29.3.21

O envelhecimento

Adriano Moreira, opinião, in DN

Esta situação global de, em todos os povos sem diferença de etnia, cultura ou crença, enfrentarem o ataque da pandemia, levou à necessidade de os poderes políticos, desafiados a reverem a sua relação com o conceito identificador da inesperada circunstância, a redefinir a sua relação com a velhice. Como a conclusão valorativa depende de terem chegado os inesperados cisnes negros, que doutrinou Ortega, a ONU, em perda do período de esperança, a qual abrangia preencher os vazios causados pela mortandade dos combates militares, fez circular a expressão "envelhecimento ativo". Uma expressão que dispensava a limitação pela idade como critério imperativo de ter chegado o fim, mas não dispensável para reconhecer os ainda garantes do tempo, sobretudo, como agora, pela terrível invasão, próxima do indomável, dos cisnes negros.

A desafiante articulação das diferentes circunstâncias, pelo tempo indomável, levou a reconhecer que, de algum modo, "a teoria do envelhecimento ativo", ao articular programas e responsabilidades científicas e políticas, não elimina o risco de uma súbita perda dessa capacidade, com limitada atenção do próprio, o que foi sublinhado pela oportuna intervenção da ONU, lembrando os casos em que os abrangidos continuam capazes de se imaginarem serem autónomos, e como que independentes, sem grandes preocupações físicas. Neste século sem bússola, e sem real capacidade de organizar uma capacidade eficaz contra o ataque em curso, o uso do critério de velhice ativa vai ser perturbado por não ser fácil, ou até possível, a partilha de recursos e afetos, com intervenção da dedicação privada e também de organizações religiosas, mas sem saber enfrentar com êxito pessoal as difíceis novas circunstâncias impostas pela pandemia.

O abalo do sistema legal de defesa da saúde recuperável exige que a incapacidade científica e estadual seja rapidamente corrigida pelas convicções apoiadas, na pregação de Cícero, na pietas como virtude. Tivemos antes desta crise global, mas com exigências graves e diferentes problemáticas, homens como Mandela ou Gandhi, em que o remédio era o perdão e a reconciliação. Um conto de Eça de Queirós, que foi recordado por Carreira das Neves, intitulado "A Perfeição", descreveu Ulisses fatigado pela beatitude com que viveu na ilha Ogígia, nos braços acolhedores da deusa Calipso, usando esta lamentação: "Ó deusa, há oito anos, oito anos terríveis, estou privado de ver o trabalho, o esforço, a luta, e o sofrimento." Não é igual atitude que, passado o tempo, a velhice causa. Por seu lado, no dizer de John Morris-Jones, "a idade nunca vem só, vem com suspiros e lamentação. Agora com um arriscado despertar. E virá mais tarde com um imenso e profundo receio".

Com a idade a impor-nos a submissão ao ponto final, com o sentimento de quase solidão da sobrevivência que é purgatório, por "sobreviver a todos os que não envelhecem quando envelhecem ao nosso lado, aos com que andámos de companhia na infância, aos vizinhos das aldeias pequenas e da cidade grande, aos parceiros de projetos, de vitórias e de derrotas, aos mestres de exemplos e até de esquecimentos, às vozes encantatórias dos que pregam as utopias, às mãos inspiradas que multiplicam a beleza, num tempo em que outros todos já são apenas pó da terra a que regressaremos, para finalmente nos encontrarmos com o mistério do princípio e do fim. A solidão da sobrevivência, o mais desafiante e doloroso dos tempos, tinha amparo nessa realidade de gerações intemporais em que nos integramos, no balanço final de vida, solidários para a salvação. Acontece que "a idade nunca vem só, mas com suspiros e lamentações"; mas que não venha impedir de ser como os crentes pedem à Senhora da Boa Morte. Infelizmente as circunstâncias, hoje globais, e inovação dos cisnes negros, fazem lembrar o título dos Diálogos com o Mosteiro dos Jerónimos, sobre "cultura, língua, artes, inovação, mar, desenvolvimento, ambiente, economia, terrorismo, sociedade, património, cidadania". Orientado "Entre o mundo que não vivemos e o mundo que não viveremos". A Comissão foi responsabilidade da notável Maria da Glória Garcia.

Infelizmente, as dúvidas, ou melhor certezas, com que vemos piorar o legado que a "geração do envelhecimento" vai deixar "ao mundo em que não viveremos", não lega a melhor maneira de encontrar no mundo, em vigor, o que foram as Utopias da ONU: "Mundo Único" e "terra casa comum dos homens". Entre as dificuldades que nesse colóquio registei, e se agravam, estão visíveis estas: "Enquanto o Ocidente, responsável pela Carta da ONU, aderiu a um conceito geral de Estados democráticos, as heranças de antigas colónias aderiram a um modelo de Estado extrativo, com fronteiras desenhados em geral por acordo ou desacordo dos colonizadores, invocando não o valor do Estado-nação, mas sim o valor que se traduziu no grito "deixem passar o meu povo". Infelizmente o modelo Estado extrativo é o que mais se destaca, designadamente no turbilhão que os especialistas chamaram "guerra em toda a parte".