos de metade do total de jovens.

Em Portugal, de acordo com dados de 2022 do Eurostat, a idade média de saída de casa dos pais era aos 30 anos, mais 3 anos do que a média europeia.

Mais educação e competências digitais

Um dos dados mais animadores do estudo da Pordata diz respeito à Educação e Competências Digitais. Em Portugal, 6 em cada 10 jovens concluíram o ensino secundário e quase 3 em cada 10 têm o ensino superior. Somando o ensino superior com o secundário, 9 em cada 10 jovens têm, no mínimo, o ensino secundário, quando a média europeia é de 84%. Foi em 2020 que Portugal ultrapassou a média europeia relativa aos jovens que têm, pelo menos, o ensino secundário completo. Os dados comparativos permitem perceber que, há 20 anos, a proporção de jovens entre os 18 e os 24 anos que deixavam de estudar sem terminar o ensino secundário era de 45%, valor que ficou nos 6% em 2022. "Éramos o 2.º país, a seguir a Malta, com maior abandono escolar. Atualmente, somos o 8.º país com menor taxa de abandono escolar, com menos 4 p.p. face à média europeia (9,6%).

Os rapazes abandonam os estudos duas vezes mais do que as raparigas (8% vs. 4%).

A democratização do acesso ao ensino permitiu trajetórias escolares mais longas. Em 2022, Portugal era já o 7.º país da UE com maior proporção de jovens entre os 20 e os 24 anos com ensino superior, acima da média europeia (19%).

Portugal destaca-se também no que toca ao peso de alunos estrangeiros no ensino superior. 8% dos alunos em licenciaturas e 14% em mestrados são estrangeiros, valores acima da média europeia (6% e 12%).

De acordo com a avaliação das competências digitais, Portugal encontrava-se em 5.º lugar entre os países da UE em que os jovens, entre os 16 e os 24 anos, apresentam competências digitais básicas ou acima do básico. Quase todos os jovens portugueses utilizam diariamente a internet (99,5%), ocupando o 5.º lugar dos países onde os jovens mais usam a internet para participar nas redes sociais, e para ler notícias online. Já para participar em atividades cívicas ou políticas, ocupa a 10.ª posição. O aumento dos anos de escolaridade obrigatória e o acesso mais generalizado ao ensino superior traduziu-se num recuo da taxa de emprego dos jovens. Foram 17 pontos percentuais em 20 anos.

Mas a instabilidade laboral é frequentemente associada aos jovens. Os contratos temporários são uma realidade para cerca de 6 em cada 10 jovens (57%) empregados, bastante acima dos 14% que correspondem aos trabalhadores entre os 25-64 anos. Na UE, os contratos temporários abrangem 5 em cada 10 jovens (e 11% dos trabalhadores de 25-64 anos).

Em comparação com a população em geral. Em 2021, o salário médio dos jovens entre os 18 e os 24 anos era de 948,8€ euros mensais brutos, menos 345,3€ euros do que a média nacional.

No que respeita à religião - que afinal dá o mote a este retrato, à conta da JMJ - a maioria dos jovens diz-se católico.

paula.sofia.luz@ext.dn.pt

UNESCO vota Gulbenkian como Património Mundial e alargamento em Guimarães

Por Lusa,  in Notícias ao Minuto


O Comité do Património Mundial da UNESCO vai votar, em setembro, a classificação dos jardins e do edifício da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, e o alargamento da área classificada de Guimarães, anunciou hoje a organização das Nações Unidas.

m comunicado, a Organização das Nações Unidas para a Ciência, Educação e Cultura (UNESCO, na sigla em inglês), revelou que o Comité do Património Mundial se vai reunir em Riade, na Arábia Saudita, entre 10 e 25 de setembro para analisar 53 candidaturas, algumas das quais não puderam ser votadas no ano passado.

Entre estas inclui-se a proposta de classificação dos jardins e do edifício da Gulbenkian, um conjunto com "um caráter único de valor universal excecional, amplamente reconhecido e apoiado por intelectuais, especialistas e artistas de renome mundial", como se pode ler na justificação do valor universal da candidatura.

"Desenhado entre 1959 e 1969 pelos arquitetos Alberto Pessoa (1919-1985), Pedro Cid (1925-1983) e Ruy Jervis d'Athouguia (1917-2006), com os arquitetos paisagistas António Vianna Barreto (1924-2013) e Gonçalo Ribeiro Telles (1922-2020), o edifício sede e parque contribuíram para a afirmação da modernidade no mundial, combinando vários aspetos de criatividade e inovação do génio humano", pode ler-se no texto da lista indicativa, onde a candidatura foi incluída em 2016.


Já em relação a Guimarães, cuja candidatura para ampliação da área classificada passou a integrar a lista indicativa também em 2016, a Câmara Municipal propôs "duplicar a área classificada, inscrevendo a Zona de Couros na lista indicativa para obter o estatuto de Património da Humanidade", como se podia ler num comunicado da autarquia de 2015.

"No caso de a candidatura ser bem-sucedida, a área de proteção passará a ser cinco vezes superior à atual, criando-se uma zona tampão desde o topo da montanha da Penha, onde nasce a ribeira de Couros, à Veiga de Creixomil, foz de cursos de água", acrescentava o texto.

O Centro Histórico de Guimarães está classificado como Património Mundial desde 2001.

Desemprego estabiliza nos 6,4% em junho

Cátia Mateus, in Expresso

Portugal contabilizou em junho 336,5 mil desempregados. A taxa de desemprego manteve-se estável face ao mês anterior, mas continua 0,4 pontos percentuais acima da registada em junho de 2022

A taxa de desemprego em Portugal foi de 6,4% em junho, valor que se mantém inalterado face ao apurado em maio deste ano, mas que continua a representar um aumento de 0,4 pontos percentuais (p.p.) comparativamente ao mês homólogo de 2022, ou seja, junho do ano passado.

Os dados provisórios do Instituto Nacional de Estatística (INE), divulgados esta segunda-feira, indicam que o mês de junho fechou com um total de 336,5 mil desempregados contabilizados. O número traduz uma diminuição de 0,7% em relação ao mês anterior, mas um aumento homólogo, ou seja, face ao mês mo mês do ano passado, de 85%. Contas feitas, em junho deste ano, Portugal registava mais 26,3 mil desempregados do que há um ano.

Na nota que acompanha os indicadores mensais de emprego e desemprego, ainda provisórios para o mês de junho, o INE explica que durante o mês em análise a população ativa terá aumentado em 1,0 mil pessoas, o que corresponde a uma variação relativa quase nula. Já a população inativa manteve-se praticamente inalterada em relação ao mês de maio.

“O ligeiro aumento da população ativa resultou do acréscimo da população empregada (3,4 mil; 0,1%) ser pouco superior ao decréscimo da população desempregada (2,4 mil; 0,7%)”, lê-se na nota que acrescente ainda que “a manutenção da população inativa foi explicada pelas variações nos grupos que a compõem, de onde se destaca o acréscimo do número de inativos à procura, mas não disponíveis para trabalhar (1,3 mil; 4,0%) e o decréscimo do número de inativos disponíveis, mas que não procuraram emprego (1,1 mil; 1,0%)”.

Ainda segundo o INE, o aumento da população ativa (99,7 mil; 1,9%) registado em junho face ao mês homólogo resultou do acréscimo tanto da população empregada (73,4 mil; 1,5%) como da população desempregada (26,3 mil; 8,5%). Já a apopulação inativa diminuiu em 71,6 mil pessoas (2,9%) devido, principalmente, à diminuição do número de outros inativos (54,2 mil; 2,3%). Em conjunto, estes resultados determinaram a manutenção da taxa de desemprego no valor apurado em maio deste ano, 6,4%.

