Rui Pedro Paiva, in Público on-line
Só do Quadro Financeiro Plurianual, a União Europeia (UE) tem mais de 330 mil milhões de euros para a coesão. Os eurodeputados reconhecem o investimento, mas dizem que há muito para fazer – em Portugal e na UE.
Nos últimos tempos, o termo coesão passou a ser um dos mais evocados no discurso político, defendido como uma necessidade por praticamente todos os atores políticos. Uma coesão que se estende a várias áreas: a coesão económica, a social e a territorial. No fundo, trata-se de promover a igualdade.
Se a coesão sempre foi um dos desígnios da União Europeia (UE), tal torna-se ainda mais urgente num tempo de profunda crise como o actual. Para o período 2021-27, o Quadro Financeiro Plurianual (QFP) dedica mais de 330 mil milhões de euros à coesão, divididos por três fundos: o fundo de coesão, o fundo social europeu e o fundo europeu de desenvolvimento rural. A estes, soma-se ainda o programa React EU, integrado do Next Generation (dedicado à recuperação da Europa no pós-pandemia), no valor de 47,5 mil milhões.
“A coesão tem estado em todos os discursos e tratados e também tem estado nos Orçamentos, é verdade. Por isso, podíamos dizer que então está tudo bem. O problema é que não está”, começa por dizer ao PÚBLICO Álvaro Amaro, deputado no Parlamento Europeu (PE) eleito pelo PSD.
Para o social-democrata, se é certo que a União tem “feito bastante” pelas políticas de coesão, também é igualmente correcto destacar que “há ainda muito para fazer”. “A política de coesão não tem alcançado os resultados que todos gostaríamos. Não tem. Eu tenho expectativa até final de Junho, porque a Comissão Europeia disse que iria apresentar uma estratégia europeia para as áreas rurais”.
No entender de Álvaro Amaro, o desenvolvimento rural é uma das áreas-chave para promover a coesão, uma vez que é preciso fixar jovens “nos dois terços do território” que “estão a ficar sem gente”. É que, caso isso não aconteça, além de ser “uma brutal injustiça” para uma parte da população, “não haverá dinheiro que chegue para os investimentos necessários” nas áreas metropolitanas.
“A verdadeira coesão territorial devia-se fazer de uma maneira inteiramente integrada. Pensar na agricultura como componente importante, mas também apostar nas infra-estruturas e na captação de investimentos para as regiões de mais baixa densidade”, afirma o deputado que integra a comissão de desenvolvimento rural do PE, pedindo uma “verdadeira política para as cidades médias” nacionais. Uma política de coesão firmada num pacto de regime. “Que possamos erguer esse pacto, este acordo, de todos os partidos políticos. É um desígnio nacional”.
Para Margarida Marques, eurodeputada do PS, os valores comunitários dedicados à coesão “são sempre insuficientes” face aos desafios da Europa, mas é “evidente” que os valores do QFP para a coesão são “significativos”. “É importante, em primeiro lugar, considerar que estamos perante uma nova geração de políticas de coesão. Uma geração que introduz dimensões como, por exemplo, o combate às alterações climáticas, a transição digital ou a coesão social”, diz a socialista.
Se o combate às alterações climáticas já é transversal às políticas da UE, o principal critério para os apoios à coesão continua a ser o PIB per capita. Na última revisão, a UE adicionou outros critérios para a atribuição dos fundos de coesão, como a taxa de desemprego jovem, os níveis de escolaridade, o impacto das alterações climáticas (para regiões mais afectadas pelas mudanças do clima ou zonas ainda dependentes de indústrias fósseis) e a influência no acolhimento e integração de migrantes.
A Bulgária é o país com o PIB por habitante mais baixo da UE, seguida da Croácia e da Roménia. Numa União a 27, Portugal está em sétimo lugar na lista dos países com o PIB mais baixo em relação à população. Em termos de escolaridade, Portugal é mesmo o país da União Europeia onde existe um maior número da população sem o ensino secundário: 48,3%, enquanto a média comunitária é 21,4% – dados de 2019, ainda com o Reino Unido.
