3.5.21

EM PORTUGAL, A TERCEIRA IDADE REPRESENTA JÁ 20% DA POPULAÇÃO

Por Carina Seabra, in JUP

NE aponta que o país venha a atingir um rácio de 317 idosos por cada 100 jovens, até 2080. Com 20% da sua população já na terceira idade, o governo prepara um plano de ação para o envelhecimento saudável. 

O envelhecimento populacional é um fenómeno demográfico que abrange a grande maioria das sociedades mundiais, assumindo particular expressividade nos países desenvolvidos. Entre estes, Portugal destaca-se assumindo 20% da sua população na terceira idade, uma tendência que se apresenta crescente, como apontado pelo INE quando descreve que o índice de envelhecimento venha a atingir em 2080 um rácio de 317 idosos por cada 100 jovens. Este fenómeno traduz-se numa intensa quebra geracional e, por estar associado também a uma tendência de despovoamento da zona interior, antecipa para Portugal um futuro conturbado tanto ao nível económico como social.

A problemática do envelhecimento prende-se com o facto da demanda por maior exigência nos serviços sociais, já que potencia a procura de recursos que são já escassos e que os países não conseguirão, futuramente, assegurar às suas populações, pelo que lhes estão inerentemente relacionadas políticas sociais de extrema importância. Entre estas, destaca-se o constrangimento do sistema nacional de saúde, bem como a extrapolação das capacidades financeiras do Estado, como nos diz Anthony Giddens, sociólogo britânico, no seu estudo sobre o «crescimento dos grisalhos». Dentro de apenas uma década, estima-se que o rácio de cada contribuinte para pensionista será equivalente a 4.1, ou seja, contaremos apenas com o contributo de quatro cidadãos economicamente ativos para suster o subsídio de um pensionista, com expectativas de evolução da mesma no sentido negativo, ou seja, a densa população idosa estará dependente dos contributos financeiros que estes contribuintes terão necessariamente que gerar para manter a sustentabilidade do Estado. Embora as pessoas vivam por mais tempo, outrora um idoso era entendido como alguém que tinha à volta dos quarenta anos e hoje em dia os valores sobem em mais de vinte anos, haverá uma quebra da força de trabalho.

Também no domínio social se esperam dificuldades acrescidas para a população idosa. Anthony Giddens descreve o envelhecimento por meio de uma miríade de processos biológicos, psicológicos e sociais, interligados, que atingem o indivíduo no decorrer do aumento da sua idade. Este envelhecimento é um processo inevitável e, por isso, carece de urgente consideração sobre dois pontos de vista essenciais: primeiro é preciso entender que, com uma população cada vez mais envelhecida, é imprescindível que se pensem em ações que colmatem a quebra na atividade económica que desta tendência decorre. O decréscimo da população ativa e o aumento da taxa de dependência tendem a agravar as tensões relativas aos recursos existentes, um ponto ao qual o plano atual de reforma não tem capacidade de resposta, pelo que é urgente que se considerem alternativas económicas. Depois, é ainda importante pensar em mecanismos que possam assistir os idosos, a nível social, seja pela atenuação dos efeitos biológicos, por meio da promoção de uma alimentação cuidada e estilo de vida em concordância, seja pela consideração de ferramentas que garantam que as suas necessidades fisiológicas sejam atendidas e contribuam para a sua inserção na sociedade, permitindo que viva com dignidade. A questão do trabalho é, aqui, essencial, uma vez que o sentido de identidade pessoal está diretamente ligado à profissão, que é vedada a uma significativa parcela de idosos.

Se hoje Portugal já se depara com dificuldades em lidar com os idosos, seja ao nível dos cuidados prestados, seja ao nível dos apoios financeiros, espera-se que estes temas se venham a agravar ainda mais no futuro. Procurando responder às problemáticas associadas ao envelhecimento demográfico, as quais se encontram descritas no Livro Verde sobre o Envelhecimento e atendendo à posição particularmente frágil de Portugal neste sentido, a atual ministra do trabalho, Ana Mendes Godinho, garantiu, em 2021, a corrente preparação de um plano de ação no sentido da promoção do envelhecimento ativo e saudável, o qual prevê um investimento de mais de 400 milhões de euros em requalificação e equipamento.