Depois de arranque forte do ano, economia estagna no segundo trimestre

Sérgio Aníbal, in Público

Depois de, nos primeiros três meses do ano, ter surpreendido com um crescimento acima do esperado, a economia portuguesa estagnou no segundo trimestre. Uma variação do PIB acima dos 2% no total do ano continua a estar no horizonte, mas a previsão de 2,7% feita pelo Governo torna-se mais difícil de concretizar.

De acordo com a primeira estimativa dos dados das contas nacionais publicados esta segunda-feira pelo Instituto Nacional de Estatística, Portugal registou, no segundo trimestre de 2023, uma variação nula face ao trimestre imediatamente anterior. Este resultado representa uma quebra de ritmo acentuado face àquilo que tinha acontecido no primeiro trimestre do ano, período no qual a taxa de variação em cadeia do PIB atingiu os 1,6%.

O resultado agora obtido fez a taxa de variação homóloga do PIB baixar dos 2,5% registados no primeiro trimestre para 2,3%.
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Isto é, em relação àquilo que tinha acontecido no primeiro trimestre, registou-se agora um desempenho mais fraco das exportações, que tinham sido o principal factor por trás do forte arranque de ano, e uma aceleração do consumo privado, que não foi suficiente para compensar o resultado menos favorável proveniente das relações económicas com o exterior, a que não será alheia a forma como a economia europeia está a reagir à actual conjuntura de inflação e taxas de juro altas.

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Já para que seja atingida a variação do PIB de 2,7% apresentada recentemente pelo ministro das Finanças como nova estimativa do Governo para este ano, será necessário que, depois de estagnar no segundo trimestre, a economia seja capaz de registar, nos trimestres que faltam, uma variação média de 0,7%.

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Pausa na subida dos juros do BCE? "Mesmo que aconteça, poderá não ser definitiva", avisa Christine Lagarde

Jorge Nascimento Rodrigues Jornalista, in Expresso


Em entrevista, este fim de semana, ao jornal francês “Le Figaro”, a presidente do Banco Central Europeu voltou a admitir que em próxima reunião pode haver uma subida dos juros ou “talvez” até uma pausa. Mas mesmo uma paragem no aumento dos juros nunca será definitiva. Lagarde acredita que uma “aterragem suave” na economia da zona euro é possível e desejável

“Pode haver uma nova subida [dos juros] ou talvez uma pausa” na próxima reunião do Banco Central Europeu (BCE), em setembro, disse Christine Lagarde este fim-de-semana em entrevista ao jornal francês “Le Figaro”. A possibilidade de uma paragem no ciclo de disparo dos juros já tinha sido referida pela presidente do BCE na conferência de imprensa de 27 de julho que se seguiu à divulgação da decisão de fazer um novo aumento de 25 pontos-base (um quarto de ponto percentual) na taxa diretora principal.


Tal como na semana passada, a francesa que dirige o banco central do euro, temperou, na entrevista, a durabilidade de uma pausa: “Uma pausa, mesmo que ocorra em setembro ou mais tarde, poderá não ser definitiva. A inflação tem de regressar de um modo durável ao objetivo [de 2%]”, afirmou Lagarde.

A entrevista foi publicada na véspera de ser divulgada pelo Eurostat a estimativa para a inflação em julho, depois de esta ter desacelerado para 5,5% no mês passado.

Lagarde recordou a nova orientação saída da reunião da semana passada. O BCE regressa à tomada de decisões reunião a reunião. “Estamos num contexto de incerteza e reavaliaremos a situação e a nossa ação reunião a reunião”, refere Lagarde. Mas há uma certeza: “As taxas do BCE serão fixadas em níveis suficientemente restritivos pelo tempo que for necessário para se chegar atempadamente à meta de médio prazo de 2% [na inflação]”.

O IDEAL É UMA ‘ATERRAGEM SUAVE’ NA ZONA EURO

A presidente do BCE admite, na entrevista ao “Le Figaro”, que o aperto monetário em curso “implica necessariamente uma diminuição da atividade económica”, mas repesca a mesma ideia que Jerome Powell tem defendido na Reserva Federal norte-americana (Fed). “A solução ideal - conhecida por aterragem suave - é um abrandamento moderado da atividade económica com uma redução significativa da inflação”.

Os economistas do BCE e do Fundo Monetário Internacional prevêem que a economia da zona euro cresça 0,9% em 2023, metade do ritmo norte-americano, e que inflação se reduza para o patamar de 5%. Mas para que isso aconteça é preciso que não haja nenhuma espiral salários-preços. Lagarde acha que “não há sinais” de uma tal espiral, pois as previsões do BCE pressupõem que as empresas vão absorver nas suas margens de lucros parte do custo induzido pelo aumento dos salários.

O ideal pode ser, no entanto, ameaçado. Lagarde avisa que o “maior risco” é a situação geopolítica agravada pelos problemas climáticos. “Qualquer novo choque - seja no petróleo ou nos preços da alimentação ou uma aceleração da crise climática - é um risco potencial”, conclui a presidente do BCE.

“Não esperavam isto em 2023, pois não? O Papa só vem aqui porque somos miseráveis”: no Bairro da Liberdade, a prisão é uma fossa

TEXTO MARTA GONÇALVES FOTOS NUNO BOTELHO, in Expresso


A casa de Vanessa está cheia de coisas e coisinhas que em tempos encheram um T2 completamente banal. Desempacotaram tudo o que tinham há ano e meio e encaixaram-se numa casa demasiado pequena, com três pequenas divisões: uma cozinha-entrada, uma sala-quarto e um quarto que é uma sala de jantar. Não há casa de banho, apenas uma sanita atrás de uma porta, num cubículo mais pequeno do que um armário; os duches tomam-se na rua durante o verão e no meio da cozinha no inverno. “Tenho esta piscina aqui”, conta a mulher de 32 anos, enquanto abre a cortina que esconde a chaminé e tira um pequeno insuflável colorido, daqueles em que bebés de fralda chapinham na praia com água do mar. Aqui serve de banheira no meio de uma cozinha.

Vanessa vive com o marido Fernando e a filha Gabriela, de nove anos, no Bairro da Liberdade. Foi ali que, quando os valores das rendas dispararam, encontraram onde morar por €120, numa casa “sem condições de habitabilidade”, mas que pelo menos não era uma tenda. “Era isto ou a rua, era pagar uma renda de €600 ou comer.” Enfiaram toda a vida ali, encafuada numa casa sem portas e só com uma janela. “Ter uma sanita neste bairro é um luxo. Há aqui quem não tenha e use a fossa comum.” As pessoas usam um balde, vão à rua e atiram os dejetos para um buraco. “Não deviam ficar contentes com a vinda do Papa cá, mas tristes. Se vem, não é por este ser o bairro mais bonito.”

Do Bairro da Liberdade veem-se as torres das Amoreiras. Fica a três ou quatro quilómetros do Parque Eduardo VII, onde um palco foi erguido para receber a Jornada Mundial da Juventude (JMJ), e a outros tantos de Campo de Ourique, uma das zonas mais caras da capital. É atravessado pelo Aqueduto das Águas Livres, monumento nacional visitado por centenas de pessoas — os seus pilares estão a pouco mais de 50 metros das casas daquilo a que chamam “a favela de Lisboa”.

Os caminhos são tão estreitos que provocam uma sensação de aperto, sufoco. Apesar de colados a um dos eixos com mais trânsito de Lisboa, o som da cidade desaparece pelas ruelas e é impossível passar mais que uma pessoa ao mesmo tempo pelo corredor. As construções são precárias, cheias de acrescentos e obras feitas sem autorização, janelas remendadas com panos e plásticos, portas de madeira e partidas. Aos telhados faltam telhas. Quem caminha na São Jacob nem percebe as portas e caminhos labirínticos que existem para lá desta rua principal.

Tal como as fossas comuns — tapadas com placas de madeira para impedir que ratos subam para as ruas e casas —, também existem pelo bairro chafarizes que ainda funcionam. Nem todos têm acesso à água, menos ainda têm saneamento básico. “Não é só pela Igreja que o Papa vem cá, vem cá porque somos miseráveis.” Paulo é um dos filhos do bairro que, já adulto, saiu da Liberdade para criar os filhos numa casa com melhores condições.

