20.10.20

Aprender a liderar, motivar e gerir crises entre as prioridades dos executivos

Hugo Moreira, in Público on-line

Liderar sem mandar. Felicidade e performance. E-Commerce. Cibersegurança. Turismo e ambiente. Gestão para juristas. Investimento em bolsa. O negócio do vinho. São apenas exemplos. O PÚBLICO compilou uma lista de cerca de mil formações para executivos. A tendência, dizem as instituições de ensino, é de aumento na aposta em formação, com as pós-graduações a liderar.

Ver a lista de formações para executivos aqui

A tendência já estava a crescer havia vários anos, mas a pandemia de covid-19 veio empurrar as competências nas chamadas soft skills relacionadas com liderança, gestão de equipas e capacidade de motivar colaboradores para o topo da lista das prioridades das empresas, em geral, e dos executivos, em particular. São estas as formações que, segundo as instituições de ensino superior, estão a ter mais procura este ano. O PÚBLICO compilou uma lista com cerca de mil, que pode consultar aqui.

“O contexto actual obrigou a que todas as pessoas que tenham cargos de liderança de equipas, de projectos ou de negócios fizessem um upgrade às suas competências”, considera Pedro Brito, associate dean para a Formação de Executivos na Nova SBE. Nesse sentido, a instituição de Cascais viu “aumentos brutais” na procura por “tudo o que diga respeito à parte mais soft de gestão de equipas à distância, inteligência emocional, capacidade de fazer melhores escolhas em situações de crise e de aumentar os níveis de confiança”.

Na Católica — Lisbon School of Business & Economics, “a parte comportamental foi muito importante ao preparar o novo ano lectivo, sobretudo perante o grande desafio que é a pandemia”, sublinha Céline Abecassis-Moedas, directora da formação de executivos. Assim, os cursos relacionados com “liderança e negociação” são “o que as empresas mais procuram neste momento” — o número de empresas que procuraram estes programas para os seus trabalhadores quase duplicou num ano, afirma. No que diz respeito a clientes individuais (indivíduos que por sua iniciativa decidiram inscrever-se nestas áreas) o número cresceu 30%.

Mais a norte, na Porto Business School (PBS), relata-se a mesma tendência. A procura por cursos relacionados com “pessoas e liderança” tem sido “muito grande”, mas com ênfase “nos momentos de crise” através de “programas mais curtos”, conta a associate dean, Patrícia Teixeira Lopes. Nesses casos, a opção por formações mais rápidas mostra que preocupação não está na “formalização dos créditos” em programas que confiram graus superiores aos participantes, mas sim na “especialização em temas que são muito importantes neste momento”.

Há, inclusivamente, quem se vire para um ramo da psicologia para melhorar o rendimento no local de trabalho. No Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) da Universidade de Lisboa a pós-graduação em Psicologia Positiva Aplicada tem sido “um sucesso enorme”, revela Alice Trindade. E o que é que se aprende? Segundo a vice-presidente e directora do Instituto de Estudos Pós-Graduados do ISCSP, trata-se de “um estudo científico relacionado com robustecer os indivíduos para que nas suas profissões, sejam elas quais forem, tenham atitudes e acções propiciadoras de melhor desempenho”. Com uma “forte internacionalização”, mesmo a nível de professores, o curso atrai profissionais que vão “de professores a médicos, arquitectos e economistas” que podem “adquirir um tipo de soft skills que normalmente não se adquire nos cursos superiores”.

Outra das tendências está na preferência por pós-graduações e cursos executivos, programas mais curtos, mas também mais baratos e especializados do que mestrados ou MBA — sigla para Master of Business Administration. Porquê? “Não é ter um grau que faz falta. O que faz falta é aprender como resolver rapidamente um problema que se tem entre mãos”, esclarece Céline Abecassis-Moedas. Uma vez que as pós-graduações duram em média um ano lectivo, muitas vezes em regime pós-laboral e na maioria dos casos com atribuição de créditos ECTS — que são “uma porta aberta” para quem quiser prosseguir estudos, aponta Alice Trindade — a pandemia ajudou a valorizar esta opção. “Este ano batemos recordes nas inscrições nas pós-graduações muito porque, neste contexto, as pessoas precisam de ganhar factores de diferenciação e ferramentas para que possam fazer transformações relevantes nas suas organizações”, argumenta Pedro Brito.

A enorme diferença de preço das várias formações disponíveis também pesará. Em algumas instituições de ensino, um MBA de um ano e meio pode custar mais de 20 mil euros, enquanto uma pós graduação de um ano ronda os seis mil euros. Para além das diferenças entre programas, também as há entre instituições, já que é possível encontrar-se mestrados de dois anos que custam cerca de 2500 euros. Nos programas desenhados para as empresas, mais uma vez há preços para todos os orçamentos, com algumas das formações a durarem uma tarde, por 45 euros.

