Mais de 13 milhões de pobres na Alemanha, 825.000 pessoas assistidas em Espanha encontram-se numa em situação de pobreza grave e em França a pandemia criou mais de um milhão de pobres - são alguns exemplos da dimensão do impacto económico provocado pela covid-19
A crise económica desencadeada pela pandemia de covid-19 está a provocar o agravamento das desigualdades na Europa, com estudos e relatórios a demonstrarem a dimensão dessa realidade
Na Alemanha, sem que se conheçam ainda números oficiais, um relatório que vai ser apresentado em breve pelas autoridades revela que a pandemia "vai acelerar mais a tendência de desigualdade".
Em Espanha, várias organizações não-governamentais e organizações sociais reconhecem que a doença covid-19 está a provocar um aumento das desigualdades entre ricos e pobres, além do aumento do número de pessoas sem meios para subsistir.
Em França, o aumento da taxa de desemprego é um dos índices que contribui para este diagnóstico, a que se junta o acréscimo de 10% de franceses que passou a receber o equivalente ao rendimento social de inserção em 2020.
Na Bélgica, quase uma em cada quatro pessoas não consegue fazer face a uma despesa imprevista, segundo dados para 2020 publicados em janeiro pelo instituto de estatística belga Stabel.
Finalmente, no Reino Unido, segundo a Fundação Joseph Rowntree, antes da pandemia 14,5 milhões de pessoas já viviam na pobreza, o que equivale a mais de 20%.
Fatores como despedimentos, redução de salários e inflação como resultado da pandemia colocaram mais cerca de 700 mil pessoas nesta situação, de acordo com análises do Instituto Legatum, um 'think tank' com sede em Londres.
Alemanha com 13 milhões de pobres
Ainda não são conhecidos os números oficiais, mas a Paritätischer Wohlfahrtsverband (Associação de Paridade e Bem-Estar) acredita que a pandemia de covid-19 "vai acelerar mais a tendência de desigualdade".
Segundo dados revelados no final do ano passado, e relativos a 2019, aquela associação admite que mais de 13 milhões de pessoas na Alemanha viviam em pobreza, elevando a percentagem para 15,9%, a mais alta verificada desde a reunificação do país, em 1990.
"A pobreza e a riqueza estão a crescer e a solidificar-se. O chamado 'meio' está a encolher, a mobilidade social está a diminuir a desigualdade a aumentar", lê-se na página oficial da Paritätischer Wohlfahrtsverband, acrescentando que "a situação dos desempregados piorou drasticamente".
Um relatório preliminar, que deverá ser em breve apresentado pelo governo, sustenta que, financeiramente, a crise provocada pela pandemia de covid-19 está a afetar a franja da população com rendimentos mais baixos, beneficiando quem já recebe bons ordenados.
Contas feitas pelo jornal alemão Süddeutsche Zeitung indicam que, se a população for dividida em cinco partes, 30% do grupo mais baixo já enfrentou problemas para pagar despesas correntes.
Também no mercado do trabalho, a pandemia está a afetar a franja da população com qualificações mais baixas, sendo esses os que correm maior risco de perder o emprego.
"Os grandes desafios de integrar os desempregados de longa duração e as pessoas que chegaram à Alemanha nos últimos anos possivelmente também se intensificaram", revela a análise preliminar do governo.
De acordo com o Instituto de Pesquisa Económica da Alemanha, mais de 870 mil trabalhos a tempo parcial, pagos a 450 euros, desapareceram no último ano, fazendo com que o número seja o mais baixo desde 2004.
As mais afetadas são, sobretudo, as mulheres. Um quarto dos empregados nesta modalidade tem, pelo menos, 60 anos, e 91% não frequentou o ensino superior.
Bélgica: 10% com rendimento global diminuído
Um total de 23,4% dos belgas não consegue fazer face a uma despesa imprevista e 10% da população viu o seu rendimento global diminuir em 2020, face a 2019, sendo que 5,7% da população ficou sem capacidade financeira de pagar as contas a tempo, 2,1% deixaram de ter Internet em casa e 4,5% não conseguem suportar os custos de aquecer a casa.
Fazer uma refeição de carne ou peixe dia sim, dia não deixou de ser acessível a 3,5% dos belgas e 13,4% tiveram que interromper uma atividade de lazer.
Quanto ao setor empresarial, segundo dados de fevereiro do Governo federal, as agências de viagens perderam 31% de atividade, o setor das artes e espetáculos 22%, o da restauração 13%, as profissões de contacto não médicas (cabeleiros, estética, entre outras atividades) tiveram perdas de 10% e o dos transportes e logística de 6%.