A visita de Francisco ao Centro Paroquial de São Vicente de Paulo, que fica às portas do Bairro da Liberdade, está marcada para sexta-feira (4) e com um plano diferente daquele que o padre Crespo tinha idealizado. “Queria ter muita gente do bairro, praticante ou não, mas a polícia e a segurança do Vaticano só vão deixar entrar quem estiver credenciado. Vai ser tudo controlado, temos as ruas cheias de polícia e fechadas”, diz o pároco. “Há aqui tanta gente que gostaria de vê-lo e saudá-lo.”

“QUE DIGNIDADE É ESTA?”

Faltam ainda 14 dias para que Luís Alves, 55 anos, possa ir buscar o cabaz alimentar ao centro paroquial. Na parede, entalado numa moldura, está um retângulo de papel impresso a computador. Parece uma senha de racionamento. Tem dia e hora marcados, garantia de que vai ter comida na despensa. A fachada do sítio onde mora parece ser apenas uma casa degradada, mas para lá da porta junto ao alcatrão há um pátio com várias pequenas casas. A de Luís é no primeiro andar: tem uma cozinha, que é também a entrada, e um quarto-sala onde cabe apenas uma cama de solteiro, um armário e uma secretária. “Que dignidade é esta?”

A casa de banho fica no rés do chão, José mal cabe lá dentro e partilha-a com mais “três ou quatro pessoas”. Há 20 anos que um acidente grave de moto o deixou vários meses em coma e incapaz de trabalhar. Conta que vendeu droga para não ter de ir roubar, foi preso e saiu em condicional. Pediu ajuda na Junta de Freguesia de Campolide, à qual pertence o bairro. “Tudo o que se vê aqui em redor é uma vergonha. Eles não fazem nada, querem é o cu deles e para os amigos.” O tom de voz de Luís eleva-se com a revolta. “O Papa vem cá, os senhores ministros vêm cá, vem cá toda a gente, mas só meteram cá merda e remendos”, diz, desculpando-se a cada instante pelo palavreado. Queixa-se de como o Liberdade foi esquecido enquanto outros bairros desapareceram para dar lugar a novas casas camarárias. “Se não sabem o que se passa aqui foi porque não quiseram saber. Agora querem porque vem o Papa. Daqui a pouco, quando tudo isto passar, já se esqueceram de mim.”

O bairro nasceu como dormitório de centenas de pessoas que vieram dos meios rurais à procura de trabalho em Lisboa nos primeiros anos do século passado. Criaram-se filhos, nasceram netos e, em alguns casos, já chegaram os bisnetos e a requalificação do Liberdade não aconteceu. “Não estavam à espera disto em 2023, pois não?”, pergunta Paulo.

Inflação baixou para 3,1% em Julho

Victor Ferreira,  in Público

Descida de 0,3 pontos percentuais face à inflação de Junho deve-se “parcialmente” a um “decréscimo dos preços nos produtos alimentares e bebidas não alcoólicas”, diz o INE.


A taxa de inflação terá baixado para 3,1% em Julho, segundo a estimativa rápida do Instituto Nacional de Estatística (INE).


É uma descida de 0,3 pontos percentuais face aos 3,4% registados em Junho. Tal desaceleração, a confirmar-se a 10 de Agosto, quando saírem os dados definitivos, "está parcialmente associada a um decréscimo de preços verificado na classe dos Produtos alimentares e bebidas não alcoólicas", refere o INE, na informação divulgada esta manhã.

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Na variação mensal, a inflação terá descido 0,4% em Julho face a Junho, quando nesse mês foi de 0,3%. Há um ano, a variação mensal foi nula em Julho.


Com estes dados, o INE calcula que a inflação seja de 7,3% nos últimos 12 meses, descendo dos 7,8% calculados no mês anterior.

Já o Índice Harmonizado de Preços no Consumidor (IHPC) português, que permite comparações com outros países, terá registado uma variação homóloga de 4,3% (4,7% no mês precedente).

[artigo disponível na íntegra só para assinantes aqui]

Mais ajuda para o crédito à habitação? O que vem aí e porquê?

Diogo Cavaleiro, in Expresso

Ministro das Finanças anunciou alargamento do regime de bonificação de juros, cujo impacto até aqui é muito limitado. Fernando Medina também quer facilitar trocas de tipo de taxa do crédito. Saiba mais, em quatro perguntas e respostas


Já se sabia que o Governo ia reforçar os auxílios estatais a quem tem crédito à habitação e o ministro das Finanças, Fernando Medina, confirmou-o em entrevista ao Público. A bonificação dos juros, que só chegou a uma franja reduzida da população com empréstimos para a compra de casa, será reforçada e terá o acesso facilitado, e haverá uma aposta para uma maior flexibilidade na mudança de taxas de juro nos créditos.

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QUE MEDIDAS JÁ EXISTEM?

Com as prestações mensais a pagar ao banco a agravarem-se centenas de euros, ao mesmo tempo que a inflação retira mais dinheiro da carteira dos portugueses, o Governo tem tentado implementar medidas relativas ao crédito à habitação desde o fim do ano passado, mas, até agora, tem ouvido que são insuficientes. Inicialmente, o Executivo clarificou as regras para que os clientes pudessem mais facilmente negociar os créditos já existentes e, depois, já este ano, aprovou um decreto-lei para que o Estado pagasse parte do aumento dos juros que, à luz da evolução do mercado, fosse considerado excessivo. Foram definidos limites (desde a taxa de esforço mínima de 35% até aos tetos máximos nos rendimentos — €38.632 — e no património — €29.786,66), e o número de beneficiários com a bonificação dos juros é limitado: 10 mil candidaturas aprovadas pela banca em junho, anunciou o ministro das Finanças.



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QUAIS AS NOVAS MEDIDAS?

Tendo em conta que há mais de um milhão de contratos de crédito à habitação, o universo de clientes beneficiados pela bonificação dos juros é muito baixo. O Expresso noticiou na semana passada que estavam a ser preparadas novas medidas e, em entrevista ao “Público”, o ministro das Finanças anunciou-as. Primeiro, Fernando Medina clarificou que os clientes com taxas de esforço acima de 50% (a prestação tem de significar pelo menos metade do rendimento) terão direito a bonificação sempre que o juro está acima de 3% (não havendo comparação com o indexante na data da contratação). Depois, a bonificação aos clientes elegíveis será de 75% do agravamento excessivo do juro (até aqui era só de 50% para quem se encontra no quinto e sexto escalão do IRS). Além disso, e fora deste regime, o Governo pretende facilitar a troca de taxa variável por fixa apenas de forma temporária.


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QUANDO É QUE CHEGAM?

Fernando Medina lembrou que, no que diz respeito ao regime da bonificação parcial dos juros, já há um protocolo assinado entre os bancos e a Direção-Geral do Tesouro e Finanças, pelo que se tratará apenas de atualizá-lo: “Agora poderá ter de ser adaptado relativamente às novas condições.” De recordar que a elaboração deste protocolo, que foi assinado pelas instituições bancárias mas negociado com a Associação Portuguesa de Bancos (APB), demorou meses. Aliás, este decreto é de março e só em junho começou a haver pagamentos das bonificações. A APB não quis fazer comentários. Já em relação à medida sobre a mudança do tipo de taxa por um determinado período de tempo (de variável para fixa por dois anos, por exemplo), não há certezas. Disse o responsável pela pasta das Finanças que a apresentação da medida será em setembro, não se sabendo quando é que depois entrará em vigor.


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O QUE DIZEM OS BANCOS?

