por Jean Pisani-Ferry, in Negócios on-line
Por que é que alguns governos gastam mais do que outros? Esta questão é mais complicada do que parece, especialmente quando se olha para os Estados europeus.
A resposta pode parecer óbvia quando se compara, por exemplo, a Dinamarca (onde a despesa pública, excluindo gastos com o pagamento da dívida, chegou a 58% do produto interno bruto em 2012), e os Estados Unidos (onde o mesmo indicador se ficou pelos 35%). Os vastos serviços públicos e o estado social mais abrangente parecem ser explicações indiscutíveis. Os dados parecem sustentar a famosa afirmação da chanceler alemã Angela Merkel, que diz que o problema da Europa é que representa 7% da população mundial, 25% do produto interno bruto e 50% da despesa social.
Partindo desta perspectiva, os governos europeus enfrentam uma escolha desconfortável. A maior parte está a procura de formas de conter o endividamento público, estrangular o défice e cortar a despesa sem que os seus cidadãos mais pobres sofram. Mas, ao julgar pela experiência dos Estados Unidos e de Estados de fora da Europa, estes países terão de escolher entre insolvência e desigualdade. Chegados ao momento em que não se podem aumentar mais os impostos, os governos não podem continuar a pagar as dívidas e manter os actuais níveis de despesa.
A resposta é, contudo, menos óbvia quando se comparam países europeus entre si. A maioria partilha uma preferência pela socialização do risco e pela aversão à desigualdade – os pilares do “modelo social europeu”. Ainda assim, os níveis de despesa pública distinguem-se consideravelmente.
O maior gastador é a Dinamarca, com a marca de 58% do PIB, que se fixa uns gritantes 13 pontos percentuais acima do gasto em Espanha. Ainda mais impressionante, os organismos públicos franceses gastam 12 pontos percentuais do PIB mais do que a Alemanha, sem grandes diferenças em termos de resultados na saúde, educação ou no combate à pobreza. Isto sugere que alguns países são mais eficientes no estado social do que outros.
Além disso, alguns países foram bem-sucedidos na redução da despesa pública de forma significativa sem que se alterasse todo o modelo social. A despesa pública sueca está, hoje, nove pontos percentuais abaixo da existente em 1995. Houve cortes na despesa social ao longo destes anos, ainda que o país se mantenha no topo, ou perto dele, na maioria dos indicadores de desenvolvimento. A Suécia também continua a ser vista como um modelo de social-democracia a seguir.
Não se pode dizer que todos os países europeus disponibilizem a mesma rede de segurança social. Os subsídios de desemprego ou as pensões públicas não são idênticos na Irlanda ou na Finlândia. Mas não há uma correspondência entre as diferenças nos níveis de despesa pública e nos resultados sociais.
Há imensas explicações para isso. Uma é a pura análise custo-eficácia dos programas estatais. Alguns sistemas de cuidados de saúde são simplesmente melhor geridos do que outros, porque os equipamentos caros são usados de forma mais intensiva, os pacientes são tratados com genéricos em vez de medicamentos originais e a prevenção atempada ajuda a conter os custos de tratamento. Um sistema de saúde mais eficiente não pressupõe mais desigualdade; pelo contrário, ele pode reduzir a desigualdade.
Uma segunda razão para as consideráveis diferenças nos níveis de despesa dos países europeus é que os gastos públicos e privados podem ser substituíveis entre si. As contribuições para um sistema de repartição de custo são muito semelhantes às dos sistemas de seguros privados obrigatórios. Por exemplo, uma das razões pela qual a França gasta muito em pensões públicas é porque praticamente não existem esquemas privados de pensões no país. Se os funcionários forem obrigados a subscrever um fundo da empresa ou do sector, a despesa pública irá mecanicamente cair, e não iriam mudar tantas coisas quanto isso.
É verdade, os esquemas públicos de pensões envolvem, na sua generalidade, algum grau de redistribuição. Mas, na sua maioria, recebem dinheiro dos que estão a trabalhar para devolver quando estes se reformarem. A questão difícil aqui é se os trabalhadores vêem estas contribuições como uma forma de aplicar as suas poupanças ou simplesmente como uma forma de pagar impostos – caso em que o trabalho pode ser desencorajado ou em que podem ser criados incentivos para se trabalhar na economia paralela. Em qualquer dos casos, a substituição de esquemas de pensões públicos por privados, se desejada, pode ajudar a reduzir a despesa pública sem grandes efeitos distributivos.
Uma terceira razão para as disparidades nos níveis de despesa pública europeia é que os governos tentam, frequentemente, aliviar as consequências das ineficiências do mercado – e falham o alvo.
O imobiliário é um exemplo. Os programas estatais são necessários para se distribuírem casas aos pobres e aos jovens e para ajudar a fomentar a poupança de energia. Mas, muitas vezes, fazem mais do que isso: proporcionam um apoio desnecessário a famílias de classe média – ou, pior, subsidiam os senhorios indirectamente, ao ajudarem os inquilinos a pagar as rendas. O mesmo se aplica ao mercado de trabalho ou a políticas empresariais.
Nestes casos, a despesa estatal não cumpre os objectivos definidos; em vez disso, financia o bem-estar da classe média ou até o bem-estar do detentores de capital. O corte dessa despesa pode ser difícil no curto prazo, mas pode ser alcançado sem consequências sociais adversas no médio prazo.
No final de contas, é difícil desenrolar as várias causas da existência de despesa pública mais elevada em alguns países do que noutros. Alguns modelos sociais são, claramente, mais generosos do que outros. Alguns são mais eficientes do que outros. Alguns governos não têm alternativa a não ser cortarem nos programas de combate à desigualdade. Outros podem achar que é politicamente mais conveniente alterar a distribuição de rendimentos do que impor a eficácia. Contudo, muito pode ser feito para melhorar o custo-eficiência da despesa pública antes de se renegar o contrato social. Os governos da Europa ainda podem cortar a despesa pública sem minar o modelo social europeu.
Jean Pisani-Ferry é professor na Hertie School of Governance, em Berlim, e é comissário-geral para o planeamento político em Paris. Foi director do Bruegel, um think tank de economia com sede em Bruxelas.
Copyright: Project Syndicate, 2014.
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Tradução: Diogo Cavaleiro