por Lusa, texto publicado por Isaltina Padrão, in Diário de Notícias
O criador do projeto The Big Issue, que inspirou, entre outras, a revista Cais, defendeu hoje que o modelo de caridade demonstrou ter falhado em conseguir a transformação social necessária para combater a pobreza.
John Bird, ex-sem abrigo, ex-recluso e autoproclamado "ladrão, rude e mau poeta", afirmou hoje em Barcelona que o melhor modelo é um que ajude os mais pobres, os sem-abrigo ou os mais excluídos a "ganhar o seu próprio dinheiro".
Em conjunto com Gordon Roddick, fundador do The Body Shop, Bird criou em 1991 a revista The Big Issue que desde aí ajudou já milhares de pessoas vulneráveis e, no ano passado, "colocou mais de 5 milhões de libras nos bolsos" dos cerca de 2.000 sem abrigo e pessoas vulneráveis que vendem a revista.
"Muitas das soluções, especialmente as de caridade, estão a perder tempo, e muitas vezes contribuem para perpetuar o problema da pobreza", disse Bird, num encontro organizado pela escola de negócios IESE.
"Conheci ao longo da minha vida muitos pobres e excluídos. E muitos, muitos mesmo têm ou conseguiram ter uma profunda e exuberante crença no seu próprio poder", disse.
Bird recordou que quando começou o projeto havia, só em Londres, mais de 500 organizações dedicadas à caridade, "que davam tudo aos sem-abrigo, desde um lugar onde dormir ou lavar-se", com "milhares de pessoas a recolher dinheiro, roupa e outras coisas".
"Dez anos depois havia mais de 2.000. E o problema só se multiplicou e institucionalizou", afirmou.
Para Bird, mudar o sistema passa por deixar de pensar que ser um empreendedor social implica "não poder ganhar dinheiro", recordando que ele próprio começou o The Big Issue "para pagar a hipoteca".
"As pessoas querem ser empresários sociais mas são lixados pelo grande peso que é pagar as contas. Anseio pelo dia em que se possa ganhar mais dinheiro como um empreendedor social do que a especular na Wall Street", disse.
Definindo-se como um "ex-católico e um ex-marxista", Bird considerou essencial abandonar "atitudes moralistas, de bem e mal" do debate sobre o combate à pobreza.
"Odeio moralismo. Todos moralizam. Toda a gente procura alguém a quem culpar. Vamos inovar. Temos que dar às pessoas oportunidades de ganhar o seu próprio dinheiro", disse.
"Não podemos perpetuar este sistema de caridade, este sistema de apoios sociais que é, para muitos pobres e para os seus filhos, uma sentença de morte à ambição", afirmou.
Bird insiste que a mudança passa por "pensar diferente 'inside the box' para não ter que pensar "out of the box" e que há que mudar a forma de olhar os negócios socialmente responsáveis.
"Quem trabalha em empreendedorismo social não tem que andar de bicicleta, ser vegetariano. Pode sê-lo mas temos que mudar o paradigma. Pensar que é possível tornar este tipo de negócios sexy e divertidos", afirmou.