Do lado dos bancos, há cautela em comentar as iniciativas do Governo. O Novo Banco é o que mais se estende: “A adoção de medidas adicionais deverá ser cuidadosamente ponderada, e caso seja entendido avançar deverá ser garantindo que dessas medidas não resultam consequências indesejáveis, quer para os clientes quer para os bancos, designadamente em resultado da eventual necessidade de marcação dos créditos.” Ainda assim, e elogiando a vontade do Governo, assume que, em relação à bonificação dos juros, “as situações por esta abrangidas têm-se revelado relativamente reduzidas”. Já sobre a taxa fixa temporária, a CGD defende que a troca já ocorre, mas depende de avaliação: “Os pedidos de alteração de uma taxa variável para a opção de taxa fixa a 2 anos de 3,75% (com prazo remanescente em taxa variável) são avaliados casuisticamente, mas não implicam quaisquer custos para clientes”.

Falta de casas ameaça execução atempada de grandes projectos do PRR

Victor Ferreira, in Público online

Contratação de pessoal esbarra na falta de oferta imobiliária em regiões de grande investimento nacional. Os calendários apertados do PRR quase que impõem a opção por trabalhadores já experientes.

A falta de habitação é um problema nacional. Fala-se muito em Lisboa e Porto, nas respectivas áreas metropolitanas, mas, noutras geografias, a situação repete-se. Em Évora, por exemplo, há uma cidade universitária e património mundial envolvida na transformação de Portugal num país produtor de aviões, mas a falta de casas para alojar dezenas de profissionais que é preciso contratar põe em risco a capacidade de cumprir este projecto apoiado pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) dentro do calendário, que é apertado e tem de ser respeitado.

“É terrível”, resume Miguel Braga, presidente da Empresa de Engenharia Aeronáutica (EEA), que lidera o consórcio Aero.next, de 34 entidades, cujo objectivo é contratar 350 profissionais, muitos deles recrutados no estrangeiro.

“A falta de habitação é, de facto, um drama que nós ainda não temos em Ponte de Sor – talvez tenhamos esse problema mais à frente –, mas já o estamos a ter em Évora. Não há oferta suficiente, os preços são equivalentes aos das grandes cidades. É o nosso maior problema neste momento”, afiança o mesmo responsável.

O consórcio quer dar um passo “ambicioso”: comercializar a partir de Portugal um produto completo. O que, a acontecer, será uma mudança substancial para a economia nacional.

No que diz respeito à aeronáutica, o país participa hoje em dia nas fases de engenharia, nas cadeias de valor de pequenos sistemas e subsistemas, mas “falha na integração”, explica o mesmo responsável. Por outras palavras, não teve até hoje a capacidade de integrar tudo o que desenvolve num sistema de produção que permita que um avião, tripulado ou não, saia completo do país, mas a voar. Isso tem um custo, porque significa que o país “não está nas fases de maior valor e maior intensidade tecnológica”.

“Trabalhamos no início e no fim. Com este consórcio, queremos criar o primeiro integrador final português – que monta e vende o avião”, explica Miguel Braga.

Trata-se de impulsionar a indústria aeronáutica – que está a criar raízes em Ponte de Sor (distrito de Portalegre), mas com ramificações a muitas outras cidades do Norte ao Sul do país –, para patamares onde hoje temos Alemanha, França ou mesmo Espanha. Mas o país não tem os profissionais necessários para cumprir esta ambição, até 2026. Faltam em quantidade e os que há não cobrem todas as disciplinas ou áreas de conhecimento que a produção de aviões exige.

Como tal, a solução é procurar profissionais no mercado mundial. Muitos vêm ou virão do Brasil, mas dado que o prazo é curto, por imposição do PRR, é preciso recrutar pessoas com experiência, seniores na sua actividade, que possam entrar ao serviço de imediato porque não há tempo para períodos de aprendizagem.

Tudo isso esbarra na tal falta de habitação. “Estes projectos são feitos com pessoas altamente qualificadas que muitas vezes nem existem em Portugal; estamos a falar de gente com senioridade e que, se as conseguirmos atrair, virão com as suas famílias. Estamos, portanto, com um problema muito sério, porque não se encontra habitação para estas pessoas. Não quero antecipar-me, mas isto pode ser, desde logo, o primeiro grande constrangimento ao cumprimento na totalidade das actividades em tempo útil”, frisa Miguel Braga.
Planear transportes

Não é o único grande projecto de investimento apoiado pelo PRR a lidar com este problema. Mas o alerta deste consórcio, que vai investir mais de 120 milhões de euros (75 milhões no Alentejo), é o “aviso mais veemente feito até ao momento”, anota o presidente da Comissão Nacional de Acompanhamento (CNA) do PRR, Pedro Dominguinhos, que prometeu reunir-se com os parceiros deste consórcio e acompanhar o tema junto do poder local e nacional.

“Há muitos municípios com intenções de investimento na área da habitação, até com apoio do PRR, mas estamos a falar de alojamento a custos sociais ou controlados. Como tal, não se destinam a resolver este problema e, mesmo que pudessem, as casas não estariam prontas a tempo”, prossegue o presidente da CNA.

O tempo de execução é a variável crucial. Fazer casas demora o seu tempo, mas tempo é o recurso menos abundante no PRR, que tem de ser concluído até 2026, nalguns casos até antes, dependendo do calendário que foi acertado com a Comissão Europeia. Por isso, esperar que a oferta imobiliária cresça para depois contratar pessoas que os projectos do PRR exigem não é solução.

Pedro Dominguinhos cita medidas que poderiam diminuir as dificuldades, pelo menos no curto prazo. Dá como exemplo a empresa norte-americana que se instalou perto do Montijo e reservou ali toda uma ala de uma unidade hoteleira para os seus trabalhadores, num aluguer de longa duração. A empresa não está envolvida no PRR, mas o seu exemplo pode inspirar outros a seguir-lhe a peugada.

No Algarve, por outro lado, há empresas a construir habitação para trabalhadores, mas essa solução não tem impacto no imediato. Melhor seria, conclui Dominguinhos, que se encontre um plano de mobilidade nos municípios das regiões onde este problema se agudiza.

“As comunidades intermunicipais são autoridades de transporte. Seria interessante que localidades vizinhas das regiões onde esta falta de habitação é um problema para os projectos do PRR pudessem ser alternativas de residência, mas isso implica ter um plano de transporte público. Não só poderia mitigar as dificuldades das entidades envolvidas no PRR, mas também, ao mesmo tempo, poderia contribuir para o repovoamento de alguns destes sítios que estão a ficar sem moradores.”
A “fábrica de patentes” em Elvas

Sines não tem habitação que chegue para residentes habituais e o problema agravou-se com os muitos residentes não-habituais que nesta altura demandaram aquela região por trabalharem para construtoras e outras empresas envolvidas em investimentos na zona industrial de Sines.

A visão do Governo para Sines é enxertar ali um novo pulmão económico. Cada projecto industrial de energia renovável (como o hidrogénio) ou digital (como grandes centros de dados) é um alvéolo para oxigenar a produção nacional de valor ou riqueza.

Mas se o parque habitacional actual já não chega para estas encomendas, o cenário só piora quando se juntam os projectos do PRR que se vão desenvolver naquela região. É preciso contratar mais pessoas na fase de desenvolvimento e manter pessoas depois do investimento, algo que preocupa os autarcas da comunidade intermunicipal e das entidades que em Sines já sentem a pressão de fazer avançar os seus investimentos com o dinheiro do PRR.

Quase às portas de Elvas, o PRR está a financiar o crescimento de um laboratório colaborativo, o InnovPlantProtect (Inpp). Aprovado pela FCT em 2018, constituído juridicamente em 2019, nasceu, na realidade, com a pandemia. E nem por isso perdeu a ambição. Pelo contrário: o PRR deu-lhe um impulso ainda maior, graças ao financiamento europeu acrescido.

Nestes três anos, o Inpp cresceu de zero para 45 trabalhadores. São 16 doutorados, 24 mestres e quatro licenciados. Apenas uma pessoa tem somente o ensino secundário, e presta apoio logístico.

