4.5.21

Metade do dinheiro para a recuperação da crise vai ser gasto no combate às alterações climáticas

Rita Siza, in Público on-line

Nos Planos de Recuperação e Resiliência que já foram entregues em Bruxelas, as metas obrigatórias de 37% da despesas ligadas ao clima e 20% ao digital foram ultrapassadas. Até agora, 13 países já avançaram os seus programas — Portugal foi o primeiro.

A “ambiciosa” meta de ter pelo menos 37% dos projectos inscritos nos Planos Nacionais de Recuperação e Resiliência ligados à transição energética e ao combate às alterações climáticas vai ser largamente ultrapassada com vários Estados-membros a reservarem quase metade do respectivo envelope financeiro a investimentos para alcançar o objectivo da neutralidade carbónica em 2050.

A informação já disponível na Comissão Europeia sobre as despesas previstas pelos Estados-membros no âmbito do Mecanismo de Recuperação e Resiliência aponta para um montante bem acima dos 250 mil milhões de euros, correspondentes a 37% do volume global de 672,5 mil milhões de euros. Pelas contas do executivo comunitário, a “dimensão verde” do MRR pode representar cerca de 80% do total de 312,5 mil milhões de euros que vão ser distribuídos pelos 27 a título de subvenções.

Segundo o PÚBLICO apurou, na componente da promoção da neutralidade climática encontram-se vários investimentos transfronteiriços para a exploração de energias renováveis, caso por exemplo do hidrogénio, e também a chamada mobilidade limpa, com apostas no desenvolvimento da infraestrutura ferroviária europeia, dos transportes públicos e dos veículos eléctricos.

Para projectos relacionados com a eficiência energética e a renovação de edifícios existem, nesta altura, candidaturas no valor aproximado de 50 mil milhões de euros em investimentos do sector público e privado. De acordo com uma fonte europeia, esta foi classificada como “uma área de grande potencial” pelos Estados-membros que já fecharam os respectivos programas nacionais — recorde-se que Portugal foi o primeiro Estado-membro a entregar o seu Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) à Comissão, dez dias antes do final do prazo de 30 de Abril previsto no regulamento.

Outros oito países — Alemanha, Dinamarca, Eslováquia, Espanha, França, Grécia, Letónia e Luxemburgo — respeitaram o calendário e fizeram chegar os seus planos a Bruxelas até sexta-feira. Este sábado, foram mais : Áustria, Bélgica, Eslovénia e Itália. Mas nada acontecerá aos 14 Estados-membros que ainda estão a ultimar os respectivos programas de investimentos e reformas candidatos ao financiamento do MRR, o principal instrumento do fundo de recuperação da crise “Próxima Geração UE”, de 750 mil milhões de euros.

Afinal, a data de 30 de Abril para a submissão dos planos era meramente “indicativa”, informou a Comissão Europeia, que há meses ouvia queixas dos Estados-membros por causa da magnitude do processo e o grau de complexidade envolvido na elaboração destes documentos, que contêm as fichas de descrição técnica dos projectos, os custos e calendário de execução, e ainda a avaliação do seu impacte ambiental e, caso seja necessário, as medidas de mitigação propostas. “Só em justificações de custos temos mais de 50 mil páginas”, reclamava uma fonte de Bruxelas
"A Comissão acompanhou a elaboração dos planos desde o minuto zero, e pediu aos Estados-membros para só os entregar quando estivessem prontos a ser aprovados. Não se entende para que precisa agora de mais de dois meses de avaliação depois de já ter dado o OK"

A única “desvantagem” do incumprimento do calendário previsto para a entrega do plano tem a ver com a demora na sua posterior aprovação — e do pagamento do primeiro cheque, no valor de 13% do envelope financeiro, a título de pré-financiamento.

O regulamento prevê que a Comissão demore até um máximo de dois meses para verificar a conformidade dos planos com os critérios estabelecidos, e a sua posterior tradução em actos legislativos para a adopção do Conselho da UE, que por sua vez dispõe de um prazo de até quatro semanas para proceder à discussão e aprovação. Mas “como os Estados-membros podem financiar despesas retroactivamente, nada de mal acontecerá se os planos não forem apresentados até 30 de Abril”, apontou uma fonte do executivo.

António Costa pressiona

Numa manobra de pressão da Comissão — que tem cerca de 200 pessoas exclusivamente envolvidas na avaliação dos planos, entre a task force do MRR e as várias direcções gerais —, a presidência portuguesa do Conselho da UE já colocou um ponto na agenda da reunião dos ministros das Finanças de 18 de Junho relativo à aprovação dos primeiros PRR. E o primeiro-ministro, António Costa, admite a convocação de uma reunião extraordinária do Ecofin na última semana do mês, para a aprovação de um segundo pacote de planos.

Mas o executivo comunitário não se compromete com um prazo para a conclusão da avaliação formal dos PRR. “Obviamente não vamos perder nem um segundo”, garantiu o porta-voz da presidente da Comissão, Eric Mamer. A mensagem que tem saído do Berlaymont é que deverão mesmo ser precisos os dois meses previstos. Esse prazo atira as primeiras aprovações no Conselho da UE já para o segundo semestre: os Estados membros que trabalharam em contra relógio para concluir os PRR não escondem o seu descontentamento.

Uma fonte diplomática lembrava que a Comissão conhece “intimamente” todos os programas, que foram negociados linha a linha antes de ser formalmente submetidos. “A Comissão acompanhou a elaboração dos planos desde o minuto zero, e pediu aos Estados-membros para só os entregar quando estivessem prontos a ser aprovados. Não se entende para que precisa agora de mais de dois meses de avaliação depois de já ter dado o OK, não faz ponto de sentido”, queixava-se, dizendo que o sinal que a demora transmite para o “exterior” é muito negativo.

“Enquanto isso, os Estados Unidos já vão no segundo pacote de recuperação…”, comparava.
Meta do digital também vai ser superada

Tal como a meta relacionada com o clima, também o objectivo de dedicar 20% das despesas à transição digital vai ser superado: nesta altura já estão previstos mais de 130 mil milhões de euros de investimentos neste campo. No caso da Alemanha, por exemplo, a componente digital vale 50% do financiamento do PRR, que ascende aos 28 mil milhões de euros, apenas em subvenções — o Governo de Angela Merkel não prevê recorrer aos empréstimos.

No PRR francês, é a dimensão verde que absorve 50% do investimento, mas ainda assim a aposta de Paris no digital fica acima da meta, valendo 25% do envelope total de 39,4 mil milhões de euros em subvenções.

Tal como a Alemanha, a França não sinalizou, para já, a intenção de recorrer a empréstimos: por enquanto, apenas Portugal, Grécia, Eslovénia e Itália prevêem esse financiamento nos seus PRR. Aliás, no caso da Itália, que é o país com o maior envelope ao abrigo do MRR, a componente dos empréstimos, de 122,6 mil milhões de euros, é superior à das subvenções, no valor de 68,9 mil milhões de euros.

De resto, a estimativa da Comissão Europeia é que cerca de 30% do financiamento do MRR vá para as áreas da Saúde e do Social, que correspondem à componente da promoção da “resiliência” a crises sanitárias futuras. “O foco está na infra-estrutura hospitalar e na acessibilidade à rede de saúde”, revelou fonte europeia. Olhando para o plano apresentado pela França, verifica-se que há uma parcela de 7,7 mil milhões de euros atribuída à “saúde e coesão territorial”. A Alemanha destinou uma verba de 3000 milhões de euros só para hospitais.