24.5.21

O fim do Portugal dos velhos pobres e desesperançados

Graça Freitas, opinião, RR

Hoje, a crise é ainda maior mas o eco entre os jovens fez-se ouvir. Muitos, em todo o mundo, não estão dispostos a deixar que lhes roubem mais nada. Já lhes roubaram a estabilidade no trabalho e a capacidade de constituir família ao serem forçados ao penoso regresso a casa dos pais. Roubaram-lhe os sonhos, mas não a esperança.

Não deixem que vos roubem a esperança. Nunca vos deixeis vencer pelo desânimo. Não sejais nunca “homens e mulheres tristes”. Estas três advertências fê-las Francisco no domingo de Ramos de 2013 em pleno pico da crise económica. O Papa falava aos jovens a quem recordou como o encontro com Cristo despertou muitas esperanças, aos mais humildes, simples e ignorados do seu tempo. Jesus compreendeu a sua miséria e virou-se para eles, “para lhes curar o corpo e a alma”.

Os jovens cuja juventude ameaça ser passada entre crises talvez não tivessem ainda idade para o ouvir, mas não deixaram de responder aos múltiplos repiques do apelo, feito nestes últimos anos, de um papado marcado pela denúncia do desperdício a que os países e consumidores mais ricos votaram a casa “Comum” da humanidade.

Foram muitos os que aderiram à rede da Economia de Francisco. À agenda das universidades aliaram-se muitas preocupações ecológicas de modo a procurar novas formas de vida e novos modelos de desenvolvimento sustentável, contra o mundo do descarte permanente. O modelo reinante, afogado na ânsia do lucro fácil e da insatisfação permanente egoísta e anti-ética.

Os testemunhos de alguns dos que responderam presente à chamada papal ouviu-se, esta quarta–feira, num Webinar onde, ao contrário da generalidade destes eventos, cada minuto valeu a pena.

Passaram oito anos do apelo de Francisco em Roma, naquele 24 de março. Hoje, a crise é ainda maior mas o eco entre os jovens fez-se ouvir. Muitos, em todo o mundo, não estão dispostos a deixar que lhes roubem mais nada. Já lhes roubaram a estabilidade no trabalho e a capacidade de constituir família ao serem forçados ao penoso regresso a casa dos pais. Roubaram-lhe os sonhos, mas não a esperança.

A tal, de que falava, também esta semana, o cardeal Tolentino na sua homilia de 12 de maio. Uma esperança que radica no encontro com Cristo. Um encontro na origem da alegria cristã que há quase uma década Francisco dizia ser a causa primeira dos que se sabem filhos do mesmo Pai criador, habitantes da casa comum, portadores do dom da gratuitidade, numa sociedade esquecida do bem comum e que substituiu a fraternidade pela competitividade.

Uma esperança a que o poeta deu conteúdo. Que exige meter a mão na massa da transformação deste mundo a afundar-se nos mecanismos de uma “economia que mata”. Economia esquecida dessa fraternidade, elo que torna o homem igual na sua dignidade única (e primeira!) e no direito à partilha intergeracional dos recursos colocados ao dispor de todos. Todos Iguais no dever de se sentirem responsáveis pela felicidade dos outros e no direito a disfrutar da própria felicidade. Uma medida de desenvolvimento mais difícil de quantificar que o mero crescimento.

O cardeal Tolentino é daqueles raros exemplos de intelectual que toca por igual crentes e não crentes, simples e eruditos, ricos ou pobres. Partilha com Francisco a ambição da mudança. Não reduz o cristianismo a uma ideologia, a uma filosofia, nem a Igreja a uma ONG bem intencionada ou a uma espécie de terceira via unificadora da humanidade. Como o Papa, acredita que a Boa Nova começa no encontro com a Pessoa de Cristo para se prolongar na pessoa dos irmãos. Um encontro de hoje.

Francisco é também um Papa resistente e que não desiste de exigir frutos concretos do Cristianismo. Por isso assumiu com coragem a liderança das questões ecológicas, começando na proposta da ecologia humana e acabando a dar, como nunca, força de prioridade teológica à sustentabilidade ambiental.

Resulta daí o desafio lançado a crentes e descrentes, sobretudo às novas gerações, para recusarem inevitabilidades e, em conjunto com a academia, procurarem novos modelos de desenvolvimento sustentável. Eis que eles aí estão a desabrochar e a fazer caminho. Traduzindo-se já em novos estilos de vida onde a união à natureza prevalece e o minimalismo consumista se impõe.

Na iniciativa desta semana, resultante da parceria da Rede Europeia Anti-Pobreza e do movimento Economia de Francisco Portugal (o ramo nacional de um movimento católico nascido em Assis) saíram muitos focos de luz e uma esperança enorme numa geração capaz de fazer sem cismas-grisalhos a ponte entre as velhas e as novas teorias. Académicos e alunos de todo o mundo fizeram o diagnóstico das políticas económicas anti-pobreza e dos modelos económicos que melhor funcionam fora da caixa do lucro-pelo lucro dos velhos modelos liberais. A prova disso foi o que se ouviu, também em Portugal, esta quarta-feira no Webinar sobre a pobreza e a desigualdade.

Com o mundo em pandemia e a crise social a ameaçar todo o planeta, o cardeal Tolentino Mendonça, inspirador de muitos da nova geração de católicos e homens de boa vontade, unidos na mesma luta cidadã, voltou a colocar o tema da esperança no centro das comemorações do 13 de maio.

O poeta português exigiu que essa esperança não fosse uma meta teórica nem um conceito místico, mas uma exigência concreta que terminasse na construção de um mundo mais fraterno.

Dados estatísticos mostram uma realidade pesada contra a qual os políticos lutam há dezenas de anos com sucessos sempre provisórios e muito limitados. A quebra do elevador social, que o sistema de ensino deixou de patrocinar, vem-se acentuando nos últimos anos.

Quando escasseia o bom senso na elite dificilmente o povo tem razões de esperança. Neste caso, essas razões são repostas pela geração mais preparada de sempre. Venha ela. Aposte-se nela. E não se deixem fugir de novo, se quisermos deixar de ser um país de pobres e velhos desesperançados. É uma questão de vida ou de morte para um país que, este ano, atingiu o maior saldo natural negativo em termos demográficos de que há memória recente.