É uma força laboral “altamente qualificada”, frisa Pedro Fevereiro, que preside ao Inpp, e que, tal como sucede no consórcio Aero.next, teve de apostar na contratação de pessoas experientes, porque não há tempo para esperar que aprendam. Ali, no Inpp, o que se vê é laboratórios povoados por homens e mulheres que deixaram para trás cidades maiores em Portugal e no estrangeiro, lugares mais remotos como as Malvinas, para criarem algo de raiz no Alentejo despovoado: um laboratório que aplica ciência e quer produzir tecnologia nova com protecção intelectual.

Será uma espécie de “fábrica de patentes” que conta apresentar o seu primeiro pedido ainda este ano e tem mais duas ou três a caminho, revela Pedro Fevereiro. O Inpp pode receber até quatro milhões de euros do PRR, para 12 linhas de acção de protecção de culturas mediterrânicas contra pestes e doenças, em territórios de baixa densidade.

Um dos “inimigos” que está a tentar combater é a bactéria Xyllela fastidiosa, que ataca mais de 600 espécies de árvores em Itália, França, Espanha e Portugal. Milhares de árvores foram abatidas no país por causa desta doença que se transmite de planta para planta através de insectos.

Para conseguir ser eficaz em tão pouco tempo (o investimento termina em Março de 2026), foi preciso apostar em pessoas experientes. Em termos salariais, pagou-se 20% acima do mercado para ser atractivo trocar Oxford por Elvas, por exemplo, mas depois veio o banho de realidade, com a falta de casas.

“A oferta é muito reduzida, a linha de caminho-de-ferro que está a ser construída ainda aumenta mais a procura por alojamento e o sistema de transportes não ajuda. Não tem sido fácil, temos conseguido gerir a questão, que consideraria que é uma dificuldade nesta altura, não um problema. Pelo menos não há ninguém a viver no vão de escada”, sintetiza Pedro Fevereiro.


Da revolta contra o salário mínimo perpétuo ao sacrifício do duplo emprego

António Pedro Pereira(texto) e Cátia Mendonça (ilustração), in Público online

No papel, diminuiu o risco de pobreza para a população empregada. Na vida, é preciso abdicar da vida pessoal e centrar a energia no trabalho. Inês resiste ao salário mínimo, Filipa tem dois empregos

Apesar de a estatística dar conta de uma diminuição do risco de pobreza entre a população empregada, para se manterem à tona, Inês e Filipa têm noção de que abdicam de muitos dos direitos básicos. Da vida pessoal em geral à simples convivência com a família – quanto mais manter relações amorosas. Em Rio Maior, Inês Santos, 38 anos, trabalha numa fábrica de processamento de carne e ganha um salário mínimo “perpétuo” desde que, em 2006, ingressou nos quadros da empresa. Em Lisboa, Filipa acumula dois empregos, completando meses sem um dia de descanso.

“Há meses em que não tenho uma única folga, dado as folgas nos meus empregos serem rotativas”, desabafa Filipa, 29 anos. Filipa é operadora turística das 09h45 às 18h30 (folga às segundas e terças-feiras) e empregada de loja num centro comercial das 20h30 às 00h30. Os dias são maratonas de trabalho e de incontornáveis deslocações, nos transportes públicos, de e para casa.

O peso de uma vida sobrecarregada pela necessidade de ter rendimentos para viver em Lisboa e ter dinheiro para cobrir as despesas todos os meses acentua-se, apesar da consciência de ter sido uma opção de vida que teria, inevitavelmente, consequências algo pesadas.

Filipa cresceu na Amadora, onde vivem os pais, e começou a trabalhar aos 20 anos, enquanto concluía o secundário (curso técnico de multimédia do Instituto do Emprego e Formação Profissional).

“Comecei a trabalhar aos 20, enquanto concluía o 12.º ano. Fui trabalhando sempre em lojas de rua e de centros comerciais. Entretanto, fui viver sozinha há quatro anos. Vivia com a minha avó na Amadora e não pagava renda, mas a minha avó teve de vender a casa”, conta. “E vim viver para Lisboa. Estive um ano à procura de casa, mas as rendas eram muito altas e decidi arranjar dois trabalhos. Um que fosse de manhã para poder ter outro ao final do dia”, explica.

“Há um ano, consegui um T0 muito pequeno, onde só dá mesmo para viver uma pessoa, em Campo de Ourique, mas tenho dois trabalhos, por sorte tenho tido sempre dois trabalhos”, sublinha.

Esta “sorte” não significa a fortuna de ter condições privilegiadas, mas tão-só a possibilidade de conjugar nas 24 horas do dia dois blocos de trabalho num total de 12 horas (oito no emprego diurno e quatro no nocturno). “Como operadora turística, já estou a trabalhar há um ano. No trabalho da noite, tive de ir saltando, por causa dos horários. As empresas não querem facilitar horários fixos e o meu tem de ser fixo, querem que trabalhemos sempre com disponibilidade o dia inteiro, para respondermos quando nos chamam. Seja de manhã, seja de tarde, temos de ir quando nos chamam”, comenta.

Nos últimos meses, Filipa conseguiu encontrar numa loja de centro comercial um horário nocturno fixo. Isto permite-lhe fazer face às despesas. Pagar a renda mensal de 500 euros do T0 e as contas dos serviços associados à habitação e da alimentação. Nos melhores meses, consegue tirar um rendimento conjunto líquido de 1300 euros, mas, mesmo se o rendimento lhe permite fazer face às despesas correntes, não justifica o sacrifício de outras áreas primordiais da vida.

“É uma gestão de tempo difícil para poder ter dois trabalhos”, assume. “E, com os preços a aumentarem cada vez mais, estou a ver que não vou conseguir pagar as contas e equaciono sair de Portugal”, admite, contrariada. “Tenho uma amiga na Dinamarca, que é fisioterapeuta, estou a pensar juntar-me a ela”, desabafa.

“Não queria deixar o meu país, adoro Lisboa, mas prefiro ir para fora a voltar a casa dos meus pais, porque quero a minha independência”, prossegue. Até porque a grande factura vem em forma de indisponibilidade, e alguma incompreensão, dos outros, aqueles com quem quer partilhar a sua escassa vida fora do trabalho.

“Vida pessoal? [Sorriso nervoso] É complicado, nem toda a gente compreende a falta de tempo. Há alturas em que estou mais de um mês sem ver os meus pais, e eles vivem na Amadora. Se com a família é assim, imagine-se com amigos ou em relações amorosas”, analisa.

E tenta não se iludir quanto às consequências desta vida asfixiada pela carga laboral. “Há semanas em que me vou completamente abaixo. Mas tento sempre resistir, pensando que há dias bons e há dias maus”, revela. Os bons, por norma, advêm do tempo que investe em si e nos outros. “Felizmente, ainda me sobra um bocadinho de dinheiro para ir arejar a cabeça. Não dá para ir passear todos os meses ou sair à noite todos os fins-de-semana, mas de vez em quando lá consigo”, conclui.
Trabalhar para sobreviver

A situação de Filipa não entra nas estatísticas, designadamente as europeias (Eurostat) ou as nacionais (Instituto Nacional de Estatística, através do ICOR – Inquérito às Condições de Vida e Rendimento). O relatório Portugal, Balanço Social 2022, com dados de 2020, estabeleceu o limiar de pobreza em 6653 euros anuais (554,40 euros por mês), dando conta de que, entre a população empregada, houve um aumento do risco de pobreza: dos 10% em 2019 para os 12,1% em 2020. Já na posse de dados de 2021, o Instituto Nacional de Estatística verificou uma diminuição para 10,3% do risco de pobreza entre os trabalhadores.

