Vice-presidente executivo da Comissão Europeia aconselha os países com maiores desequilíbrios macroeconómicos a começarem a preparar as condições para a saída do actual regime de excepção, em que as regras do Pacto de Estabilidade estão suspensas.
Quando começarem a desenhar o orçamento do próximo ano, os governos devem ter em conta que a disciplina orçamental vai regressar já em 2023, lembrou Valdis Dombrovskis, numa entrevista com vários meios europeus, entre os quais o PÚBLICO.
A Comissão recomendou esta quarta-feira que, ao definirem as próximas medidas de apoio e combate à crise, os Estados-membros com níveis de endividamento elevado, como Portugal, tenham em conta a “qualidade” e “sustentabilidade” das contas públicas. Isto quer dizer que na preparação do orçamento do próximo ano já devem fazer um esforço de contenção de despesa, apesar das regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento continuarem suspensas até ao final de 2022?
A nossa previsão, de acordo com as actuais projecções macroeconómicas, é que a cláusula geral de escape do Pacto de Estabilidade e Crescimento se mantenha activa até ao fim de 2022, e seja desactivada em 2023. Esta cláusula, como o próprio nome indica, é geral, isto é, aplica-se a todos os países da União Europeia. Mas há efectivamente um elemento de diferenciação em termos de política orçamental, para o qual tencionamos chamar a atenção no quadro das recomendações específicas por país para 2022, apesar de ainda vigorar a cláusula de escape e as regras se encontrarem suspensas.
O que dizemos é que os Estados-membros com um menor risco de sustentabilidade devem continuar a aplicar as medidas de apoio orçamental. Em relação aos países que têm um nível mais elevado de dívida pública, também recomendamos que mantenham as medidas de apoio, mas sejam mais vigilantes em termos do efeito orçamental dessas medidas a médio prazo e o seu impacto na sustentabilidade da dívida.
O que dizemos é que a sua abordagem deve ser mais matizada. Os países que já estão muito endividados têm de evitar uma maior deterioração da sua posição orçamental, e por isso têm de ser muito sérios ao decidir onde vão gastar o dinheiro e ter muito cuidado com a qualidade das finanças públicas. Mas isso não significa que devam fazer uma retirada abrupta ou prematura dos apoios à economia. Aliás, na comunicação reforçámos que isso não deve acontecer.
Em relação aos apoios à recuperação da economia, a Comissão escreve na sua comunicação que as medidas devem ser mais selectivas. Quer dizer que os governos devem concentrar os apoios em determinados sectores mais directamente afectados pela pandemia?
O que nós indicámos na nossa comunicação é que terá de começar a ser feita uma mudança gradual das medidas que estavam ligadas ao apoio de emergência – por exemplo, os esquemas temporários para a manutenção dos postos de trabalho – para medidas que sejam mais de fundo em termos de políticas activas, no caso direccionadas ao mercado laboral.
Não estamos a dar instruções sector por sector, mas estamos a dizer aos Estados-membros que devem começar a preparar estas mudanças estruturais recorrendo ao financiamento que está disponível para promover a recuperação e a resiliência da economia — que de resto está ligado ao nosso objectivo de transição ecológica e digital. O princípio é sempre o mesmo: as medidas não podem servir para preservar a economia do passado mas para facilitar a mudança.
Além disso, sabemos que as situações são muito diferentes em cada Estado-membro. O que estamos a sugerir é uma direcção política, no sentido da evolução das medidas de apoio induzidas pela crise, e que são necessariamente temporárias, para outras que garantam oportunidades de emprego através desta dupla transição verde e digital. Mais uma vez, trata-se de encontrar um equilíbrio entre estimular a curto prazo e assegurar a sustentabilidade a médio e longo prazo.
Os países que foram mais afectados pela crise provocada pelo coronavírus são os mais endividados da UE. Quando a Comissão lhes diz para vigiar a sustentabilidade da dívida, está a dizer-lhes para usar apenas os subsídios do Mecanismo de Recuperação e Resiliência?
Com efeito, recomendamos que ponham maior ênfase na sustentabilidade orçamental, e é precisamente aí que instrumentos como o MRR podem fazer a diferença, uma vez que foram criados para ajudar os países que ficaram numa situação mais vulnerável, seja por causa do nível da dívida, seja pelo menor grau de desenvolvimento económico, a reagir à crise. Por via das subvenções do MRR, estes países têm a possibilidade de estimular a economia e financiar a recuperação sem prejudicar a estabilidade orçamental e sem acrescentar à dívida.
Também se diz que quando terminar o actual regime de excepção, deve usar-se a flexibilidade na aplicação do Pacto de Estabilidade e Crescimento sempre que necessário. Isto significa que a Comissão está disposta a ser mais tolerante para não penalizar os Estados-membros que terão que fazer maior esforço para cumprir as metas?
Já existe uma comunicação de 2015 da Comissão Europeia sobre o melhor uso da flexibilidade no quadro do PEC. Mas deixe-me enfatizar que há uma diferenciação no esforço de consolidação orçamental que é previsto pelas regras dependendo da posição dos Estados-membros no ciclo económico. Essa diferenciação continuará a ser feita quando regressarmos à aplicação do PEC. É claro que, no geral, vamos recomeçar com níveis de défice e dívida muito mais elevados do que tínhamos antes da crise, e num lugar diferente do ciclo económico. E isso naturalmente será levado em conta quando discutirmos a flexibilidade das regras.
A Comissão confirmou esta quarta-feira que pretende retomar o debate para a reforma do PEC assim que a crise for ultrapassada. Nestes últimos meses, notou grandes mudanças em termos das ideias e posições sobre a eventual revisão das regras do tratado orçamental?
Em relação ao debate político sobre a revisão do PEC, o que posso dizer é que as diferenças sobre as regras orçamentais que existem desde os anos 90 não desapareceram. Claro que há lições da actual crise que vamos ter que aprender, e não desejo antecipar-me a essas conclusões. Para já, vamos reabrir a consulta pública para a revisão das regras, com base nos parâmetros antes avançados pelo Conselho Orçamental Europeu. Isso já nos permitirá constatar até que ponto as posições políticas se alteraram ou não. Antes do processo ser interrompido, já havia um largo consenso sobre a necessidade de simplificação das regras.
Há uma semana, o primeiro-ministro, António Costa, defendeu que o debate sobre o futuro das regras orçamentais da UE arrancasse já no segundo semestre do ano, e disse que este podia ser feito em paralelo ou em conjunto com a Conferência sobre o Futuro da Europa. A revisão do PEC poderia ser mais um elemento a acrescentar à agenda da conferência?
Essa seria certamente uma possibilidade. Mas terá de ser a Conferência sobre o Futuro da Europa a decidir e determinar exactamente qual o alcance do exercício que pretende realizar, porque há uma grande variedade de temas para discutir. Em relação ao exercício que nós vamos levar a cabo, passa pelo relançamento da consulta pública com vista à alteração das regras actuais. Na comunicação de hoje dizemos muito claramente que essa discussão só deve avançar quando a recuperação económica estiver consolidada.