25.3.21

Garantir a infância

Eduardo Barroco de Melo, Deputado, opinião, in Económico

A erradicação da pobreza infantil tem de ser uma prioridade central para todos os Estados-membros. Trata-se de uma reforma estrutural fundamental e de um investimento na estabilidade e prosperidade da União.

A revista “The Economist” de 13 de fevereiro apresentava, como destaque, um artigo “An end to exceptionalism – Reducing child poverty in America” que referia que “segundo a OCDE, cerca de 21% das crianças nos EUA vivem em situação de pobreza (…) o que é o dobro da taxa existente em França e o triplo da Polónia”.

Embora essa comparação permita uma avaliação positiva da aposta europeia num modelo social forte e integrado, que importa aprofundar, não poderemos ficar descansados ao saber que, segundo um estudo de 2019 do Parlamento Europeu (PE), 21% das crianças na União Europeia vivem em situação de pobreza de rendimento, 8,5% vivem em graves privações materiais e 9,3% em lares onde nenhum dos pais tem trabalho.

Cerca de 2,5% enfrentam estas três condições. Como assinalou o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, num relatório de abril de 2020, a grave situação sanitária que hoje nos afeta pode rapidamente transformar-se numa crise global para os direitos e bem-estar das crianças, exceto se não forem tomadas medidas imediatas através de uma ação coordenada a nível global.

Neste contexto, é mais importante do que nunca a concretização de uma das prioridades da atual Presidência portuguesa do Conselho da União Europeia (UE): a apresentação de uma Garantia Europeia para a Infância, que deverá ser anunciada pela Comissão Europeia no dia 24 de março.

Através desta iniciativa, sob a forma de recomendação aos Estados-membros, a UE procurará tomar a dianteira e liderar esta ação coordenada, dando resposta através de uma nova abordagem integrada para enfrentar os aspetos multidimensionais da pobreza infantil: assegurar que todas as crianças europeias em risco de pobreza tenham acesso a cuidados de saúde, cuidados infantis e educação gratuitos e de qualidade, habitação decente e nutrição adequada.

É uma reforma estrutural fundamental e um investimento na estabilidade e prosperidade da UE. Para a implementar, os Estados-membros deverão adotar Planos de Ação Nacionais relativos à Garantia para a Infância, cobrindo pelo menos o período até 2030, onde assumirão o compromisso de melhorar o acesso aos serviços para crianças carenciadas.

Esta medida é essencial na implementação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, especialmente pelo que representa em termos de combate às desigualdades no terreno, na promoção de uma vida mais próspera e justa para todas as crianças europeias. De acordo com os números anteriores à pandemia, cerca de uma em cada quatro crianças está em risco de pobreza ou exclusão social.

Por conseguinte, é imperioso agir em alguns domínios concretos, sem mais demoras: assegurar a igualdade de acesso e qualidade na educação, incluindo no pré-escolar; investir na melhoria dos serviços públicos dirigidos às crianças (abrigo e saúde), promover a saúde mental das crianças, proteger a maternidade e os direitos de paternidade, eliminar todas as formas de violência, defender as crianças no ambiente digital, entre outros.

Portugal adotou recentemente uma nova Estratégia para os Direitos da Criança para o período de 2021-2024 e está agora a preparar o seu plano de ação, centrado em cinco áreas prioritárias: i) Promover o bem-estar e a igualdade de oportunidades para todas as crianças e jovens; ii) Apoiar as famílias e os pais; iii) Promover o acesso à informação e à participação das crianças e jovens; iv) Prevenir e combater a violência contra crianças e jovens; e v) Promover a produção de instrumentos e conhecimentos científicos para reforçar uma visão global dos direitos das crianças e dos jovens.

No âmbito do próximo Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027, os Estados-membros devem incluir recursos financeiros para a implementação da “Garantia da Criança”. Para este fim, o novo Fundo Social Europeu plus (FSE+) inclui um envelope financeiro de quase 88 mil milhões de euros, cujos 5% devem ser atribuídos para implementar a “Garantia à Criança”. Isto significa que os Estados-membros têm de conceber os seus respetivos Programas Operacionais prioritários nacionais, a fim de garantir a sua implementação.

Os Parlamentos nacionais e o Parlamento Europeu têm um papel essencial a desempenhar neste domínio, seja no contributo para o desenvolvimento e monitorização dos Planos Nacionais, seja no constante acompanhamento destas questões. O Parlamento português, no âmbito da dimensão parlamentar da Presidência, inscreveu este tema nas suas prioridades, promovendo um debate transparente e aberto com os 27 Parlamentos nacionais e com o PE no dia 22 de fevereiro. Esta ocasião foi essencial para a apropriação que os representantes dos cidadãos – e das crianças – devem fazer destas matérias.

A erradicação da pobreza infantil tem de ser uma prioridade central para a UE e para todos os Estados-membros, com indicadores precisos integrados no semestre europeu e no painel de avaliação social e de emprego.

Como tal, o desenvolvimento e a implementação de uma Garantia Europeia para a Infância exigirão uma forte cooperação entre todos os principais interessados: autoridades públicas, serviços sociais, ONG, serviços de emprego, instituições de educação e formação, empresas, empregadores, sindicatos, etc. Exigirão também uma forte vontade e compromisso políticos de todos aqueles que não podem continuar a suportar o adiamento de políticas públicas sérias no combate a um problema tão relevante quanto estrutural. Também por isso, os Parlamentos terão de ser uma voz liderante neste processo.