Turismo e saúde surpreendem

Também existem casos de popularidade em ano de pandemia que surpreendem mais os responsáveis das instituições. A pós-graduação em Gestão de Serviços de Saúde na PBS foi “a que mais candidaturas atraiu”, revela Patrícia Teixeira Lopes. Um aumento para o dobro, diz, acrescentando que não contava com ele. O curso é procurado sobretudo por médicos, fisioterapeutas e enfermeiros. “Verificamos que há um conjunto de profissionais de um sector que foi bastante abalado e no qual os profissionais estão a perceber que se calhar está na altura de obter outras competências complementares e eventualmente mudar um bocadinho de vida.”

Outra surpresa na escola do Porto foi a capacidade de manter uma turma na pós-graduação em Gestão do Turismo e Hotelaria. “Eu admitiria em Março ou Abril que poderia ser um curso sem procura nenhuma”, diz Patrícia Teixeira Lopes, mas a reformulação do currículo agora desenhado para “como se pode inovar num sector que tem que ser repensado” contrariou as previsões negativas.

Não é caso único. De facto, o interesse por formação em turismo até “aumentou bastante” no Instituto Politécnico de Coimbra. Jorge Conde, o presidente da instituição explica que, na prática, são “profissionais que já estão no terreno e procuram alguma especialização” num sector que “precisa de se reformular” devido à pandemia.


Se os cenários decorrentes da evolução da pandemia se alteram rapidamente, então são cada vez mais os executivos que procuram os programas que lhes dão maior capacidade de previsão e gestão dessa realidade. “As empresas perceberam que não sabem quando é que esta pandemia se vai retirar”, introduz Pedro Brito, e, por isso, “ganharam consciência de que vão ter que estar recorrentemente a fazer cenários atrás de cenários para poderem ter planos alternativos face a acontecimentos internos e externos”. Conclusão: “Procuram cada vez mais os programas de cenarização” da Nova SBE.

A transição para um regime de teletrabalho, em que muitas empresas ainda se encontram, trouxe consigo preocupações redobradas com a cibersegurança e, por consequência, mais procura pelos programas relacionados com o tema na UNAVE — Associação para a Formação Profissional e Investigação da Universidade de Aveiro. As empresas “decidiram dar formação não só aos técnicos, como também a todos os trabalhadores para garantir que têm pelo menos o mínimo de boas práticas”, afirma Mário Rodrigues, presidente da comissão executiva da associação.

Procura individual aumenta, empresas apostam menos

Num aspecto, todas as instituições contactadas pelo PÚBLICO concordam: em anos de crise, a procura por parte de alunos individuais aumenta, enquanto os programas para empresas diminuem. Vê-se hoje o mesmo que se viu na anterior crise económica que espoletou em 2008.

O que leva as pessoas a procurar a formação? Por um lado, trata-se “tipicamente de pessoas que estão empregadas, mas que compreendem a necessidade de evoluir profissionalmente e ganhar diferenciação no mercado que é competitivo”, alega Pedro Brito, da Nova SBE. Já Patrícia Teixeira Lopes, da PBS, refere que “este é o momento em que as pessoas têm a oportunidade de parar” e pensar na formação, seja porque “a empresa em que estão está com menos actividade ou porque perceberam que aquela área de negócio não vai ser interessante no futuro”.

“Em alturas de prosperidade, as pessoas podem já estar satisfeitas com os seus empregos e não querem sacrificar o seu tempo a apostar na formação”, aponta Céline Abecassis-Moedas, da Católica. Por seu lado, Jorge Conde, presidente do Politécnico de Coimbra lembra que “podemos estar a falar de pessoas que foram despedidas e por isso agora têm mais tempo”, mas também justifica com o exemplo de “jovens que acabaram as licenciaturas e pensavam ir para o mercado de trabalho, mas como as coisas estão, viram-se para os mestrados porque não têm emprego lá fora”.

O resultado é que a maioria das instituições reporta aumentos no número de alunos nos programas de mestrados e pós-graduações para executivos. Já quanto às formações para as empresas, programas que muitas vezes são desenhados especificamente de acordo com os pedidos de cada uma das corporações que as oferecem aos seus colaboradores, o cenário inverte-se e as expressões mais ouvidas são “quebra” e “decréscimo” em termos globais, mesmo que em determinados programas tenham havido crescimentos consideráveis.

Pedro Brito fala num estado de “stand by” por parte das empresas “para ver o que é que acontece” e decidir “em que vão investir o seu dinheiro e o tempo dos colaboradores”. Já Patrícia Teixeira Lopes admite que “as empresas estão com alguma contenção orçamental”, o que fez “reduzir os orçamentos para a formação”. No caso da UNAVE, reporta-se uma quebra de 55% na procura desses clientes, num mercado que “está muito parado”.