27.5.14

Abstenção: o voto dos conformados

Texto de Gabriel Leite Mota, in Público on-line

Em resumo, se quisermos mudanças, contemos com os abstencionistas (isto é, os conformistas) para nos seguirem ou nos bloquearem, mas nunca para nos liderarem…

Em cada eleição que acontece, muito se fala da abstenção. Porque é muito elevada, porque revela alheamento da política, porque denota descontentamento dos cidadãos face aos políticos, porque enfraquece a democracia. Tenho dúvidas que muitas dessas conclusões sejam verdadeiras. Primeiro, porque os cadernos eleitorais não estão actualizados, o que faz com que existam mais de nove milhões de eleitores registados num país de 10 milhões de habitantes…

Depois, mesmo que, perante os números reais da abstenção, os considerássemos elevados, duvido muito que isso seja seriamente preocupante do ponto de vista democrático. Na minha interpretação, a abstenção significa conformismo (e sim, comodismo) com o "status quo". Isto é, aqueles que preferem ficar em casa a ir votar é porque acreditam que o seu voto em nada alteraria o estado actual das coisas ou que alertaria para pior (se votassem nos partidos fora do centro). Ou seja, se o voto fosse obrigatório, penso que os resultados eleitorais seriam muito similares àqueles a que vamos assistindo.

Sabemos, historicamente, que sempre que há algo de muito relevante em jogo, algo que possa ser drasticamente impactante no futuro da nação, os cidadãos mobilizam-se e vão todos votar (acontece assim quando caem as ditaduras, quando se referendam autonomias ou quando se decidem possíveis mudanças radicais de regime).

Desde que me tornei eleitor de pleno direito (com a maioridade) nunca falhei uma eleição. Valorizo muito o meu voto e considero que é também um acto cívico, de respeito pela conquista de um direito que tanto trabalho deu, a alguns, a conquistar. E penso, por isso, que a abstenção é um acto de baixa cidadania. Mas interpreto-a muito mais como um voto de conformidade do que como um voto de desconforto ou rejeição do sistema. É que sejamos claros: em todas as eleições há uma panóplia de partidos políticos diferentes em que podemos votar. A representar esses partidos estão pessoas completamente diferentes. Da direita à esquerda, dos progressistas aos conservadores passando pelos defensores de causas específicas até aos candidatos de protesto, há de tudo no nosso sistema partidário.

O que acontece é que ganham sempre os mesmos (os do centro) e, porque são tão próximos, é natural que as políticas sejam similares e que o "status quo" se vá mantendo. Aquele que não se dá ao trabalho de ir votar sabe bem que é isso que vai acontecer. Porém, no dia em que desconfiar que há uma forte possibilidade de uma mudança radical, motivar-se-á sem dificuldade para exercer o seu direito de voto.

Enfim, deixemos a abstenção em paz (que é uma reserva democrática sempre pronta a actuar em caso de necessidade) e concentremo-nos nos que votam e nos partidos eleitos (em particular nos que têm responsabilidades governativas). E exijamos de todos (com a definição do nosso sentido de voto e com a vigilância cívica entre eleições) que sejam competentes e respeitadores do mandato para que foram eleitos. Em alternativa, entremos no jogo político directamente, alistando-nos num partido ou criando novos. Em resumo, se quisermos mudanças, contemos com os abstencionistas (isto é, os conformistas) para nos seguirem ou nos bloquearem, mas nunca para nos liderarem…