Por Margarida Bon de Sousa, in iOnline
Em culturas e organizações que privilegiam o número de horas que os colaboradores passam nas empresas, as paragens intercaladas ao longo do dia são a única estratégia para manter altos níveis de concentração e produção
A grande maioria dos empregadores portugueses continua a valorizar o tempo que os seus colaboradores permanecem nos locais de trabalho, ao invés da produtividade ou da criatividade. Mas os estudos mais recentes comprovam que os momentos de não trabalho alimentam a capacidade de compromisso, em tempo e em esforço, do trabalhador para com a organização, aumentando o seu nível de eficiência.
Uma tese de mestrado defendida por Alexandra Pereira no Instituto de Psicologia Aplicada da Universidade Europeia sobre a importância das pausas no trabalho intelectual conclui que as estratégias mais utilizadas pelas pessoas para aumentarem o seu poder de concentração ao longo do dia passam por vários momentos de reset. Estas paragens são fundamentais para se ultrapassarem bloqueios mentais, descomprimir, compensar a falta de tempo para a vida privada e permitem retomar as tarefas com uma energia renovada.
A autora explica que o grupo analisado recorre a vários estratagemas para aumentar a produtividade. O espairecimento é a fórmula mágica para combater os bloqueios mentais, ganhar forças entre trabalhos ou tarefas e ainda relaxarem num contexto de excesso de trabalho. Fumar, comer, beber café, pequenas conversas ou mesmo ouvir música são os métodos mais utilizados para combater a fadiga mental e o cansaço.
Os entrevistados desempenham funções que os obrigam a grandes períodos de concentração e trabalho individual, o que os obriga a estar suficientemente concentrados para responderem às expectativas e aos objectivos que lhes são traçados, para conseguirem responder aos projectos que lhes são entregues. Trata--se de um trabalho de escritório intelectualmente exigente, por oposição a trabalho fabril ou a funções comerciais.
16 horas de trabalho por dia O conjunto de pessoas que integraram a investigação pertence, de uma forma geral, a organizações que requerem muitas horas na empresa, entre 10 e 16 por dia. E por trabalharem em empresas que estipulam metas ambiciosa, os participantes tendem a estar sujeitos a ritmos exigentes e a um elevado grau de pressão.
Romances dentro do escritório As relações amorosas nos locais de trabalho podem ser enquadradas nas estratégias de descompressão ao longo do dia para compensar a falta de tempo para a vida pessoal ou para combater a fadiga mental e o cansaço.
"A minha história com o Joaquim é muito interessante... quer dizer, não é interessante mas vou contar a minha aventura. Quando comecei a trabalhar no escritório... imagina, as pessoas têm mais coragem para falar no Messenger do que falar cara a cara não é?! Com o Joaquim tivemos de trabalhar juntos por causa de umas coisas. Ele mandava-me no Messenger aquilo que eu lhe pedi, eu agradecia-lhe e depois começámos a falar sobre nós e a desenvolver uma amizade enorme através do Messenger. Falávamos de tudo e depois as coisas aconteceram", diz Patrícia, citada na tese.
António conta a história de outro colega que se apaixonou por uma advogada do escritório e que, embora tentassem evitar o contacto no escritório, acabavam sempre por almoçar juntos e telefonar-se durante o dia. As pausas ao longo das horas que passavam no escritório contribuíram para o desenvolvimento do romance.
"Um tipo que entrou no escritório no meu ano apaixonou-se por uma mais velha e ela vice-versa. Na festa de Natal a aproximação foi óbvia. Via-se que estavam muito juntos. Continuaram a falar--se. Falavam-se muito pouco lá dentro (eu sei porque ele é meu amigo) mas sem ser no escritório falavam-se imenso. [...] Durante o dia, telefonemas, horas de almoço..." Nestas situações, as pausas tornam-se intencionais e têm como principal objectivo criar espaços de conversa no âmbito da relação amorosa.
A pressão dos colegas A pressão relativamente ao tempo que se passa nas empresas é grande e muitas vezes nem vem dos chefes. São também, e muitas vezes, os colegas que entram num esquema de competição baseado na presença e na disponibilidade. "Muitas vezes não é porque o chefe esteja, porque muitas vezes não está, o problema não é tanto o chefe, pelo menos no meu escritório, que é do que eu posso falar. [...] A maioria das vezes é porque aquilo é um verdadeiro Big Brother, porque as pessoas observam-se entre elas e a fama começa a gerar-se dentro do próprio grupo e a imagem que o chefe terá de ti também é a imagem que os outros tiveram de ti e que lhe passaram a ele", diz Filipa, uma das advogadas que participaram no estudo.
O café da manhã A maioria dos entrevistados diz não começar a trabalhar assim que chega ao escritório. De manhã, muitas pessoas estão pouco despertas para o trabalho e precisam de se envolver no espírito do trabalho antes de começarem o dia. Este período é percepcionado como um desafio: é preciso arranjar formas de se ultrapassar a inércia natural para começar a trabalhar efectivamente.
A autora da tese cita Covey no seu livro "Os Sete Hábitos das Pessoas Altamente Eficazes", onde o investigador considera fundamental preservar as quatro dimensões da natureza humana - física, espiritual, mental e social/emocional - para se obterem melhores resultados, ou, como o autor refere, "afinar o instrumento".
Covey explica que o trabalho de serrar uma árvore pode ser mais proveitoso se, ao invés de longos períodos de esforço continuado, o indivíduo fizer pausas para afiar a serra. Nessa altura descansa o seu corpo e cuida de um instrumento que, uma vez afiado, irá render mais na utilização seguinte.
Carpir colectivamente João Vieira da Cunha, orientador da tese, considera que as interrupções deste tipo são fundamentais para a economia do conhecimento. "Uma auditora confessou que fazia mais de 20 chávenas de chá por dia, apesar de só beber três, explicando que sempre que precisa de espairecer faz uma caneca, nem que seja para a deixar arrefecer na sua mesa, utilizando este processo para um reset mental."
Navegar na internet tem o mesmo efeito. Vieira da Cunha refere que os empregados de uma das principais empresas públicas nacionais, que passou por uma reestruturação profunda entre 1998 e 2002, foram sujeitos a grandes mudanças na sua cultura e avaliação de desempenho e utilizaram um fórum virtual para partilharem o seu desconforto. "Sentiam-se humilhados e diminuídos e diziam--no abertamente. Este local de discussão, inicialmente criado para a troca de ideias e sugestões para aumentar a produtividade e a competitividade de todos os departamentos, acabou por ser utilizado para desabafar, com muita emoção à mistura, a experiência de passar por uma sucessão de momentos difíceis."
A válvula de escape acabou por ter um impacto muito positivo no projecto de mudança, tendo os níveis de resistência acabado por ser os mais baixos de sempre. "Ao colocarem as mensagens no fórum on-line", escreve o investigador no livro "Terror ao Pequeno-Almoço", "estavam como que a bater numa almofada em vez de bater no chefe. Chorar em conjunto, ainda que num espaço virtual, serviu para dissipar a energia que de outra forma seria canalizada para bloquear e sabotar a reestruturação da empresa."