23.5.14

O que se decide em Estrasburgo conta mesmo para as nossas vidas

in RR

Das coisas grandes (como o apoio ao emprego jovem) às pequenas (como o roaming mais barato), as decisões do Parlamento Europeu contam cada vez mais para as vidas dos cidadãos.

As eleições europeias são, por norma, as que mais elevada taxa de abstenção registam e a contribuir para isso está o facto de o comum eleitor encarar o Parlamento Europeu, tal como a generalidade das instituições europeias, como algo distante.

Fisicamente fica distante, mas ao longo dos anos Estrasburgo tem conquistado mais poderes de intervenção e a sua acção, mesmo sem que haja disso muita consciência, tem influência no quotidiano dos cidadãos europeus.

O português José Luís Pacheco, chefe do secretariado da comissão de orçamento do Parlamento Europeu, sublinha, em entrevista à Renascença, as várias consequências da acção dos deputados, notando que muitas das decisões tomadas mais recentemente foram importantes para amenizar as consequências da crise.

"Só na minha área, a que conheço melhor, o Parlamento Europeu teve um papel essencial para evitar cortes dramáticos no orçamento europeu e para garantir o cumprimento dos compromissos que a União tinha assumido com os Estados e com as regiões", diz o funcionário português, apontado como exemplo a "política da coesão, que afecta muito Portugal e a vida dos cidadãos".

"Da política de coesão dependem muitos projectos – de infra-estruturas, construção de escolas, infra-estruturas de transporte ou de energia. Tudo isto, como a actividade do Fundo Social Europeu, é financiado pelo orçamento europeu e, nos últimos anos, os Estados que mais contribuem para este orçamento têm tentado cortar os fundos necessários para esses programas”, diz.

Foi o Parlamento Europeu, prossegue o responsável, que "teve uma atitude fortíssima de reacção contra essa posição. Se não fosse o Parlamento Europeu, e a comissão de orçamento, no ano passado, o Fundo Social Europeu e o programa Erasmus, por exemplo, tinham cessado, a partir de meados do ano, pagamentos às entidades locais e regionais, aos estudantes e às empresas."

A força de Estrasburgo
Ainda em matéria de dinheiros, José Luís Pacheco recorda que "foi o Parlamento Europeu que se bateu fortemente" para que avançasse "a iniciativa para o emprego dos jovens, que será dotada, no novo quadro financeiro, com seis mil milhões" de euros.

"Os chefes de Estado e de Governo fizeram uma grande comemoração no dia do acordo, dizendo que era fantástico, mas durante semanas a fio o Conselho rejeitou essa possibilidade. Foi o Parlamento Europeu que conseguiu impô-la", sublinha.

O funcionário de Estrasburgo faz questão de lembrar que foi "o Parlamento Europeu a exigir que fossem tomadas medidas para que não sejam os contribuintes a pagar os erros dos bancos e possíveis falências, em resultado de atitudes especulativas, como aconteceu nos últimos anos".

"Foram 600 mil milhões de euros que os Estados-membros gastaram para ajudar os bancos, são cinco orçamentos anuais da União Europeia. Agora, no novo regime, definido graças ao Parlamento Europeu, exigiu-se a constituição de um fundo de resolução, que será financiado pelos próprios bancos, que possa acorrer a situações de falência de bancos ", destaca.

As coisas "pequenas"
Os efeitos das decisões de Estrasburgo reflectem-se também em coisas mais pequenas que não pacotes de milhões. Por exemplo, o "'roaming', que afecta muita gente".

"O custo foi fortemente reduzido e, já a 1 de Junho, entram em vigor as tarifas mais baixas de sempre. Entretanto, o Parlamento exigiu a supressão total a partir do final de 2015, porque não há razão técnica que justifique que uma pessoa pague mais quando passa para o lado de lá de uma fronteira. É uma barreira completamente artificial para os milhões de pessoas que circulam na Europa", diz.

José Luís Pacheco lembra que Estrasburgo recusou também "o tratado sobre a luta contra a contrafacção, que tinha sido negociado no âmbito internacional", considerando ter sido "uma tomada de posição muito importante, porque estava em perigo a protecção de dados pessoais e a liberdade de acesso à Internet".

Na mesma linha de actuação, recorda "a recusa do acordo com os Estados Unidos e outros Estados sobre a transmissão dos dados de passageiros das companhias aéreas. Era um problema gravíssimo de protecção de dados pessoais e foi o Parlamento que rejeitou a versão inicial, negociada pela Comissão e que os Estados-membros estavam dispostos a aceitar".