4.5.21

Mais de 700 mil famílias não conseguiram pagar os seus créditos em 2020

Elisabete Tavares, in DN

Banco de Portugal recebeu quase 20 mil reclamações de clientes no ano passado, mais 8,6% do que no ano anterior, por causa de queixas relacionadas com as moratórias de crédito.

Créditos ao consumo foram responsáveis pela subida dos processos de regularização de incumprimento.

Durante o ano de 2020, os bancos iniciaram 707 mil novos processos de acordo extrajudicial relativos a famílias que deixaram de conseguir pagar os seus créditos, num montante global de contratos de 2990 milhões de euros.

Os dados foram divulgados esta segunda-feira pelo Banco de Portugal e constam do Relatório de Supervisão Comportamental relativo a 2020.

Segundo o relatório, foram iniciados no ano passado 652.565 processos PERSI (procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento) no âmbito do crédito aos consumidores. Trata-se de um aumento de 5,6% face a 2019. No global, estes processos envolvem contratos no montante de 1144 milhões de euros.

"O número de contratos de crédito aos consumidores integrados em PERSI também aumentou em março e em abril de 2020. A partir daí e até agosto, observou-se uma redução do número de contratos integrados em PERSI", aponta o relatório. Explica que esta evolução "estará associada às moratórias privadas, que entraram em vigor a partir de meados de abril". "Porém, esta trajetória foi interrompida a partir de setembro, num contexto em que algumas instituições com peso significativo no mercado deixaram de disponibilizar aos seus clientes a possibilidade de acesso a essas moratórias privadas", frisa.

No crédito à habitação e hipotecário, "foram iniciados 54.970 processos, menos 23,1% do que em 2019", avança o documento. "Esta evolução entende-se associada à implementação da moratória pública, que, desde o seu início abrangeu os contratos de crédito à habitação própria permanente, e que, a partir de junho, passou a abranger outros créditos hipotecários", explica. Neste segmento, os contratos abrangidos são no montante global de 1846 milhões de euros.

As moratórias foram introduzidas em março de 2020 como medida para minimizar o impacto nas famílias e empresas da crise provocadas pelas medidas adotadas pelo governo no âmbito da epidemia. A medida permitiu ainda travar o aumento do nível de crédito malparado nos bancos.

No final de março último, estavam abrangidos por moratórias empréstimos no valor global de 41,9 mil milhões de euros, uma redução mensal de 3,7 mil milhões de euros.

A descida deveu-se sobretudo ao facto de ter terminado no final de março a moratória da Associação Portuguesa de Bancos. No caso da moratória pública, vence no final de setembro deste ano para a maior parte dos créditos hipotecários abrangidos.
Moratórias fazem disparar reclamações

O Banco de Portugal recebeu quase 20 mil reclamações de clientes bancários em 2020, um aumento de 8,6% face ao ano anterior, devido ao volume de queixas "sobre matérias covid-19", nomeadamente as moratórias no crédito.

O supervisor bancário recebeu cerca de 1638 reclamações por mês por parte de clientes bancários em 2020, segundo o relatório do Banco de Portugal.

"Os clientes bancários apresentaram 19.660 reclamações relativas a matérias sujeitas à supervisão do Banco de Portugal, mais 8,6% do que em 2019. Este aumento ficou a dever-se às reclamações sobre medidas adotadas no contexto da pandemia de covid-19", destaca o supervisor num comunicado sobre o relatório.

Excluindo as reclamações relacionadas com os temas sobre a epidemia, "o número de reclamações teria diminuído 0,6%", adianta o Banco de Portugal.

"Na sequência da sua atuação fiscalizadora (sobre moratórias), emitiu 284 determinações específicas a cem instituições e instaurou dez processos de contraordenação a sete instituições", adianta o supervisor.

No caso das comissões bancárias, o Banco de Portugal executou ações de inspeção em 120 instituições financeiras e detetou irregularidades em 120 por falta de "conformidade do extrato de comissões com as regras definidas".

Nas contas à ordem, das 115 entidades inspecionados, 107 não cumpriam com o exigido ao nível do "conteúdo da informação prestada sobre o serviço" de mudança de conta.

As contas de serviços mínimos bancários (SMB) foi outro dos temas que levou à imposição de medidas junto de bancos por parte do Banco de Portugal. Entre as situações que o supervisor detetou, constatou-se que bancos limitavam o acesso a outros produtos e serviços financeiros por parte do titular daquele tipo de conta, "tendo-se exigido a 79 instituições que deixassem de limitar o acesso dos titulares de contas de SMB a produtos e serviços como, por exemplo, o cartão de crédito e o MBway".

Segundo o relatório, "as reclamações sobre matérias associadas a depósitos bancários, crédito aos consumidores e crédito à habitação e hipotecário - as três matérias mais reclamadas pela importância relativa destes contratos para os clientes - aumentaram em relação a 2019, quer em termos absolutos quer quando ponderadas pelo número de contratos".

Por cada cem mil contratos, o número de reclamações cresceu de 32 para 34, no caso das contas de depósito, de 36 para 40, no crédito aos consumidores e de cem para 119, no crédito à habitação e hipotecário.
Contas low cost aumentam

O relatório Banco de Portugal revela ainda que a adesão a contas bancárias de custo reduzido disparou 25% em 2020, contabilizando-se a existência de mais de 129 mil destas contas em Portugal no final de dezembro passado. Trata-se de um aumento de 25.958 contas de serviços mínimos bancários face ao final de 2019. "Foram constituídas 30.073 contas de SMB, das quais 22.479 resultaram da conversão de uma conta de depósito à ordem já existente na instituição numa conta de SMB e 7.594 da abertura de nova conta de SMB", refere o documento.

O supervisor avança ainda que em 2020 foram encerradas 4115 contas de SMB, sendo que destas, 79,3% foram fechadas por iniciativa do cliente e 852 por iniciativa do banco. "Os motivos que levaram ao encerramento da conta de SMB pela instituição deveram-se, sobretudo, à detenção pelo titular de outras contas de depósito à ordem, à inexistência de movimentos na conta nos últimos 24 meses ou ao facto de o titular ter deixado de ser residente legal na União Europeia", explica o relatório.

O Banco de Portugal detetou, em ações de inspeção a 80 instituições financeiras, que todas falhavam o cumprimento de regras, incluindo no respeito pelo limite máximo de cobrança de comissões e encargos.

"Foram detetadas nas 80 instituições situações em que a abertura de conta de SMB ou a conversão de conta de depósito à ordem em conta de SMB foi recusada com fundamento em motivos não previstos na lei e em que não foi assegurada a comunicação formal aos clientes sobre o motivo para a recusa de acesso à conta de SMB", aponta o relatório.

O supervisor detetou ainda "nas 80 instituições situações de cobrança indevida de comissões pela utilização de serviços incluídos na conta de SMB, como sejam a disponibilização de cartão de débito, levantamentos de numerário ao balcão ou depósitos de moeda metálica".