24.5.21

Número de sem-abrigo terá subido com a pandemia, mas ninguém sabe quanto: só 12% dos concelhos têm dados atualizados

Tiago Soares, in Expresso

Relatório da Provedoria da Justiça elogia o trabalho do Governo e das organizações sociais no terreno, dando nota positiva ao tratamento das pessoas em condição de sem-abrigo durante a crise sanitária. Todavia, regista uma falha: para melhorar a prevenção e o apoio social, o Estado precisa de recolher mais dados sobre a realidade dos sem abrigo - e organizar melhor essa informação

Aatenção dada à realidade dos sem-abrigo em Portugal tem vindo a ser “progressivamente alterada” para melhor nos últimos anos, em linha com o que tem acontecido noutros países europeus. A conclusão é de um relatório levado a cabo pela Provedoria de Justiça sobre o impacto da pandemia nestes cidadãos, que aponta a criação da Estratégia Nacional para a Integração de Pessoas em situação de Sem Abrigo (ENIPSSA), em 2009, como um passo importante nessa mudança.

Ainda assim, a Provedoria de Justiça sublinha que o país ainda tem um longo caminho a fazer no que toca à recolha e organização de dados sobre os sem abrigo: quase todas as entidades questionadas no âmbito do relatório disseram não ter dados atualizados sobre o número de sem abrigo. "Por um lado, como resulta das informações obtidas através dos inquéritos levados a cabo pela ENIPSSA, apenas 12% dos concelhos usavam um software destinado à recolha de informação específica sobre pessoas em situação de sem-abrigo, sendo os sistemas locais de armazenamento de dados muito distintos entre si.” Esta falta de organização estatal pode ter consequências, alerta o relatório, pois “aumenta o risco de os números disponíveis apenas revelarem uma parte do problema.”

Por isso, a Provedoria de Justiça diz ser necessário uma base de dados a nível nacional “que permita centralizar toda a informação, e assim garantir uma medição rigorosa do fenómeno, e a definição de uma estratégia eficaz.”

Os números existentes dizem respeito ao final de 2019: nessa altura, havia 7107 pessoas no território nacional “sem casa” ou “sem teto”, mais 1063 do que no mesmo período de 2018. Em 2019, estes eram os concelhos com mais população sem abrigo: Lisboa (3145), Porto (592), e Coimbra (433) - sendo que este último concelho viu o número de pessoas nessa situação mais do que duplicar entre um ano e o outro.

Lamentando não haver mais dados gerais disponíveis, a Provedoria de Justiça conclui isto: devido à crise sanitária, “ter-se-á assistido ao aumento do número de pessoas em situação de sem-abrigo resultante, à partida, do facto de os novos sem-abrigo já se encontrarem, à data da declaração do Estado de Emergência, em situações precárias”.

Dos Núcleos de Planeamento e Intervenção Sem-Abrigo (NPISA) das Área Metropolitanas de Lisboa e Porto, onde estão a maioria dos sem abrigo, só em quatro é que não existiram vagas de acolhimento de emergência: Amadora, Barreiro, Matosinhos, e Vila Nova de Gaia. No total, pelo menos 12 destes núcleos reforçaram o apoio alimentar, e nove expandiram o acesso a cuidados de higiene.
CONTINUIDADE E SAÚDE MENTAL

No geral, as estruturas - do Estado e não só - responsáveis por acompanhar estas pessoas reagiram bem à pandemia: “A atividade das instituições dedicadas ao acompanhamento das pessoas em situação de sem-abrigo foi ajustada à nova realidade e às medidas preventivas e protetoras que se impunham, mesmo antes de ser decretado o Estado de Emergência”, analisa a Provedoria de Justiça.

Esse trabalho do Governo já tinha sido reforçado antes do vírus, no sentido de “reforçar a capacidade de resposta das instituições que atuam no terreno”, e essas instituições têm conseguido dar-lhe forma nos últimos meses - por exemplo, ao nível do tratamento de dependências, cujas equipas de rua tiveram um reforço “muito positivo” e conseguiram, “mesmo em tempos de maiores restrições”, continuar a assegurar o apoio necessário a esta população.

O diagnóstico também é positivo nas áreas da saúde e da saúde mental: “Os cuidados de saúde continuaram a ser assegurados, incluindo os de saúde mental. Foram reforçadas as visitas das equipas multidisciplinares aos locais onde as pessoas se encontravam – incluindo nos centros de acolhimento de emergência ou equipamentos equiparados que foram instalados por causa da pandemia”, assinala o documento. Ainda assim, a Provedoria de Justiça deixa algumas recomendações para o futuro: mais e melhor recolha de informação, sim, mas também mais oportunidades de formação e emprego, um acesso mais flexível a cuidados de saúde, e uma maior aposta na prevenção dos casos.