6.5.21

Cimeira Social: há um "risco de centralização excessiva", diz Comité das Regiões

in o Observador

O presidente da assembleia consultiva dos representantes locais da UE constata que o financiamento para recuperar da crise comporta "um risco de centralização excessiva" que deve ser evitado.

A dificuldade de concretizar as metas passa por "encontrar os recursos certos e as sinergias certas para alcançar o progresso e focar a ação de modo a torná-la efetiva no terreno, para que realmente responda às necessidades das pessoas", diz o presidente do Comité Europeu das Regiões

Apesar do “enorme” financiamento da Comissão Europeia para combater a crise pandémica, o presidente do Comité das Regiões Europeu (CoR) alerta para um “risco de centralização excessiva” que pode “atrapalhar” os esforços por uma Europa social.

Em entrevista à Lusa, Apostolos Tzitzikostas elogia o “enorme” esforço do executivo comunitário para garantir o financiamento necessário para “superar a crise e preparar o futuro”, através do quadro financeiro plurianual para 2021-2027 e do programa “NextGenerationEU” que, juntos, disponibilizarão cerca de 1,8 mil milhões de euros aos estados-membros da União Europeia (UE).

Porém, o presidente da assembleia consultiva dos representantes locais e regionais da UE constata que esse financiamento comporta “um risco de centralização excessiva” que deve ser evitado, pois pode “atrapalhar” os esforços por uma Europa Social.

A implementação “efetiva” do Pilar Europeu dos Direitos Sociais é “da maior importância” para o comité e “só pode ser conseguida se todos os níveis de Governo — europeu, nacional, regional e local — estiverem envolvidos, respeitando sempre o princípio da subsidiariedade”.

O CoR garante estar “já a trabalhar para que tal aconteça”, ao ajudar, todos os dias, “as pessoas mais vulneráveis e mais atingidas” pela crise provocada pela Covid-19, mas avisa que “os recursos estão a diminuir e as despesas a disparar ao mesmo tempo”.

“Não se trata apenas de uma questão de vontade, é uma questão de financiamento”, sustenta.

Nesse sentido, Apostolos Tzitzikostas considera que a “atenção à Europa social” requer uma “abordagem local” e pede que seja “incorporada nos planos de recuperação e resiliência desde o início”.

Não é apenas algo que Bruxelas e as capitais dos países deveriam ser capazes de tratar, mas também as autoridades regionais e locais que conhecem melhor as suas comunidades, as suas necessidades e, claro, como abordá-las”, sublinha.

Esta é “uma das principais mensagens da Cimeira Social do Porto”, que visa a aprovação, pelos 27 chefes de Estado e de Governo da União Europeia (UE), do plano de ação para o Pilar Europeu dos Direitos Sociais, apresentado pela Comissão Europeia em março.

As metas definidas no plano — ter 78% da população da UE empregada até 2030, pelo menos 60% dos adultos a participar anualmente em ações de formação e menos 15 milhões de pessoas em risco de exclusão social ou de pobreza — “podem fazer uma grande diferença se forem alcançadas até 2030, conforme previsto”, assinala.

A dificuldade de concretizar as metas passa por “encontrar os recursos certos e as sinergias certas para alcançar esse progresso e focar a ação de modo a torná-la efetiva no terreno, para que realmente responda às necessidades das pessoas”.

Apostolos Tzitzikostas destaca o combate à pobreza infantil, que, defende, “deve ser abordada a nível local, regional, nacional e da UE, com todas as medidas e ações possíveis”.

O combate à pobreza infantil está inserido na terceira meta do plano de ação, prevendo que, das pelo menos 15 milhões de pessoas a retirar do risco de exclusão social ou pobreza, 5 milhões sejam crianças.

“Neste momento, quase 18 milhões de crianças na UE estão em risco de pobreza ou exclusão social e a situação tem-se agravado devido à pandemia de Covid-19. Portanto, devemos fazer tudo o que pudermos para evitar uma geração perdida”, exorta.

Como tal, aponta a garantia europeia para a infância como “uma ferramenta importante”, que propõe que “a educação infantil, a saúde e os custos escolares sejam gratuitos para as crianças carenciadas”.

Para implementar esta iniciativa, o Comité das Regiões considera também “crucial” que os estados-membros com uma taxa de pobreza infantil acima da média da UE destinem “5% do Fundo Social Europeu (FSE+) para o combate à pobreza infantil e à exclusão social”.

