Por João D' Espiney, in iOnline
Numa auditoria demolidora, o TC acusa os municípios de não se preocuparem com os seus interessese os dos utilizadores e critica actuação da entidade reguladora
Quase nenhum dos contratos de concessão municipais dos serviços de água auditados, 27, partilha os "riscos de mercado" com o parceiro privado e alguns deles até os cobrem. Quem o diz é o Tribunal de Contas (TC) numa auditoria à "Regulação de Parcerias Público-Privadas (PPP) no sector das águas", hoje divulgada.
O conjunto das concessões que registaram encargos públicos directos (58% dos contratos auditados) representou um investimento público global na ordem dos 93,3 milhões de euros até Junho de 2013.
O relatório revela que "alguns contratos de concessão analisados, como foi o caso de Matosinhos, continuam a apresentar cláusulas de reequilíbrio financeiro que garantem às entidades gestoras a cobertura de riscos financeiros associados à alteração de spreads bancários, ou mesmo à cobertura de riscos operacionais, em resultado de eventuais agravamentos de custos de manutenção". Estas situações, segundo os auditores do TC, "desvirtuam, claramente, os princípios de partilha de riscos que devem estar subjacentes a um contrato de concessão".
Os juízes do Tribunal concluíram ainda que 74% dos contratos de concessão "prevêem, expressamente, a possibilidade de as concessionárias serem ressarcidas pelos municípios no caso de se verificar uma determinada redução do volume total de água facturado e da estimativa de evolução do número de con- sumidores". E "as projecções adoptadas quanto ao crescimento populacional, bem como as capitações estimadas, apresentam, em muitas destas concessões, um desfasamento substancial da realidade de muitos municípios", lê-se também no documento do TC, que critica "a falta de rigor e prudência quanto aos pressupostos técnicos e económicos adoptados", que acabam "por beneficiar as concessionárias".
Os juízes do Tribunal concluíram assim que os contratos dão "garantias de receitas mínimas" às entidades gestoras, que "se asseguram, na prática, por via dos processos de reequilíbrio financeiro, em resultado da ocorrência de falhas sistemáticas na previsão dos caudais consumidos e facturados". Em regra, as falhas situam-se "entre os 10% e os 30% abaixo dos valores estimados", estando nas concessões de Barcelos, Paços de Ferreira, Paredes, Carrazeda de Ansiães e Marco de Canaveses os consumos efectivos abaixo do previsto mais de 20%.
Além das câmaras já mencionadas, a auditoria abrangeu ainda as concessões dos municípios de Alcanena, Batalha, Campo Maior, Figueira da Foz, Fundão, Ourém, Trancoso, Gondomar, Setúbal, Valongo, Fafe, Santa Maria da Feira, Santo Tirso e Trofa.
Sem preocupação com impactos Num relatório demolidor para as câmaras e para a Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR), os juízes do TC salientam que, "na generalidade dos contratos, não existiram evidências de qualquer preocupação com a análise de risco e de sustentabilidade dos potenciais impactos financeiros associado à evolução de eventuais cenários adversos das concessões".
Por outro lado, os concedentes públicos "apresentaram sérias limitações" no que toca à capacidade de "monitorização financeira" e análise de risco dos contratos. Esta realidade resultou "numa menor capacidade técnica e negocial para defender os interesses financeiros dos municípios, incluindo os dos próprios utilizadores".
A auditoria refere ainda que a figura do reequilíbrio financeiro "nunca funcionou em benefício dos municípios ou dos respectivos utilizadores" nas situações "susceptíveis de gerar rendimentos líquidos superiores aos previstos para as entidades gestoras".
O Tribunal de Contas defende, por isso, no actual quadro macroeconómico de constrangimentos orçamentais das câmaras e do país em geral, a necessidade urgente de "reavaliar os ambiciosos planos de investimento assumidos por alguns municípios", bem como "os níveis de remuneração dos accionistas das entidades gestoras".
Em 99% dos processos de reequilíbrio económico-financeiro dos contratos analisados, as reposições foram realizadas para alterar o prazo das concessões, eliminar/reduzir as retribuições a pagar aos municípios e alterar tarifários. Em 26% das autarquias registou-se mesmo uma redução/eliminação da retribuição da concessão e no caso de Campo Maior, "quando ocorreram alterações contratuais, estas encontravam-se, na generalidade, alocadas ao consumidor final por via do aumento das tarifas de água".
Os juízes do TC apontam também o dedo à ERSAR por apenas ter realizado oito auditorias, representando apenas 30% do universo das concessões. O Tribunal recomenda mesmo que os seus estatutos devem ser alterados com o objectivo de "reforçar a eficiência do sector das águas", evoluindo para "uma entidade independente com poderes reforçados".