4.5.21

Entrega de casas a famílias carenciadas derrapa dois anos

Luisa Pinto, in Público on-line

Documentos técnicos do PRR mostram o ritmo com que o Governo se compromete a executar o programa. 1.º Direito prometia 26 mil casas em 2024. Mas esse objectivo só deverá ser cumprido em 2026.

O 1.º Direito – Programa de Apoio ao Acesso à Habitação foi anunciado em Abril de 2018, altura em que o primeiro-ministro, António Costa, manifestou o objectivo de resolver todas as carências habitacionais antes dos 50 anos do 25 de Abril – o que acontece em 2024. Na altura, o diagnóstico apontava para 26 mil famílias carenciadas. Esse número já aumentou, entretanto, sem que a execução fosse propriamente acelerada. O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) vai agora impulsionar a execução do programa, mas as metas vão continuar longe do objectivo inicial.

Até ao terceiro trimestre de 2023, deverá estar concluída a entrega de 3000 casas às famílias com carências habitacionais. E, em Setembro de 2024, deverão ser 7000 as casas entregues no âmbito do 1.º Direito. As 26 mil casas prometidas para Abril de 2024 deverão, por seu turno, estar concluídas e entregues até ao terceiro trimestre de 2026.

Esta calendarização consta dos documentos entregues em Bruxelas, e que foram tornados públicos pelo Governo no passado fim-de-semana. Trata-se de documentos técnicos, em que estarão sinalizadas as várias etapas de cada investimento e de cada reforma, e em que são definidos objectivos de execução e medidas a acompanhar, percebendo-se melhor o ritmo com que o país se está a comprometer.

Tanto para os pedidos de subvenções a fundo perdido (e que na área da habitação totalizam os 1261 milhões de euros), como para a componente de empréstimos, que ascende a 774 milhões. No caso dos pedidos de empréstimo para avançar com o parque público de habitação a custos acessíveis, o Governo compromete-se a ter 520 casas com obra iniciada até ao terceiro trimestre de 2022.

O investimento na componente de habitação é um dos mais expressivos do PRR, chega aos 2732 milhões de euros, dos quais 1149 milhões estão na rubrica de empréstimos. Entre as propostas de investimento inscrito nos pedidos de subvenção, o 1.º Direito apresenta objectivos de curto prazo relativamente fáceis de cumprir.

Até ao terceiro trimestre deste ano será necessário ter 50 acordos de colaboração ou de financiamento assinados entre as câmaras municipais com Estratégias Locais de Habitação já aprovadas e o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU). Com a assinatura, na passada sexta-feira, de um acordo de colaboração com a Câmara de Valença, a verdade é que já estão assinados 40 acordos.

Mais moroso será fazer chegar esses acordos ao terreno. O Governo compromete-se a ter contratualizados 1980 fogos até Junho de 2022 e a ter prontos para entrega 3000 fogos até Setembro de 2023. Depois, o número tem que praticamente duplicar a cada ano: em Setembro de 2024, o número de fogos a entregar já terá de ser 7000; no terceiro trimestre de 2025 terão se ter entregues 14 mil fogos às famílias, e no terceiro trimestre de 2026 cumprir-se-á, então, a meta definida de chegar aos 26 mil fogos, para os quais o Governo vai receber (se o PRR for aprovado) subvenções de 1221 milhões de euros.

No documento, o Governo assume que as metas a que se impôs chegar em 2026 “são ambiciosas e comportam alguns riscos de execução”, antevendo que “os procedimentos de avaliação de todas as ELH pelo IHRU, bem como os necessários procedimentos administrativos e concursais, são morosos e complexos, suscitando eventuais litígios”.

Ainda assim, até 2026, o documento apresenta estimativas de quanto pretende investir em cada ano, segmentando ainda a verba prevista para cada uma das componentes que integram o 1.º Direito: reabilitação, construção, arrendamento. Assim, neste ano de 2021 deverão ser investidos 123 milhões de euros: 46,6 milhões em reabilitação, 74 milhões em construção, e 45,6 milhões em arrendamento. No ano de 2022, o investimento nas três componentes deve ser de 125 milhões; 238 milhões em 2023; e 302 milhões em 2024.