O presidente do CoR aborda ainda o debate sobre o salário mínimo europeu, uma questão que “não é fácil”, pois “o salário mínimo pode variar entre 300 euros por mês na Bulgária, 700 euros em Portugal e mais de 2.000 euros no Luxemburgo”.

Infelizmente, a desigualdade salarial em muitos estados-membros só aumentou nos últimos anos (…) e a Covid-19 tornou isso ainda pior. Teve um impacto negativo adicional sobre os salários dos trabalhadores, especialmente sobre os rendimentos mais baixos”.

Estas diferenças salariais “aceleram fenómenos como o ‘brain drain'”, em que pessoas altamente qualificadas e educadas de países pobres, em desenvolvimento e menos industrializados migram para os países mais ricos e desenvolvidos.

Apostolos Tzitzikostas apela, para uma “convergência ascendente”, em que a diretiva que estabelece os salários mínimos adequados inclua “mais objetivos vinculantes” e seja ” apoiada por medidas concretas”, como por exemplo pela “promoção da negociação coletiva”.
Falta de indicadores locais pode levar a “resultados enganadores”

O presidente do Comité Europeu das Regiões considerou também que “faltam indicadores a nível local e regional” para avaliar o desempenho dos estados-membros na implementação do Pilar Social, o que pode levar a “resultados enganadores”.

“Para monitorizar se a Europa está a caminhar na direção certa no combate às questões sociais”, a Comissão Europeia propõe um painel de indicadores sociais no qual “faltam indicadores a nível local e regional”, aponta Apostolos Tzitzikostas.

A avaliação do desempenho dos estados-membros será feita através do painel de indicadores sociais, inserido no Semestre Europeu da UE — um quadro criado em 2010 para a coordenação das políticas sociais e económicas em todo o bloco comunitário —, que incluirá novos indicadores sobre a aprendizagem de adultos, pobreza infantil, disparidade de emprego para deficientes e sobrecarga de custos de habitação.

Segundo o CoR, como esses indicadores são “tomados apenas a nível nacional”, a avaliação proposta pelo executivo comunitário “pode levar a resultados enganadores”, por “ignorar as disparidades sociais e regionais que muitas vezes existem dentro dos estados-membros”.

É como fingir que Paris e toda a França, ou Lisboa e Beja, têm os mesmos meios financeiros e enfrentam exatamente os mesmos problemas. Precisamos de ter melhor em conta essas especificidades regionais”, adverte.

Apostolos Tzitzikostas dá o exemplo de Portugal e Grécia, onde o setor do turismo foi dos “mais atingidos pelas consequências económicas da pandemia de Covid-19”.

“Mais de um em cada cinco empregos […] dependem apenas deste setor. Assim, monitorar ao nível transregional tornaria possível entender melhor o desempenho das diferentes regiões de um país e garantir que os investimentos regionais sejam orientados para alcançar progresso social”.

Por isso, defende a necessidade de “um painel social regional”, já que as metas traçadas no plano de ação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais “só são viáveis com o envolvimento das regiões e dos municípios”.

Somente se reconhecermos as diferenças existentes entre regiões e países poderemos abordá-las de maneira eficaz e garantir que os investimentos regionais sejam mais bem direcionados e não deixem ninguém para trás”, acrescenta.

O Comité das Regiões desenvolve, desde 2020, um Barómetro Regional e Local Anual da União Europeia (UE), em que é dada “uma visão detalhada da situação nas regiões da UE”.

Esse barómetro mostra, precisamente, como “diferentes regiões têm de responder a desafios muito diferentes”, explica.

“O Norte de Portugal encontrava-se entre as regiões com maior número de casos (de Covid-19) no início de 2020. O Algarve e o Alentejo encontravam-se entre as (regiões) menos afetadas no final de 2020. Portanto, esta abordagem regional e local deve também ser aplicada à recuperação, já que o vírus impactou tantas regiões diferentes de tantas maneiras diferentes”, reforça.

Assim, o presidente do comité não acredita que, “sem o envolvimento das regiões e das cidades em todos os aspetos da política social, haja um resultado positivo”.

Queremos e precisamos que as regiões e os municípios estejam na linha da frente do Pilar Europeu dos Direitos Sociais e da política social a nível europeu. Desta forma, a Europa seria capaz de responder aos problemas em questão de uma forma mais bem sucedida”, conclui.