A solução desta expressiva crise demográfica poderá ser ainda acalentada por via dos processos migratórios ou pelo aumento da taxa de natalidade. Embora os portugueses expressem ainda vontade em ter mais filhos, os custos que lhes estão associados debilitam esse sonho, sendo que este apenas será possível se forem criados mecanismos que os suportem, seja por meio de subsídios, da criação de estruturas institucionais que garantam os seus cuidados durante o período de labor, ou até pela própria adaptação dos horários de trabalho.

Envelhecimento demográfico e despovoação

O século XX foi revolucionário em vários sentidos e o universo português não foi exceção, já que beneficiou de significativos progressos nas áreas da tecnologia e medicina, bem como de evidentes alterações no regime político vigente, adotando uma visão política democrática como alternativa ao regime ditatorial que vigorou até 1974. Estes fenómenos promoveram a duplicação da esperança média de vida, aliada à redução da taxa de mortalidade infantil.

Em simultâneo, difundiam-se os meios contracetivos, que garantiam à mulher a capacidade de escolha, a qual também se vincou com a sua entrada no mercado de trabalho. Com a impossibilidade de conciliar as horas de trabalho com o cuidado aos filhos, o aumento do custo que cada filho implicava e dada a inexistência de mecanismos no estado que auxiliassem nesse sentido, dá-se um intenso decréscimo da taxa de fecundidade e natalidade. A melhoria das condições de vida e o aumento da educação fazem com que as famílias prefiram ter menos filhos, garantindo-lhes, contudo, vidas melhores. Logo, as famílias passam a ter, em média, entre um e dois filhos por agregado,o que se torna insuficiente para a substituição de gerações.

Em linha com o envelhecimento do país, dá-se o despovoamento das regiões do interior. Encontrando nas zonas costeiras melhores condições de vida, aliadas a rendimentos superiores, os jovens partem, deixando para trás aldeias praticamente desertas, em que habitam apenas os velhos, incapazes de manter a sua atividade social e económica. Num incessante fechar de portas que se traduz na redução de oportunidades que nestas regiões se fazem surgir, bem como na redução da atividade quotidiana e social, as zonas interiores revelam-se cada vez mais destinadas à ruína e ao abandono, tal como os seus velhos, que, Eugénia da Graça refere, em entrevista para o documentário Nós portugueses: Nascer para não morrer, que “a gente é o soldado da nossa terra”.

Segundo os valores apontados pelo INE tanto nos censos de 2001 como nos de 2011, o Alentejo apresenta-se como a região mais envelhecida, apresentando ainda, em 2019, um índice de envelhecimento de 204,6 %. Relativamente à densidade populacional, o território assume apenas uma média de 22 indivíduos por km2, sendo, por isso, a região portuguesa de NUTS II em que a despovoação mais se faz sentir.

Há um duplo envelhecimento da população: o número de idosos aumenta ou o número de jovens diminui e assiste-se uma inércia demográfica no que respeita à população ativa.

Também na região norte se verifica um intenso grau de envelhecimento. Projeções demográficas realizadas em 2017 pelo mesmo sistema verificam uma tendência para que, no decorrer dos anos, esta última região seja a principal responsável pelo declínio da população residente e agravamento do envelhecimento demográfico, assumindo ainda, por volta de 2033, a região NUTS II mais envelhecida do contexto português.