O limiar de pobreza é a última barreira, e praticamente intransponível sem apoios sociais, para os trabalhadores. Mas economicamente acima disso há trabalhadores que são incluídos no enquadramento do risco de pobreza por não conseguirem aceder a um conjunto de bens que o trabalho deveria garantir. Como o acesso a habitação, aquecimento, roupa, uma semana de férias fora de casa. Para a primeira (ter onde viver com independência), a Filipa abdica da vida pessoal. Até um dia, como a própria reconhece.

Os parâmetros de análise social e económica estabelecem, aliás, vários tipos de pobreza. Uma que afecta uma grande parte da população trabalhadora é a privação material ou a privação material severa (aqui incluem-se bens ainda mais básicos, como os custos da alimentação, da energia ou da água).

Veja-se o caso da Inês, 38 anos, que, mesmo trabalhando há duas décadas, já com um filho de 21 anos, não tem alternativa senão continuar a viver na casa da mãe para cumprir com as obrigações mensais.

Inês Santos, empregada de uma fábrica de processamento de carnes em Rio Maior, sente uma forte degradação das condições de vida dos trabalhadores face ao perpetuamento da política de salários mínimos, agravada pela galopante subida da inflação e dos custos associados, seja na habitação ou na alimentação, para dar dois exemplos estruturais da vida dos cidadãos. E sente-o sobretudo com trabalhadores com os quais se relaciona profissionalmente ou através da actividade sindical (é dirigente da União de Sindicatos de Santarém), que em comum têm a bitola persistente do salário mínimo nacional (760 euros brutos em 2023).

“Como eu [a auferir o salário mínimo há décadas], há muitos. Há cada vez mais famílias a viverem este drama nestas condições. Acaba por ser revoltante. Tenho colegas com filhos e que têm de ter dois trabalhos. Fazem turnos à noite num local e pegam ao trabalho de manhã na fábrica. Mal vêem os filhos. E tudo para conseguir pagar as rendas”, indigna-se Inês.

Aos 38 anos, a sua própria situação também a revolta. Tem andado em negociações infrutíferas com a empresa para a melhoria das condições salariais há anos, mas continua a ganhar o salário mínimo, que só é melhorado, literalmente, por decreto.

A história dos rendimentos mínimos acompanha-a há mais de 20 anos, quando teve de começar a trabalhar antes de completar os 18 anos. E nunca conseguiu sair da casa da mãe, que acolhe a filha e o neto de quase 22 anos completos. “Estudei até ao 11.º ano. Fui mãe com 16 anos e tive de abandonar os estudos e começar no mundo do trabalho, embora na verdade já por lá andasse em part-time aos fins-de-semana”, enquadra a operária.

“Moro em casa da minha mãe, e felizmente tenho essa possibilidade que nem toda a gente tem. Com o meu ordenado, nunca consegui sair para uma casa minha. É muito caro viver em Rio Maior, as rendas estão muito caras. Não se arranja nada abaixo dos 450 euros e é complicado conseguir arrendar, até porque há muito poucas casas no mercado”, diz.

A alternativa viável é virtual e perniciosa: arrendar habitação numa aldeia mais periférica. “Em aldeias mais longe da cidade, há rendas mais baixas, mas depois gastaríamos mais em transportes do que o que se pouparia na renda”, sublinha.

Além da degradação dos rendimentos nos 17 anos que leva na mesma empresa –porque se por um lado o salário mínimo tem sido actualizado em Portugal, por outro o custo de vida tem aumentado a um ritmo superior –, há o ciclo de precariedade em que está inserida e que não se prevê que possa ser quebrado no futuro próximo.

Por um lado, há o caso do filho, nascido em Outubro de 2001, que também já entrou no mercado de trabalho em condições precárias. Além disso, o facto de deixar de ser dependente para efeitos fiscais fê-la subir de escalão de IRS, perdendo algum rendimento líquido. “O meu salário traduz-se em 600 e tal euros por mês”, especifica.

Com esta degradação dos rendimentos face à subida do custo de vida, as ambições mais pessoais esboroam-se. “Claro que gostava de ter a minha própria casa e a minha privacidade, o meu cantinho”, confessa. Mas, mesmo sendo trabalhadora por contra de outrem com contrato de trabalho, isso não é possível.

Além disso, há a perpetuação do ciclo dos salários mínimos: “Tenho colegas, a trabalhar ao meu lado, há 40 anos a ganharem o mesmo: o ordenado mínimo.”

No caso de Inês, trata-se de um trabalho até menos duro do que o da maioria dos colegas na fábrica que processa carne para a produção de salsichas, fiambre e chouriços. “Trabalho na secção dos fatiados, que não é uma das salas mais duras, como a da desossa. Embalo o produto fatiado e trabalho naquilo a que chamamos uma sala branca [por ser um ambiente mais protegido de sujidade]”, conclui Inês.

A pobreza na infância e nos mais velhos, as privações materiais e sociais, as diferenças regionais e os desafios do custo de vida. Nesta série editorial, o PÚBLICO faz um raio X ao impacto da pandemia de covid-19 em Portugal, promovido pela Fundação ‘la Caixa’, do BPI e da Nova SBE, promotores do estudo Portugal, Balanço Social 2022, publicado em 2023.

Esmagadora maioria dos jovens entre os 15 e 24 anos ainda vive com os pais

Por Lusa, in TSF

É o quarto valor mais elevado na União Europeia.


A independência é cada vez mais difícil de alcançar para os jovens portugueses e a esmagadora maioria, entre os 15 e os 24 anos, ainda vive com os pais, apesar dos crescentes níveis de qualificação no país.


Em Portugal, 95% dos jovens entre os 15 e os 24 anos ainda viviam com os pais no ano passado. É o quarto valor mais elevado na União Europeia e quando comparado com a realidade no país há duas décadas (em 2004, eram apenas 86%) traduz "uma mais difícil independência".


As conclusões constam de um relatório da Pordata divulgado no domingo e que traça um retrato dos jovens, por ocasião da Jornada Mundial da Juventude, que decorre entre terça-feira e domingo em Lisboa.

Em média, os jovens não conseguem sair de casa dos pais até aos 30 anos.

"Há vários fatores que explicam isso", disse à Lusa o presidente do Conselho de Administração e da Comissão Executiva da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), referindo, como exemplo, as condições de trabalho dos jovens em Portugal.

De acordo com os dados, seis em cada 10 jovens empregados têm vínculos de trabalho precário - uma realidade que afeta 14% dos trabalhadores entre os 25 e 64 anos - e cerca de metade diz estar nessa situação por não conseguir encontrar trabalho permanente.

Portugal é o 5.º país da União Europeia com maior proporção de jovens com vínculos de trabalho precários e posiciona-se em 7.º no que respeita às maiores taxas de desemprego jovem, que afeta um em cada cinco.

O relatório identifica ainda um número significativo de jovens (quase 25%) em situação de pobreza ou exclusão social.

Por outro lado, Gonçalo Saraiva Matias refere a questão da habitação como fator explicativo e recorda um estudo divulgado na quinta-feira pela FFMS, e que confirma a subida do preço das casas.

"Na última década, houve o aumento muito grande dos preços da habitação e uma diminuição da oferta. Perante um cenário de empregos precários, empregos mal pagos, e de um aumento muito grande do preço da habitação, é evidente que o número de jovens a viverem com os pais aumenta e a capacidade de os jovens saírem de casa cedo diminui", explicou.

Estes indicadores contrastam, no entanto, com os crescentes níveis de qualificação, acima da média europeia. A esmagadora maioria dos jovens entre os 20 e os 24 anos têm, no mínimo, o ensino secundário e 30% concluíram o ensino superior.

"De acordo com a avaliação das competências digitais, a partir de um conjunto de atividades realizadas nos diferentes dispositivos eletrónicos, Portugal encontrava-se em 5.º lugar entre os países da União Europeia em que os jovens, entre os 16 e os 24 anos, apresentam competências digitais básicas ou acima do básico", acrescenta o relatório.

