19.10.20

Novo apoio social não garante mínimo do limiar de pobreza

Cátia Mateus, in Expresso

Trabalhadores Trabalhadores independentes e informais poderão não chegar aos €501 com o novo apoio anunciado pelo Governo

Num Orçamento do Estado a que todos reconhecem a forte componente social, o Governo escolheu como ‘medida-bandeira o novo apoio social, no valor referencial de €501,16, criado para proteger o rendimento dos trabalhadores mais afetados pela pandemia. “O objetivo é assegurar que quem perdeu rendimentos não fique abaixo do limiar da pobreza [€501]”, destacou o ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, à saída da reunião de Concertação Social, que esta semana voltou a juntar Governo, patrões e sindicatos, com o tema do Orçamento do Estado (OE) em cima da mesa. E essa tem sido a carta de apresentação da medida desde que foi anunciada. Só que o Bloco de Esquerda, a plataforma Precários Inflexíveis e alguns especialistas em direito laboral ouvidos pelo Expresso garantem que os trabalhadores independentes e os informais poderão não alcançar este valor e continuarão a ficar abaixo do limiar da pobreza. Ao Expresso, o Governo responde que os €501 nunca foram apontados como um valor mínimo, transversal a todos os grupos de profissionais.

Se a proposta de subida do valor mínimo do subsídio de desemprego em €65 para um valor próximo dos €505 merece os aplausos de sindicatos e oposição, já que garante, de facto, aos desempregados um rendimento acima do limiar da pobreza, alinhando com o anunciado pelo Executivo, o mesmo não acontece com o novo apoio social inscrito no OE-2021. O Apoio Extraordinário ao Rendimento dos Trabalhadores, que nas contas do ministro das Finanças, João Leão, deverá chegar ao bolso de 170 mil beneficiários, foi pensado para assegurar um rendimento àqueles a quem a pandemia deixou economicamente desprotegidos, como os trabalhadores informais e independentes. Mas têm sido estes os mais críticos da medida.

O novo apoio abrangerá no próximo ano quem se encontre numa de três situações: tenha trabalhado por conta de outrem (ou na prestação de serviço doméstico) ou como independente e cujo subsídio de desemprego tenha terminado em 2021; tenha trabalhado por conta de outrem ou como independente economicamente dependente e ficado desempregado sem acesso a subsídio de desemprego mas tenha descontado pelo menos três meses no último ano; e trabalhadores independentes e de serviço doméstico que tenham pelo menos três meses de contribuições nos 12 meses imediatamente anteriores ao requerimento do apoio e que tenham uma quebra do rendimento relevante médio mensal superior a 40% entre março e dezembro de 2020 face ao rendimento relevante médio mensal de 2019.

CONTAS DIFERENTES

Para os trabalhadores por conta de outrem e serviço doméstico está prevista uma prestação de carácter diferencial entre o valor de referência mensal de €501,16 e o rendimento médio mensal por adulto equivalente do agregado familiar, atribuído mediante prova de desproteção económica. Já para os trabalhadores domésticos e independentes que fiquem sem emprego, as contas são diferentes. Nestes casos, o apoio a conceder corresponde ao valor da quebra do rendimento relevante (70%) médio mensal entre a última declaração trimestral disponível e o rendimento relevante médio mensal de 2019. E no caso dos independentes e com quebras do rendimento médio superio­res a 40% só é considerado 50% do valor da quebra registada. Em ambas as situações, o limite máximo são os €501,16. Mas ao Expresso, Daniel Carapau, representante da plataforma Precários Inflexíveis, defende que “só os trabalhadores dependentes que percam o subsídio de desemprego no próximo ano ou que se encontrem abrangidos pelo subsídio social de desemprego [que receberão um complemento ao subsídio até perfazer os €501,16] vêm garantido o diferencial até ao limiar da pobreza”. Os restantes, diz, “têm apenas parcialmente coberta a sua perda de rendimento, podendo não chegar a esse patamar”. Daniel Carapau diz mesmo que “este apoio penaliza mais os independentes do que o previsto para quem teve redução de atividade, onde o limiar mínimo são €219, enquanto aqui são €50”.

A mesma leitura é feita por especialistas em direito do trabalho contactados pelo Expresso, que chamam a atenção para a falta de regulamentação que está a travar o apoio aos trabalhadores informais, outro grupo que não sai beneficiado com esta medida. O articulado do OE diz que para estes vigorará o apoio já criado com o Orçamento Suplementar, que “continua sem ser pago por falta de regulamentação”, explica José Soeiro, do Bloco de Esquerda, que acrescenta que “as regras são penalizadoras para independentes e informais, porque os obrigam a assumir o compromisso de descontar durante 36 meses sobre um rendimento que não sabem se vão ter, para lhes garantir apoio só durante seis meses”.

Ao Expresso, o Ministério do Trabalho esclareceu que o valor do limiar de pobreza, os €501, nunca foi referido como um patamar mínimo do apoio e sustenta que “o articulado da Proposta de OE para 2021 determina que o patamar de €501,16 é o montante máximo do novo apoio extraordinário ao rendimento dos trabalhadores”. Certo é que as muitas críticas em torno da insuficiência do apoio já levaram o ministros Siza Vieira e João Leão a admitir que há margem para reforçar os apoios.