5.5.21

Numa década, houve 547 vítimas de exploração laboral. A maioria na agricultura, no Alentejo

Joana Gorjão Henriques, in Público on-line

De acordo com os dados recolhidos pelo Observatório de Tráfico de Seres Humanos, a exploração laboral representou 70% do total das vítimas confirmadas entre 2008 e 2019. Maioria de vítimas são homens.

Em 11 anos, as entidades oficiais confirmaram 547 vítimas de tráfico de seres humanos para exploração laboral, mostra um relatório do Observatório de Tráfico de Seres Humanos (OTSH). A maioria das vítimas foi explorada no trabalho na agricultura. E o Alentejo foi a região do país com maior incidência.

Esta semana, na sequência da cerca sanitária imposta em duas freguesias de Odemira (Beja), a questão da exploração laboral tem estado em foco. Como o PÚBLICO noticiou no domingo, a Polícia Judiciária está a investigar várias queixas de exploração laboral na zona, o SEF tem 32 inquéritos a decorrer no Alentejo e o Ministério Público de Odemira abriu 11 inquéritos por auxílio à imigração ilegal para efeitos de exploração laboral.

De acordo com os dados recolhidos pelo OTSH, a exploração laboral foi, de resto, a forma mais frequentemente identificada pelas autoridades, representando 70% do total das vítimas confirmadas entre 2008 e 2019, o período abrangido pelo documento.

No âmbito das investigações do tráfico de seres humanos, há a identificação de vítimas como sinalização e como confirmação. Uma vítima é sinalizada quando há suspeitas de tráfico; é confirmada como tal só depois de recolhidos indícios pela investigação das autoridades competentes como o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) ou o Ministério Público.

Segundo os dados apurados naquele documento, mais de 80% das vítimas nesses 11 anos foram homens e o Alentejo representou 51% dos casos. Nenhuma outra região do país teve uma taxa de incidência tão alta — para se ter uma ideia, a zona em segundo lugar, a Área Metropolitana de Lisboa, concentrava menos de metade dos casos de exploração laboral, 19%. No Norte, a percentagem era de 14% e no centro 10%.

O tráfico no Alentejo para exploração laboral foi sobretudo para a agricultura e as autoridades confirmaram 303 vítimas nesta região, em que 82,5% foi no Baixo Alentejo, com destaque para os municípios de Beja (ao qual pertence Odemira) e Ferreira do Alentejo — o documento assinala 36 vítimas exploradas “em mais que uma herdade agrícola em diferentes municípios”. Isto porque uma das características deste fenómeno é a mobilidade das vítimas, que circulam de campanha em campanha.

No total, foram confirmadas 27 nacionalidades de África (14 países), da Ásia (seis países), da Europa (cinco países) e da América (dois países).
64 processos em 2020

Já o último Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) refere que em 2020 foram instaurados 64 processos no âmbito de tráfico de pessoas e constituídos 29 arguidos. Foram ainda investigados 86 inquéritos, com a sinalização de 59 vítimas. As autoridades confirmaram 13 vítimas em 2020. Porém, sinalizaram 155 para exploração laboral, com Santarém e Portalegre como os distritos com maior incidência de presumíveis vítimas — foram identificadas 31 e 14, respectivamente. Estas vítimas sinalizadas podem ser confirmadas mais tarde, porque os dados só são actualizados depois de terminadas as investigações.

Na análise longitudinal do observatório, entre 2008 e 2019 é possível concluir que foi em 2013 e 2016 que se confirmaram mais vítimas de tráfico para exploração laboral — com 118 e 124 em cada um desses anos.

No relatório anual do OTSH de 2013 já se destacava o elevado número de confirmações em Beja: das 45 vítimas confirmadas nesse ano todas foram para exploração laboral e 43 estavam em Beja.

Em 2016, era de novo vincado o fenómeno: das 108 vítimas confirmadas, 101 foram para exploração laboral na agricultura. Beja voltava a aparecer entre os distritos com mais casos de exploração de vítimas para a agricultura com 23 casos. Nesse ano, porém, foi Santarém o distrito com mais vítimas de exploração laboral para a agricultura com 24.