O Governo explica que as metas definidas para 2021 se baseiam “nos contratos já assumidos” e que a programação até 2026 resulta de uma estimativa “com base no conhecimento disponível”. O executivo recorreu ao histórico de procedimentos concursais realizados por câmaras como o Porto, Matosinhos ou a Amadora para chegar a alguns valores-padrão. Por exemplo, o valor-padrão a pagar por fogo para a solução construção é de 83.068 euros.

“Embora seja importante a estimativa de custos consoante a solução, não seria viável identificar metas finais em função da solução habitacional em concreto, sob pena de pôr em causa o objectivo do programa. A realidade de cada município é muito diferente e dinâmica, nomeadamente quanto aos imóveis existentes para reabilitar, construir ou adquirir e a aferição em concreto das soluções, dependendo do diagnóstico de partida, também decorre do próprio desenvolvimento dos processos, que, na grande maioria dos casos, ainda estão no seu início”, argumenta o Governo.

Sem referir nestes documentos que há mais necessidades do que aquelas que foram identificadas em 2018, o Governo explica que a percentagem de apoio a fundo perdido é uma das preocupações deste investimento, “que implica a necessidade de endividamento dos municípios para garantir a execução das suas ELH”. Esta circunstância, argumenta o Governo, “tem levado ao adiar do plano de soluções habitacionais em alguns municípios”.

Com o reforço do investimento por via do PRR, “será possível aumentar a componente a fundo perdido”, escreve o Governo, referindo-se, sem mencionar, ao facto de comparticipar a 100% os primeiros 26 mil fogos intervencionados. O objectivo é tornar “o programa mais atractivo, mobilizador e eficaz”, argumenta o Governo, explicando ser por isso necessário, antes de avançar com o investimento, “promover a respectiva adaptação do regime jurídico e do financiamento do 1.º Direito ao PRR”. A adaptação do regime jurídico do 1.º Direito ao PRR é mesmo a primeira data com que o executivo está comprometido no calendário, e para o qual fixa a conclusão até ao final do segundo trimestre deste ano.

Assim como estão estas medidas, calendários e objectivos definidos para o programa 1.º Direito, o mesmo grau de detalhe existe para a criação da Bolsa Nacional de alojamento urgente e temporário (176 milhões até 2026), para o reforço da oferta de habitação apoiada na Região Autónoma da Madeira (136 milhões) e para aumentar as condições habitacionais do parque habitacional da Região Autónoma dos Açores (60 milhões).
Empréstimos para habitação acessível

No caso dos empréstimos, o executivo admite um maior grau de incerteza na execução. O Governo pretende recorrer a empréstimos do PRR para reabilitar 75% do património público que já está inscrito na Bolsa Pública de Imóveis, orientado para a criação de um parque habitacional público a preços acessíveis. O compromisso com Bruxelas é garantir o arrendamento de 6800 fogos a custos acessíveis até 2026.

Porém, há muitos riscos e desafios para a sua concretização, pelo que o executivo admite a dificuldade em “definir de forma fidedigna a totalidade do investimento necessário e capaz de ser executado até Julho de 2026”. O Governo pede que se crie um mecanismo de reavaliação dos empréstimos via PRR de forma “a permitir a inclusão de novos imóveis cuja construção ou reabilitação se concretize nos prazos indicados”. E garante que o reembolso do empréstimo “será garantido pelas rendas cobradas, nos limites estabelecidos nos programas, sendo o remanescente, a existir, coberto por outras receitas, nomeadamente provenientes do Orçamento do Estado”.

Também nesta rubrica, o executivo refere que estas metas “são ambiciosas e comportam alguns riscos de execução”. Mas, e como obriga Bruxelas, avança com uma calendarização de todos os procedimentos e investimentos. O primeiro prazo é já o próximo mês de Junho, fixado como data-limite para aprovação dos regulamentos do acesso ao financiamento.

No terceiro trimestre de 2022, o Governo espera já ter 520 habitações com obra iniciada. E no terceiro trimestre de 2024 deverá ter 1700 habitações atribuídas. Em 2025, no terceiro trimestre, já deverá ser