No que respeita ao regime de desemprego técnico ('lay-off'), em vigor desde fevereiro de 2020, o setor da restauração é o que tem mais peso (13,7%), seguindo-se o dos serviços relacionados com edifícios e paisagens (11,7%) e o comércio de retalho (5,6%).
Espanha com 10,9 milhões de pobres
A Cáritas Espanha sublinha que "o drama das famílias sem qualquer rendimento continua a aumentar" e avança que apoia, "por causa da pandemia, 500.000 novas pessoas".
Esta organização não-governamental (ONG) católica afirma que mais de 825.000 pessoas assistidas em Espanha encontram-se numa situação de pobreza grave, ou seja, que têm menos de 370 euros por mês, no caso de uma pessoa, ou 776 euros, no caso de famílias com dois adultos e duas crianças.
Mais, há várias destas famílias que, mesmo que alguns dos seus membros estejam a trabalhar, não conseguem escapar à exclusão social, um número que estima em quase metade desses agregados familiares e que sobe para 60% quando o emprego é informal.
De acordo com esta instituição, a forte dependência da economia informal e do emprego no setor da limpeza informal fechou o acesso de muitos às medidas de apoio dos programas de 'lay-off' e outras medidas de proteção social.
Num inquérito feito pela ONG Save the Children junto das famílias, é relatada a necessidade "muito elevada" de bancos alimentares e apoio financeiro para sobreviver, e muitas deles destacam que as cantinas escolares são a única possibilidade para os seus filhos receberem uma dieta equilibrada.
Por seu lado, a ONG Oxfam Intermón alertava em janeiro último, no seu relatório anual, que o impacto da covid-19 em Espanha poderia levar mais um milhão de pessoas abaixo do limiar da pobreza - dos quais 790.000 em situação de pobreza severa -, passando o número total para 10,9 milhões.
O estudo sobre a desigualdade sublinha que, com a crise "sem precedentes" gerada pela doença, as pessoas numa situação de pobreza severa (com menos do equivalente a 16 euros por dia) poderiam atingir 5,1 milhões em Espanha, um país que tem um total de 47 milhões de habitantes.
A percentagem dos que vivem abaixo deste limiar passou de 9,2% antes da pandemia de covid-19 para 10,86%, enquanto a taxa de pobreza relativa (estimada em 24 euros por dia) aumentou de 20,7% para 22,9%.
França com mais um milhão de pobres
Em outubro de 2020 várias associações de solidariedade em França, entre elas a Fundação Abbé Pierre, Médicos do Mundo ou Secours Catholique declararam que a pandemia de covid-19 no país criou mais de um milhão de pobres, maioritariamente trabalhadores precários, trabalhadores independentes e ainda estudantes.
Além do crescimento da taxa de desemprego, outro indicador demonstrativo do aumento da pobreza, é a ajuda alimentar.
Em 2020, a estrutura de bancos alimentares francesa aumentou em 25% a sua distribuição um pouco por todo o país. Também a conhecida associação Restos du Coeur duplicou o número de refeições em muitas cidades gaulesas.
O barómetro da pobreza, desenvolvido no fim do ano de 2020 pela empresa Ipsos em parceria com a associação Secours Sociale, 43% dos inquiridos afirmaram ter perdido fontes de rendimento por causa da pandemia.
Este inquérito mostrou ainda que os franceses consideram atualmente que mesmo com o salário mínimo a tempo inteiro (1.219 euros) não é possível para uma pessoa sozinha viver acima do limiar da pobreza.
Reino Unido: minorias étnicas e mulheres os mais atingidos
Muitos dos grupos mais vulneráveis já tinham dificuldade em se manter à tona e foram também esses que sofreram mais com o impacto económicos e de saúde da pandemia covid-19.
Os mais atingidos foram trabalhadores a tempo parcial e trabalhadores com salários baixos ou de setores particularmente afetados, como a restauração e comércio, famílias negras, asiáticas ou de outras minorias étnicas, pais solteiros, principalmente mulheres, e residentes em áreas do Reino Unido onde já existiam níveis mais altos de desemprego, pobreza e privação.
O Governo respondeu com uma série de apoios temporários, tendo o mais importante sido o aumento em 20 libras (23 euros) por semana do subsídio de subsistência (Universal Credit), num total de 1.040 libras por ano. O fim do bónus em outubro vai empurrar meio milhão de pessoas, incluindo 200 mil crianças, para a pobreza, estima a Fundação Joseph Rowntree