Samuel Silva, in Público on-line
A grande mala azul-escura ocupa quase todo o corredor de acesso à sala de jantar, dificultando a passagem. Enquanto mostra o caminho, Vânia apressa-se a explicar: “Isto fica um bocado apertado, mas faziam tanta falta…”. Ainda não tem 30 anos. Vive com o marido e os cinco filhos numa casa com apenas dois quartos. Ali todo o espaço é pouco, sobretudo para guardar roupas. “A das crianças ocupa muito”, continua.
O casal chegou àquela casa, numa freguesia do concelho de Famalicão, há seis meses. Mudaram-se à procura de uma local com uma renda mais baixa que pudessem pagar. Da casa anterior não puderam trazer nada. “Os móveis eram todos do senhorio. Quando aqui chegamos a casa estava vazia”, conta Carlos, marido de Vânia. Durante uns meses, foram-se acomodando de forma improvisada, mas acabaram por recorrer ao banco de móveis local.
As grandes malas no meio do corredor e praticamente toda a mobília da casa foram oferecidas no âmbito dessa iniciativa criada no Verão passado pela Câmara de Famalicão em parceria com uma empresa privada sediada no concelho (ver caixa). Quando viram entrar os móveis pela casa dentro, as crianças, com idades entre os 2 e os 10 anos, “ficaram todas contentes”, conta o pai. A oferta ainda não resolveu todos os problemas de espaço da família, que ainda espera que lhe possam ser entregues dois guarda-fatos, mas já deu “uma ajuda grande”: “Antes, os miúdos estavam a dormir num colchãozinho no chão. Agora sempre têm uma caminha”.
Antes de se mudar para aquela casa, a família tinham vivido perto da casa da mãe de Vânia, de quem a jovem cuidou até à hora da sua morte. Não muito longe dali, Maria de Fátima, 54 anos, também tem a mãe a seu cargo. Abre a porta da cozinha, onde tem um dos móveis que receber do banco local, juntamente com três sofás, um armário de sala e uma mesa de apoio. “Podia mostrar-vos o roupeiro, mas está a minha mãe no quarto e ela está acamada”.
Maria de Fátima está reformada e recebe uma pequena pensão de pouco mais de 250 euros. É mãe solteira e recebe, por isso, uma pensão de alimentos do Estado de 150 euros por cada um dos dois filhos menores, de 12 e 17 anos. São estes os rendimentos que entram em casa, por isso, “sempre que preciso, recorro à câmara”, conta. Seja para pedir ajuda para uma pequena obra em casa, ou para tratar da inscrição da filha nas aulas de natação que lhe ajudam a resolver um problema nas costas.
Os móveis vieram resolver um problema na casa. O que havia “era velho” e pouco funcional. Apesar de usados, os substitutos sempre tornam a vida mais confortável. “Não é como a gente comprar, mas como não tenho possibilidades, tenho que me arremediar com o que me dão”, atira.
Foi através da escola do filho mais velho que Vânia e Carlos tiveram conhecimento da iniciativa. A congregação de S. Vicente, uma IPSS que faz parte da Rede Social do concelho e que presta serviço na freguesia onde vivem, tratou de encaminhar o caso para a assistente social da autarquia. Esse primeiro contacto abriu-lhes as portas para outros apoios e agora recebem também ajuda para a alimentação e começaram a tratar dos documentos necessário para passarem a receber o Rendimento Social de Inserção. Enquanto tratou da mãe, não recebeu qualquer apoio do Estado: “Nunca pensei nisso, só agora é que estamos a tratar das coisas a que tenho direito”.
Vânia não trabalha há muito. O marido é serralheiro, mas também está no desemprego e o único rendimento que recebem é o seu subsídio. Têm procurado trabalho, mas as coisas “não estão fáceis”. “Ainda ontem vim do centro de emprego e nada”, conta Carlos.
O apoio do banco de móveis permitiu-lhes mobiliar praticamente toda a casa. Receberam uma cama de casal, duas camas de solteiro, quatro cómodas e outras tantas mesinhas de cabeceira, um guarda-fatos, e um móvel de TV, além das duas grandes arcas para guardar a roupa. Na sala têm também dois sofás onde podem saltar. Vânia conta, sorridente: “E às vezes saltam muito”.
Parceiro é um espaço comercial
O banco de móveis de Famalicão é fruto de uma parceria entre a autarquia local e o Lago Discount, um complexo comercial situado na vila de Ribeirão. O funcionamento é simples: os casos das famílias carenciadas são sinalizados pela câmara. Os técnicos de acção social avaliam as condições económicas das famílias e em caso de carência comprovada indicam o tipo de móveis a que cada família tem direito, encaminhando-as para o parceiro privado. Lançada no Verão passado, a iniciativa já apoiou 70 famílias com mais de 500 peças de mobiliário.
“Há sempre peças novas a chegar”, conta Alexandra Pinto, gestora da empresa. Ainda assim, algumas áreas como as mesas de jantar e mobílias de quarto, que são as mais procuradas, há alguma carência. Na base desta iniciativa está um projecto comercial lançado pelo Lago. Há seis anos, o espaço lançou uma campanha de marketing chamada “troque-troque” em que oferecia vales de descontos que podiam ser usadas numa das suas lojas a quem entregasse mobiliário usado.
“Isto permitiu-nos avolumar uma quantidade muito grande de móveis usados. Começámos por fazer feiras de velharias, onde escoávamos alguns, mas verificamos que o avolumar de móveis era substancial”, conta a mesma responsável. O “troque-troque” continua, mas o acordo com a autarquia permita que qualquer pessoa possa, pura e simplesmente, doar mobiliário, contactando os serviços de acção socal da autarquia.
A criação do banco de móveis “sinaliza uma intenção” do município, que é a criar condições para que a comunidade funciona quase de forma autónoma em matéria de acção social. “Esta iniciativa é mais importante do que aquela outra onde o município ou qualquer outra entidade comprasse móveis para corresponder às necessidades das famílias. É muito mais virtuoso conseguir fazê-lo desta forma”, defende o presidente da Câmara de Famalicão, Paulo Cunha.
A iniciativa tem alguns custos administrativos para o município. Mas são “absolutamente irrelevantes no contexto do enorme beneficio social que daqui resulta”, valoriza o autarca.