Carlos Dias e Helena Pereira, in Público on-line
Bastonário da Ordem dos Advogados fala em violação dos direitos humanos na requisição civil do Zmar. Pousada da juventude de Almograve, residência de estudantes de Odemira e a FACECO (Feira das Actividades Culturais e Económicas) podem ser suficientes para todos os casos activos de covid-19 e quarentenas
A requisição do empreendimento Zmar - Eco Camping Resort, aprovada no último Conselho de Ministros para acolher pessoas em isolamento profiláctico, indicia, segundo a Constituição da República portuguesa, “um caso de violação dos direitos humanos”. Quem o diz é Luís Menezes Leitão, bastonário da Ordem dos Advogados, que esteve esta segunda à tarde em Odemira. O bastonário sublinhou que, como o país já não se encontra em estado de emergência, a requisição das instalações do empreendimento turístico “só poderia ter sido feita com um mandado judicial”, o que não aconteceu.
Por outro lado, disse não acreditar que os proprietários de habitações do Zmar, a Multiparques a Céu Aberto, aceitem abandonar o espaço de que são proprietários. “Ninguém pode entrar num domicílio privado” sem estar devidamente autorizado pelas instâncias judiciais – estamos perante habitação própria e permanente”, acentua o bastonário. E, nestas condições, não se compreenderia como é que os proprietários de casas do Zmar “poderiam ser colocados na rua para instalar estranhos, que usariam os seus móveis e outros pertences”. Ora isto pode ser entendido como uma situação que “coloca em causa a vida privada”, acrescenta Menezes Leitão.
Também Nuno Silva Vieira, advogado dos proprietários de habitações no empreendimento Zmar, se insurge contra o modo como o Governo avançou para a requisição das instalações para alojar quem estiver em isolamento profiláctico ou sem condições de habitabilidade.
“O Governo diz que convocou o Zmar" para discutir a possibilidade de alojamento de infectados com a Covid-19 “mas não chegou a acordo” com os proprietários, forçando assim a requisição das instalações. Silva Vieira garante que o Governo “nunca conversou connosco” sobre esta questão. Deixa ainda, como hipótese, que alguém do Zmar tenha sido contactado. “Mas se aconteceu, desconheço”, afirma.
O complexo turístico do Zmar ocupa uma área de 81 hectares e inclui um eco-hotel com tipologias T1 a T3, com 170 habitações privadas e 100 com fins turísticos.
Neste momento, no Zmar, só estão alojados proprietários de habitações, refere o advogado, alertando para as consequências resultantes da requisição que surge 15 dias depois da assembleia de credores ter acordado, no Tribunal Judicial de Odemira, um plano de insolvência da empresa, tendo sido também foi deliberada a manutenção da actividade da empresa, que neste momento tem cerca de 100 trabalhadores. O pedido de insolvência teve como requerente a sociedade Ares Lusitani - Stc, S.A., que tem uma participação de 56,6% na empresa. A Zmar tem cerca de 420 credores (entre os quais, o Estado), que reclamam créditos num valor superior a 40 milhões de euros.
Segundo o bastonário da Ordem dos Advogados, que se reuniu com o presidente da câmara local, José Alberto Guerreiro, o autarca garantiu que “está a fazer tudo para evitar a ocupação do Zmar” para o transformar num centro de acolhimento de imigrantes sem abrigo ou em regime de quarentena. De acordos com dados do Governo, existem cerca de 80 casos activos em Odemira e aproximadamente 200 casos acumulados nos últimos 14 dias.
A pousada da juventude de Almograve tem capacidade para receber 55 pessoas infectadas, a residência de estudantes de Odemira a capacidade para receber cerca de 40 pessoas em quarentena e existem ainda as instalações da FACECO (Feira das Actividades Culturais e Económicas do Concelho de Odemira), em São Teotónio, que pode vir a receber infectados e pessoas em quarentena. Este espaço, que se situa na freguesia que tem 90% dos casos de covid, já serviu como pavilhão de vacinação.
Menezes Leitão disse ao PÚBLICO que, apesar da requisição decretada pelo Governo, “os interesses dos trabalhadores têm de ser acautelados” mas “sem colocar em causa os interesses dos proprietários de habitações do Zmar”, alegando que seria um “erro colocarmo-nos uns contra os outros”.
A opção do Governo pelo complexo turístico instalado na freguesia da Longueira, uma das que está em cerca sanitária, terá à partida colocado de parte a possibilidade das pessoas com problemas habitacionais ou a quem é imposta a quarentena, poderem ser deslocadas para a Base Aérea nº 11 em Beja, onde está montado um centro de acolhimento com capacidade para 60 pessoas, mas que, neste momento, segundo as informações prestadas ao PÚBLICO pelo Gabinete de Relações Públicas da Força Aérea, “está sem ninguém”. Informações recolhidas pelo PÚBLICO indicam que alguns destes trabalhadores sazonais de Odemira infectados com covid-19 já estiveram na Base do Alfeite, estando actualmente lá quatro.
Até ao final do dia de ontem, “ninguém foi transferido” para o Zmar em Odemira, confirmou ao PÚBLICO Nuno Silva Vieira, advogado dos proprietários de habitações no empreendimento turístico.
O que se sabe, e com base na informação prestada à Lusa pelo autarca de Odemira, estima-se que “no mínimo seis mil” dos 13 mil trabalhadores agrícolas do concelho, permanentes e temporários, “não têm condições de habitabilidade”.