19.5.14

"Our girls" também não vão à escola

Por Isabel Stilwell, in iOnline

Em Portugal há muitas meninas ciganas que não vão à escola. Há quem batalhe por elas, e quem cruze os braços

1. Em Portugal estima-se que um grande número de crianças ciganas não vão regularmente à escola, sobretudo as raparigas a partir dos 12 anos, com o início da puberdade. Os pais e a comunidade temem que "fiquem faladas", e não casem, o que geralmente acontece antes dos 15 anos.

2. Um relatório da União Europeia revela que apenas 30 a 40% das crianças ciganas da UE frequentam a escola com regularidade e mais de metade não recebe qualquer tipo de escolaridade. A última sondagem da Agência dos Direitos Fundamentais da UE, diz que em média 20% dos adolescentes ciganos não conseguem ler e escrever, nalguns países 35% das crianças entre os 7 e os 15 não frequentam a escolaridade obrigatória.

3. São entre 40 mil e 60 mil os portugueses de etnia cigana, 90% sedentários.

4. Em Portugal a lei n.o 85/2009 estabelece que os pais têm a obrigação de mandar os filhos à escola, e as crianças e adolescentes o dever de o frequentar.

5. Portugal subscreveu os Objectivos do Milénio. O segundo ponto estipula o acesso universal de todas as crianças à escola.

6. Alertada para a gravidez de uma menina cigana de 13 anos e subsequente abandono escolar, conta o "Público", uma procuradora do MP arquivou o processo, em 2012, argumentando: "Atento o meio cultural em que esta menor se insere, não existe qualquer medida de promoção e protecção que se adeqúe."

7. Maria José Casa-Nova, que investiga as comunidades ciganas, indignou-se por considerar que o acórdão revelava uma "desresponsabilização judicial e social", que tinha "subjacente uma discriminação negativa", decorrente de "um racismo paternalista não assertivo".

8. A mesma investigadora, no artigo "A Relação dos Ciganos com a Escola Pública" e que é possível ler na internet, escreve: "As crianças ciganas portuguesas continuam a ser aquelas que apresentam, a nível nacional e para os actuais três ciclos de ensino obrigatório, um menor índice de aproveitamento escolar, embora este resulte grandemente do elevado absentismo (...)"

9. A sua investigação deixa claro que quando uma criança cigana chega à escola existe um choque cultural brutal, o início de descriminações e preconceitos (cigano, igual a mentiroso e preguiçoso), e de uma desconfiança de parte a parte.

10. No caso das raparigas, a pressão da comunidade a favor do abandono é poderosa. A lei cigana não quer as raparigas expostas a más influências, e longe da vigilância dos adultos ciganos.

11. Em regra as meninas querem continuar a estudar. Maria José Costa-Nova cita uma jovem de 17 anos, proibida de continuar a frequentar a escola a partir do 6.o ano: "Julgava que ia ser diferente de todos. Por causa da escola, claro! Que ia tirar um curso. Que ia ser professora. Mas vou ser feirante como a maior parte dos ciganos [encolhe os ombros, resignada]." E conta a história de uma outra: "Tendo frequentado a escola com sucesso e transitado do 1.o para o 2.o ciclo com 9 anos, a partir do 6.o ano de escolaridade esta jovem reprovou sistemática e intencionalmente como forma de garantir a continuidade escolar. "Eu queria ser professora, já sabe. Professora de Matemática. Não deu. Nasceu a minha irmã, a minha mãe precisava de mim em casa e ela também não quis que eu fosse estudar. Ela tem aquelas ideias. Tinha medo que eu ficasse falada."

11. O Centro de Estudos Judiciários, preocupado com estas meninas, promoveu esta semana uma sessão de formação sobre o tema. Segundo o "Público", foi opinião de alguns presentes "de que de nada serviria aplicar uma medida que nunca seria cumprida", e "a única forma de ter uma rapariga cigana a ir à escola seria retirá-la à família e colocá-la num lar de infância e juventude, o que seria ainda mais penoso". Citam o caso de um juiz que ordenou que a menina fosse à escola, e os pais optaram por um centro de explicações. No mesmo encontro, propuseram-se algumas soluções: ensino à distância, centros de explicações, turmas de raparigas ciganas e não ciganas.

Conclusão: 1. Em Portugal as meninas portuguesas de etnia cigana são meninas de segunda.

2. A pretexto de respeitar uma cultura diferente, promove-se um ciclo vicioso de pobreza e exclusão. Sem graus académicos, a dificuldade de encontrar emprego é ainda maior.

3. A mesma desculpa serve para perpetuar uma escola não inclusiva, fechada à diferença.

É preciso dizer que há muita gente empenhada, ciganos e não ciganos, em levar estas meninas para a escola, e há escolas pioneiras, capazes de trabalhar com as comunidades. O seu trabalho é louvável. Mas permitir que cidadãos portugueses não cumpram a lei e atentem contra o interesse da criança, parece-me revelar mais cobardia do que respeito. E nessas situações limite, não aceito uma justiça que cruze os braços.