por Ana Margarida Pinheiro, in Diário de Notícias
A saída da crise e do programa de ajustamento financeiro tem sido um dos temas mais recorrentes das últimas semanas. O governo quer um regresso pleno aos mercados já a 17 maio e até já tem o financiamento para este ano totalmente garantido.
Mas nas famílias as dívidas ainda se acumulam, o recuo do desemprego ainda não se sente em pleno e os cortes que a austeridade provocou ainda estão demasiado frescos.
O Parlamento Europeu pega hoje em todas estas condicionalidades para pensar uma saída da crise - veja aqui o programa. Paulo Trigo Pereira, economista e representante da DECO, adiantou ao Dinheiro Vivo um pouco dos temas que hoje serão abordados na Universidade Nova de Lisboa. E deixa o alerta: "As famílias definitivamente não saíram da crise".
Depois de mais de dois anos de dificuldades e austeridade, o que é importante para pensar uma saída da crise para Portugal?
Sair da crise é retomar sustentadamente o crescimento económico a uma taxa razoável (superior a 1,5% em termos reais) e baixar significativamente a taxa de desemprego, o que passa sobretudo por investimento internacional e nacional. Para a retoma do investimento é necessário que as empresas possam aceder ao crédito em condições mais favoráveis que as actuais.
Os mais recentes dados macroeconómicos começam a apontar para essa saída. É importante que as pessoas tenham mais consciência do ponto em que estamos?
A previsão ténue de crescimento para este ano e a descida do desemprego são dados estimulantes, mas não é razão para optimismos, nem para aliviar o esforço de contenção orçamental nas famílias e no Estado.
Mas estamos já a sair da crise?
Não, não estamos. Os nossos dois problemas essenciais não estão resolvidos. O fardo da dívida pública está a aumentar e o crescimento neste ano será ainda fraco. Em 2014, o peso da dívida pública bruta no PIB deverá chegar aos 137% do PIB, (embora haverá 8,7% em depósitos), quando em em 2010 era de 94%. O défice em 2013 foi ainda excessivo.
Ao nível dos consumidores, e porque também os irá representar neste evento, a crise ainda não passou, e a austeridade ainda se sente...
As famílias definitivamente não saíram da crise. Em 2010 os pedidos à DECO relacionados com sobre-endividamento eram 11960 e têm vindo sempre a crescer, quase triplicando em 2013 (29214). Porém, os processos em que a DECO consegue abrir processos para renegociar a dívida junto dos bancos, cresceu até 2012, mas reduziu-se em 2013, não porque as famílias não necessitem, mas porque já não têm rendimentos suficientes para renegociar essa dívida.
Não pensando só em Portugal, mas na Europa como um todo, o que podemos antever para o decorrer deste ano de 2014?
A economia da área euro terá um modesto crescimento em 2014, cerca de 1%, mas mantém elevados níveis de desemprego que se prevê ficarem estacionários. Este ano será ano de eleições para o parlamento europeu e dos resultados que daí emergirem dependerá o progresso da integração europeia. Um peso excessivo de euro-cépticos, ou mesmo secessionistas será problemático para a Europa. Espero que tal não aconteça a bem do projecto europeu...
O que pode ser feito pela Europa e não pelos Estados-membros de forma individual?
As condições políticas para que a União Europeia como um todo faça alguma coisa não são grandes, se pensarmos na resistência de ingleses (que até propõem referendar a permanência na União), holandeses ou finlandeses. Parece-me essencial que quer a nível do Orçamento da União Europeia quer de instrumentos restritos aos países da área euro, que se desenhem formas de apoio no âmbito de prestações sociais aos países periféricos mais afectados pela crise.
Um dos pilares deste encontro de sexta-feira tem a ver com as consequências da governação económica. Que balanço é que lhe parece que deve ser feito? Já se atiraram muitas culpas.
Não existe governação económica nem na UE nem na zona euro. Aquilo a que se chama 'governação económica', não são mais de um conjunto de regras e procedimentos praticamente iguais para todos os países - o “six pack” o “two pack” ou o tratado orçamental. Se houvesse verdadeira governação económica numa lógica europeia teríamos países (Alemanha e alguns nórdicos) a aumentar a sua procura interna, com políticas expansionistas de maior défice e maior inflação enquanto os países periféricos continuariam o seu esforço de consolidação orçamental com políticas restritivas. Mas não é isto que acontece.
A União Bancária pode ser a resposta para os problemas?
A União bancária é muito importante e está avançar, mas não com a velocidade desejável. Vão ser concluídos, espera-se, dois pilares fundamentais – a supervisão e regulação europeia e os mecanismos de resolução bancária – mas faltará um muito importante, a garantia de depósitos. Este é essencial para evitar novas crises e o pânico dos agentes económicos em situações de perca de confiança, mas muito dificilmente a mutualização dos riscos dos depósitos passará em alguns países.