in Expresso
Antigo reitor de Lisboa disse hoje que é preciso recuperar a "energia de Abril" porque a crise corrompe "a nossa capacidade de decisão e a nossa liberdade".
O ex-reitor da Universidade de Lisboa António Sampaio da Nóvoa alertou hoje para o "instrumento de dominação" em que se transformou a crise, usada para "legitimar ideias que, de outra forma, nenhum de nós, estaria disposto a aceitar".
"Serve para impor soluções ditas inevitáveis que corrompem a nossa capacidade de decisão e a nossa liberdade", criticou Sampaio da Nóvoa, na cerimónia de abertura do ano académico 2013-2014 da Universidade de Lisboa (UL), que hoje decorreu na Aula Magna da Reitoria.
Durante a cerimónia, o antigo reitor recebeu das mãos do seu sucessor, António Cruz Serra, as insígnias de reitor honorário, título com o qual foi hoje agraciado.
"Guerra" contra as artes
Perante a assistência de dois ex-presidentes da República - Ramalho Eanes e Jorge Sampaio -, da procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, do presidente do Tribunal de Contas, Guilherme d'Oliveira Martins, de figuras partidárias da política nacional, como os socialistas Ferro Rodrigues e João Cravinho, e do ministro da Educação e Ciência, Nuno Crato, o ex-reitor Sampaio da Nóvoa referiu "a guerra" - "sim, a guerra", sublinhou - contra as artes, humanidades e ciências sociais, que, disse, "não é de agora".
"Volta e torna a voltar, sobretudo nos tempos de crise, nos tempos em que justamente mais precisamos das humanidades", declarou, arrancando aplausos do auditório, antes de continuar, questionando-se se "nada interessa a não ser o que tem uma utilidade imediata".
"Utilidade imediata? Mas para quê? E para quem? Repita-se: a poesia é a única prova concreta da existência do homem. Ninguém decretou a existência da literatura, das artes e da criação. Ninguém decretará a sua extinção, o seu desaparecimento, a sua inutilidade. Temos um dever de resistência perante esta visão empobrecida do mundo, do conhecimento e da ciência. Não há culturas dispensáveis", defendeu.
"Energia de Abril"
A propósito dos 40 anos do 25 de Abril, que se celebram dentro de dois meses, Sampaio da Nóvoa recordou o jovem que era então, a viver essa "situação única, irrepetível", que fazia crer que "o futuro de todos estava no mais pequeno gesto de cada um".
"Hoje parece que vivemos a sensação oposta. Sentimos que, façamos o que fizermos, nada muda. Que tudo se decide num lugar longe de nós, num lugar distante da nossa vontade. Precisamos de recuperar essa energia de Abril. Porque somos responsáveis pelo que fazemos, mas também somos responsáveis pelo que deixamos de fazer. Somos responsáveis pelas lutas que travamos, mas também por aquelas a que renunciamos", reiterou.
O antigo reitor da Universidade de Lisboa afirmou ainda a necessidade de a universidade "se libertar das amarras", de "estar presente em todos os debates da sociedade" e mais ligada à economia e às empresas, defendendo mais autonomia e uma "conceção radicalmente diferente da relação do Estado com a universidade".
"Assim como está é que não, definitivamente não", disse, antes de terminar colocando "ao serviço de uma universidade seriamente comprometida com o país" a distinção que hoje recebeu.