Na taxa de desemprego jovem, Portugal já não está nos cinco países com a taxa mais alta da UE (18,3%), está em sexto, num ranking liderado pela Espanha (35,2%), seguida da Grécia (32,5%). “Em matéria de coesão, não basta que haja orientações por parte do Parlamento Europeu, do Conselho, da Comissão Europeia. É necessário que essas orientações políticas sejam transformadas em projectos que são prioritários para cada um dos países”, defende Margarida Marques.
Para a socialista, o que “está a ser feito” a nível europeu “revela a ambição” da União, realçando que os apoios “não se esgotam” nos fundos dedicados à coesão. Isto porque existe uma série de outros programas – desde InvestEU, ao Horizonte Europa ou até o próprio Erasmus – que “contribuem para uma aposta nas políticas de coesão”.
“Eu gosto mais de falar de políticas de coesão do que em fundos. Porque é nas políticas que está a mudança”, afirma a eurodeputada, referindo que são os “projectos concretos que fixam pessoas numa região”. E existem exemplos desses no território português, como os projectos de inovação em universidades do interior alicerçados em redes europeias ou a ampliação da central hidroeléctrica da Calheta, na Madeira.
“A resposta que a UE deu a esta crise revela bem a diferença relativamente à resposta a crise de 2011. Isso revela uma ambição política da União, revela a necessidade de relançar as economias europeias para que possam ser mais competitivas e mais resilientes”, defende a anterior secretária de Estado dos Assuntos Europeus no primeiro governo de António Costa.
Nuno Melo, eurodeputado do CDS-PP, também destaca o esforço da UE no investimento nas políticas de coesão, mas ressalva que, mais do que haver dinheiro europeu, é preciso que os governos nacionais saibam aplicá-lo. “A UE está a fazer muito, porque estamos a falar de um esforço financeiro num momento muito difícil, porque coincide, por um lado com o Brexit, que fragiliza, enquanto bloco, a União, e com uma crise pandémica que certamente inibe o crescimento económico”, afirma.
Ainda assim, está em falta uma estratégia global para promover a coesão, defende o centrista, porque se por um lado existem fundos dedicados à coesão que “ajudam corrigir as assimetrias”, existem outros programas europeus que “subtraem” à coesão, como a Política Agrícola Comum, “um dos grandes sucessos” da UE, mas que beneficia os maiores países no “critério de atribuição de fundos por hectares”.
E, além de uma estratégia para uma Europa mais coesa, é preciso que cada país faça a sua parte para garantir a igualdade entre regiões. “Nós temos uma coesão que é pensada de Portugal em relação à Europa, mas nós temos de pensar em Portugal, nas regiões do interior e ilhas em relação ao litoral – e é isso que eu acho que está por fazer”.
Nuno Melo frisa que “algo está a funcionar mal” quando Portugal “investe há muitos anos milhões dedicados à coesão”, mas continua com um “atraso muito relevante” em relação à média europeia. Em Portugal há muito para fazer, atira Nuno Melo, dando o exemplo da política. “O interior não tem voz política”, diz, referindo que a maioria dos deputados na Assembleia da República são eleitos pelo litoral.
O eurodeputado diz ainda não ser possível promover a coesão quando são encerrados “serviços públicos, tribunais, transportes públicos e linhas de comboio” no interior do país ou quando não se presta “atenção a todo um modo de vida do interior”. “Mais do que discursos redondos, bonitos, com os temas da moda, a digitalização e a ecologia e não sei quê, importa-me dar respostas concretas a pessoas concretas que vivem nestas regiões”, atira.
Com os milhões que aí vêem da UE, seja no âmbito do QFP, seja no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência, os próximos anos serão uma “oportunidade histórica” para a Europa e Portugal tornarem-se mais coesos, defende Nuno Melo. “A União está a fazer muito, eu espero agora que os Estados sejam capazes de traduzir este dinheiro, estas oportunidades, em desenvolvimento e que de uma vez por todas, e esta pode ser a última oportunidade, Portugal mude de paradigma”.
O presente e o futuro do projecto europeu, à luz dos grandes desafios que a União enfrenta. E o lugar de Portugal e dos portugueses nos destinos de uma Europa a 27.