Ainda assim, Gonçalo Saraiva Matias não considera que a melhoria das qualificações dos jovens e a cada vez maior dificuldade em serem independentes representem cenários contraditórios e entende que explicam o motivo para a emigração de muitos jovens.

"O país ofereceu aos jovens oportunidades de formação que aproveitaram, mas depois não lhes oferece oportunidades no mercado de trabalho e por isso eles saem", sustentou.

Inverter essa tendência implicaria, por exemplo, "criar condições para os jovens terem bons empregos e bons salários em Portugal" e políticas públicas de habitação sobretudo direcionada aos jovens, defendeu o presidente do Conselho de Administração da FFMS.

Quanto a outros indicadores, o retrato da Pordata aponta melhorias nos hábitos de saúde dos jovens em Portugal, com a diminuição a percentagem de jovens que afirma nunca praticar desporto (um em cada 3) ou que fuma diariamente (9%).

No que respeita à religião, sete em cada 10 jovens dizem ser católicos, enquanto cerca de 22% dizem não ter religião.

Manuel Castells: “Os sistemas dos países não mudam por escolha, mudam por necessidade”

Erika Stael von Holstein e Luca de Biase/Re-Imagine Europa, Público online

O sociólogo espanhol Manuel Castells aborda a crise da democracia liberal e a forma como os meios digitais e as redes sociais mudaram a nossa relação com o poder e com as instituições que o dirigem.

Manuel Castells moldou o nosso entendimento de dinâmicas políticas numa sociedade em rede. Professor universitário e Wallis Annenberg Chair em Comunicação, Tecnologia e Sociedade na Universidade da Califórnia do Sul, a carreira académica de Castells envolve a maioria das principais universidades do mundo. É autor de 35 livros e é ex-ministro das Universidades do Governo espanhol. O seu trabalho alterou a forma como pensamos a organização da sociedade na complexa realidade em rede. Nesta conversa discorre sobre a forma como podemos re-imaginar o poder.

Talvez devêssemos começar com uma das questões fundamentais. O que se entende por “poder”? E é tão importante porquê?
Mesmo que não pensem sobre poder, as pessoas estão numa relação de poder. A maioria delas numa posição subordinada de poder. Como tal, é importante saber o que é, especialmente se não estamos satisfeitos com o facto de nos encontrarmos sob uma estrutura específica de poder e se gostaríamos de a mudar. É importante saber o que queremos mudar porque, sem saber o que queremos mudar, não conseguimos mudar nada. Portanto, se me perguntarem o que é poder... Bem, poder, tradicionalmente, não é uma inovação. Poder é a capacidade que alguns seres humanos têm de forçar ou influenciar o comportamento de outros para que eles se comportem de acordo com os interesses e os valores dos detentores do poder.

E por que razão é tão importante compreender o papel do poder na nossa sociedade hoje?
Não é só hoje. Ao longo da história da Humanidade, poder tem sido aquilo a que eu chamaria ADN das sociedades. Porque quem quer que seja que tenha poder, seja uma pessoa, sejam instituições nas quais uma pessoa ou várias pessoas são fundamentais, quem quer que seja que tenha poder tem a capacidade de estabelecer as regras, as normas e as instituições da sociedade, bem como a forma como vivemos. Portanto, é o ADN das sociedades e o nosso código de comportamento que é reforçado pelas instituições.

Nós somos livres. Sim, nós somos livres dentro das condições que aqueles no poder consideram aceitáveis ou inaceitáveis. Felizmente, este poder não é absoluto — poder absoluto com algumas excepções na história, mesmo em momentos de um regime absolutista —, existe sempre alguma resistência. Existe sempre alguém a dizer: “Nem pensar”. Por norma, eles são mortos, mas, em princípio, existe sempre e sempre existiu: onde há poder, há resistência a esse poder.

De facto, onde há dominação, em termos de poder, a relação pode ser aceite, rejeitada ou contrariada. E por isso eu digo que, de facto, as instituições da sociedade são construídas através das dinâmicas e da relação entre poder e contrapoder.

Contrapoder é a tentativa daqueles que não se sentem representados nas instituições da sociedade, e sob as condições de poder existentes no momento, de tentar alterar o panorama. Para alterar aquelas que são as regras da sociedade. E há diferentes formas de o fazer, desde esforços e mesmo, em alguns casos, desafios em termos evolutivos, para capacitar as nossas democracias através de mobilização para tentar vencer novas eleições.

Portanto, o resultado entre poder e contrapoder é um conjunto de normas e instituições sob as quais nós vivemos e pelas quais nós vivemos. E isso, em certa medida, significa que estão sempre a mudar, constantemente. Todos os dias. Todos os dias há tentativas de impor poder de acordo com normas estabelecidas e de desafio a esse mesmo poder.

No segundo episódio da ReImagine Talks é discutido o que significa ter poder nas sociedades contemporâneas.

Nós estamos, neste momento, a assistir a grandes agitações sociais. Existem dinâmicas de poder e contrapoder a trabalhar neste momento. Como vê esta mudança? Como é que isso está a mudar a relação entre estes dois diferentes tipos de poder, numa sociedade em rede, depois de tantos anos com a Internet a ser algo central no nosso mundo?
Para perceber isto, é preciso relembrar que existiram duas formas fundamentais de exercer poder ao longo da história e, de facto, todas as teorias de poder podem ser reduzidas a estas duas: poder por coerção e poder por persuasão.

Apesar de o poder por coerção ser mais decisivo — por exemplo, “tu fazes isto ou eu mato-te ou eu mando-te para a prisão”, o poder por persuasão é, na verdade, mais eficaz, porque influencia as nossas mentes. Agora, na era da Internet, o que tem acontecido é que a comunicação tem sido largamente descentralizada no mundo das redes sociais, que é muito mais autónoma em termos de mensagens, não em termos de domínio das grandes empresas, mas em termos de mensagens.

Existem muito mais pessoas a intervir neste diálogo e nesta oposição e nestas controvérsias do que num mundo em que os media tradicionais teriam, de facto, a capacidade de moldar grande parte da comunicação.

É o que eu chamo “nós não mudámos para a liberdade digital; passámos de comunicação em massa para comunicação pessoal em massa”. Porquê pessoal? Porque as pessoas constroem as suas próprias redes desde o princípio, elas produzem as suas próprias mensagens e, ao mesmo tempo, são remetentes de mensagens e receptores de mensagens.

Existe uma constante interacção e uma constante descentralização do sistema de comunicação. Mas e depois? Bem, as pessoas que têm poder mobilizam os seus recursos também nas redes sociais para prevalecerem na modelação de comportamento.

E esta é a razão fundamental pela qual as redes sociais, ao invés de serem uma ágora electrónica, são um campo de batalha entre projectos, ideias e manipulações que ocorrem em simultâneo.
Sem saber o que queremos mudar, não conseguimos mudar nadaManuel Castells

Num dos seus livros, O Poder da Comunicação, realçou a importância da comunicação para o poder, o facto de o poder ser transformado de alguma forma através de redes de comunicação. Tornou-se bastante popular nos últimos anos culpar as redes sociais e a Internet pela maioria dos problemas que vemos hoje em dia. Como é que vê a relação entre a chegada das novas tecnologias e, ao mesmo tempo, o tipo de fragmentação que vemos na sociedade e o descontentamento crescente nas sociedades democráticas por todo o mundo?
Bem, primeiro lembrem-se de que estamos a falar sobre o poder das ideias, mas ideias são, em termos de comunicação e em sistemas de comunicação alargados, tão poderosas a influenciar comportamentos como a desencadear emoções — lembrem-se que a neurociência tem demonstrado que nós somos animais emocionais. São as nossas emoções, os nossos sentimentos que determinam o nosso comportamento.