Pandemia e a problemática dos lares ilegais

A pandemia veio também desvendar as já conhecidas dificuldades enfrentadas por estes cidadãos ao nível económico, na medida em que os apoios estatais nem sempre lhes são suficientes para lhes assegurar aquecimento em casa, refeições condignas ou mesmo medicação, garantindo-lhes uma posição central pelo elevado índice de pobreza que apresentam. O INE (Instituto Nacional de Estatística) descreveu, em fevereiro de 2021, no seu relatório provisório de Dados de Rendimento e Condições de Vida, um elevado risco de pobreza associado à presença de alguma limitação na realização de atividades, onde se enquadra também a população idosa.

O efeito da pobreza nas famílias portuguesas e a ineficácia do Estado em colmatar estas dificuldades são fatores cruciais para que estas, na impossibilidade de perder a sua fonte de rendimento para cuidar dos seus velhos e na inexequibilidade de cumprimento com os preçários indicados pelos lares privados, recorram a cuidadores informais, um serviço afetado diretamente pelo confinamento, e a lares ilegais.

A crise sanitária veio também deixar ao descoberto o denso conjunto de lares ilegais que se espalham pelo país, em que inúmeros idosos são encarados como um negócio e padecem à luz da ineficácia desses serviços em garantir-lhes uma vida digna e segura.

Os lares ilegais constituem cerca do dobro dos lares privados e, por apresentarem valores com os quais estes não conseguem competir, acumulam um conjunto de usuários que tratam pobremente. A Segurança Social emitiu o fecho de 109 estruturas residenciais ilegais, denotando os cenários perturbadores de fome, agressão e negligência em que estes cidadãos eram forçados a viver. Destaca-se, contudo, a pobre fiscalização que está associada ao serviço, já que estes lares recebem multas notavelmente inferiores aos valores recebidos mensalmente para o cuidado dos seus residentes. Existem, ainda, falhas apresentadas pelos sistemas estatais em verificar e acompanhar o seu encerramento, garantindo que este se efetiva e que no dia seguinte não estará aberto novamente, no mesmo local ou a poucos quilómetros, sobre um outro nome, perpetuando as falhas sistémicas e sistemáticas que se evidenciaram e que descrevem claras violações aos direitos humanos, como tem vindo a acontecer.

Integrar o cidadão idoso é um tema essencial, particularmente em sociedades envelhecidas, como é o caso da portuguesa, na medida em que lhe garante os seus direitos humanos fundamentais e, por isso, já várias cidades dedicam projetos à companhia ao idoso, como é o caso do projeto de voluntariado universitário VO.U Acompanhar, que atua no sentido da promoção da dignidade e segurança na vida do idoso, promovendo ainda a responsabilidade e solidariedade social.

O Livro Verde sobre o Envelhecimento revela-nos uma vez mais a importância de questões como a segurança e interação social, essenciais na satisfação das necessidades sociais e emocionais dos idosos, e que, portanto, não devem ser negligenciadas. Neste sentido ressalta-se a urgência na implementação de políticas de ação social no sentido de garantir que estas sejam cumpridas, nomeadamente por meio do “investimento nas competências digitais, no desenvolvimento da comunidade e na coesão intergeracional”. Na sequência deste ponto, verificam-se também ações no sentido da promoção da habitação intergeracional, como é o caso do programa Aconchego, que resulta de uma parceria entre a Câmara Municipal do Porto e a Federação Académica do Porto.

A pandemia resultante da rápida disseminação do Sars-cov-2, para além de desvendar e impulsionar as desigualdades sociais, limitou também a implementação e atuação de políticas sociais que combatem a solidão, pobreza e desigualdade sentidas pela população idosa portuguesa, como nos refere João Teixeira Lopes, sociólogo português. O autor recorda, contudo, o impacto positivo da ativação de redes de solidariedade, que emergiu também em período de crise sanitária. Assim, a solução para esta problemática e a garantia de que os idosos portugueses possam, em Portugal, assumir uma vida digna e segura passa não só por medidas estatais e reforço hospitalar, mas principalmente pela difusão de políticas de solidariedade, educação e requalificação.

Texto de Carina Seabra. Editado por Laís França.