Um dos principais erros que têm tido enormes consequências práticas na democracia liberal é pensar que políticas racionais, melhores políticas em termos racionais, vão convencer as pessoas. De forma nenhuma. De forma nenhuma. É bom para os governos e as instituições terem políticas razoáveis. Definitivamente. Mas não é dessa forma que conseguem convencer as pessoas se elas tiverem emoções muito fortes. O simples facto de ter uma política económica sensível e boa, um controlo da dívida, uma boa gestão do trânsito nas cidades não vai mudar os preceitos fundamentais. Portanto, a verdadeira questão é saber como vamos desencadear emoções positivas, ao invés de emoções negativas. E isso não tem a ver com a criação de políticas; tem a ver com comunicação.

Agora, será que as tecnologias digitais e as redes sociais hoje são as culpadas pela perturbação que tem sido observada na sociedade? De maneira nenhuma. Porque a tecnologia não determina. A tecnologia modera. O que a Internet faz é favorecer uma comunicação sem impedimentos entre as pessoas. E essa capacidade expressa a variedade humana em qualquer sociedade, bem como a variedade de ideias e projectos. Hoje, a Internet é um espelho das nossas sociedades, um espelho de nós mesmos. Se nós não somos boas pessoas, isso será reflectido na Internet. Nós, na verdade, aceitamos uma ideia que muita gente aceitou: o advento da Internet como uma tecnologia de liberdade e uma tecnologia libertadora. É mesmo. Nós apenas nos esquecemos de que “livre” nem sempre significa “boa”.

Existe um paradoxo entre o facto de a Internet ter nascido como uma ferramenta de liberdade, que permite a qualquer indivíduo expressar-se, e, ao mesmo tempo, existir uma concentração de poder nas mãos de um pequeno número de grandes empresas. Como é que explica isto?
Nós temos de fazer uma diferenciação entre o controlo de posse, o controlo de conteúdo e o controlo de substância da comunicação, o que significa que é preciso que nos lembremos de que o modelo de negócio de base de todas essas empresas ou de todas as empresas ligadas à Internet é tráfego, densidade do tráfego, porque eles vivem dos nossos dados. E de vender os nossos dados ou de usar os nossos dados para publicidade. 91% das receitas da Google vem de publicidade indirecta — 91%, de acordo com a própria Google.

Por isso mesmo, as empresas não estão interessadas em criar qualquer barreira a uma comunicação sem obstáculos. Eu prefiro “sem obstáculos” a “livre”. “Livre” depende de um contexto mais alargado. Por isso, as empresas estão interessadas em mais e mais tráfego. É por isso que a polarização as ajuda. Porque polarização significa que você diz uma coisa, eu vou dizer o contrário e vou lutar consigo até ao fim. Lutar até ao fim significa comunicar até ao fim. E isso é tráfego. Portanto, nem em termos de modelos de negócio nem na possibilidade de monopolizar o conteúdo e o tráfego as empresas param a chamada comunicação sem obstáculos na Internet. Monopólio de propriedade? Sim. Monopólio de comunicação? Não.

Mencionou que as redes sociais não podem ser culpabilizadas, que não são a causa daquilo a que estamos a assistir, mas podem ser vistas mais como um catalisador. Ainda assim, vemos um aumento da falta de confiança por todo o mundo. Se olharmos para os barómetros, vemos que os níveis de confiança nos Governos e nas instituições tradicionais de poder têm descido por todo o mundo. Isto não é apenas um problema europeu, é um problema global. Como explica esta tendência sistémica?
A democracia liberal está a perder as suas bases sociais de representação política devido a causas profundas como as pessoas se sentirem totalmente excluídas de qualquer processo de decisão, à excepção de colocarem o seu voto numa caixa uma vez em cada quatro anos. À excepção disso, elas não têm qualquer outro meio de representação política ou qualquer controlo. Como tal, o que é que fazem? Quando podem, protestam. Quando conseguem, apoiam partidos que se colocam fora do sistema para, então, entrarem no sistema. Logo que entram no sistema, pouco tempo depois, estes são integrados nas regras do sistema, mesmo a extrema-direita e ainda mais as pessoas à esquerda, porque são mais democráticas. E, assim que entram no sistema, são considerados iguais aos outros.

A ligação de confiança tem sido quebrada na maioria das sociedades para a maioria das pessoas. E reparar essa ligação é algo muito sério porque lembrem-se: emoções. É ditado por emoções. Como tal, a não ser que sejamos capazes de desenvolver emoções positivas de maneira real e assim participar num processo de comunicação que seja efectivo, toda a tendência vai continuar a acelerar.

Nós, na verdade, aceitamos uma ideia que muita gente aceitou: o advento da Internet como uma tecnologia de liberdade e uma tecnologia libertadora. É mesmo. Nós apenas nos esquecemos de que 'livre' nem sempre significa 'boa'Manuel Castells

Mas neste novo mundo que é criado pela arquitectura em rede da sociedade, é essa uma nova ideia de poder a emergir, ou é possível um novo balanço de poder?
Em princípio, nós também estamos agora num mundo de poder em rede, porque existem estruturas de poder que, ao contrário de estarem historicamente separadas ou concentradas num só lugar, agora existem tanto a nível nacional como internacional.

Os nós principais nas redes de poder são finanças, empresas de tecnologia, partidos políticos tradicionais, burocracias estatais tradicionais, a indústria dos meios de comunicação e as grandes empresas. Todos estes, tudo isto, fazem parte da rede. Assim, cada nó de poder tem a sua própria dinâmica e o seu próprio objectivo. Mas tudo isto faz parte da rede.

Disse que as pessoas têm perdido a confiança nas actuais formas de poder, quer sejam políticas, quer financeiras. E com todo o direito, tendo em conta o que disse até agora. Consegue ver algumas novas formas de poder a emergir pelo mundo?
Eu vejo. A minha esperança que vem da observação que fiz ao longo da minha vida de muitos países tem sido sempre os movimentos sociais, o que não quer dizer movimentos políticos, apesar de terem sempre consequências políticas.

Mas eu considero movimentos sociais aqueles movimentos, movimentos autónomos, que não estejam ligados a qualquer opção ou partido político, que sejam movimentos culturais. Eles tentam mudar os valores da sociedade.

Agora, pensando amplamente na Europa. Eu penso que o principal problema é que os sistemas políticos têm tido pouca capacidade de traduzir a energia gerada pelos movimentos sociais em novas políticas e em possibilidades que voltem a legitimar as instituições.

O movimento ambientalista, Greta [Thunberg] na Suécia… Bem, não é só a Greta que está desapontada, mas grande parte dos seus seguidores está desapontada. Eles não consideram que a Europa esteja a encarar seriamente a crise climática, que é fundamental, é claro. Esse é o problema.

O problema não é tanto se eles são fontes de mudança. As fontes de mudança, no fim, necessitam de apoio ao nível das instituições políticas. E isso não está a acontecer. Portanto, eu ainda estou optimista porquê? Porque a história nunca acaba. E porque as lições de História nos mostram que mesmo quando não vemos o embrião de algo novo, quando não vemos os movimentos sociais ou tendências culturais diferentes, eles estão lá. Eles estão lá. E eles podem unir-se a dada altura e provocar um movimento social que vai desenvolver novas formas de democracia descentralizada. Penso que os sistemas dos países não mudam por escolha. Eles mudam por necessidade. Quando estamos à beira da catástrofe, aí existe alguma reacção. No meu livro Rupture, a conclusão é aquilo que eu prevejo, visto que não vejo forma de a democracia mudar nesses aspectos, a minha previsão é caos, é caos. Mas, acrescentei, o caos pode vir em diferentes formatos e a minha esperança é que seja um caos criativo, o que significa que, numa situação de caos, as coisas que aparentam ser impossíveis tornam-se possíveis. As pessoas encontram alguma abertura, alguma janela para o futuro e as coisas podem mudar nesse sentido.

A série de conversas ReImagine Talks é uma iniciativa do think tank Re-Imagine Europa, em colaboração com os jornais Der Standard, Il Sole 24 Ore, La Vanguardia, LeSoir, Rzeczpospolita e