Clara Viana, in Publico on-line
Das cerca de 2000 queixas apresentadas à CICDR entre 2017 e 2021, resultaram apenas 30 decisões condenatórias por parte deste organismo.
A presidente da Casa do Brasil, Cyntia de Paula, lamenta que existam ainda “muito poucas respostas efectivas” às queixas de xenofobia, que passaram agora a ser lideradas por cidadãos brasileiros. É aliás o que mostra o histórico de acção da Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR): das cerca de 2000 queixas apresentadas entre 2017 e 2021, resultaram apenas 30 decisões condenatórias por parte deste organismo, das quais 21 na forma de coimas e nove admoestações.
As coimas podem variar entre 438,81 e 4388,10 euros. A mais pesada aplicada até agora somou 3370 euros e foi motivada, segundo a descrição feita pela CICDR, por uma “publicação numa rede social em que é publicamente imputada a prática de ilícitos criminais a pessoas da comunidade cigana, desconhecendo-se se tais ilícitos foram efectivamente praticados por pessoas daquela etnia, fomentando a discriminação racial e étnica e contribuindo de forma inequívoca para o reforço de estereótipos e preconceitos sobre a comunidade cigana, consubstanciando uma prática discriminatória em razão da origem étnica, na forma de assédio”.
Por se tratar de uma “pessoa singular”, o autor desta publicação não aparece identificado, já que a CICDR só é obrigada por lei a identificar as empresas ou outras pessoas colectivas que tenham sido penalizadas. Entre as 30 decisões condenatórias proferidas pela comissão, apenas duas estão nesta categoria.
As decisões condenatórias são decididas pela comissão permanente da CICDR, que é constituída por três membros, entre eles a presidente do Alto Comissariado paras Migrações, organismo a quem compete a instrução dos processos de contra-ordenação abertos pela comissão. Saliente-se ainda que muitas das queixas apresentadas à CICDR são encaminhas por esta para outras entidades, por não se encontrarem no âmbito das suas competências. Foi o que sucedeu com 43,9% das 408 queixas apresentadas em 2021.
A “falta de eficácia” nas respostas aos actos de discriminação contrasta com o que se passa a montante: “Há cada vez mais informação sobre como identificar e denunciar essas situações”, aponta a presidente da Casa do Brasil, frisando que este é um factor que tem contribuído para que “as denúncias sejam feitas”, nomeadamente por cidadãos brasileiros.
Dados da CICDR, divulgados nesta quarta-feira, dão conta de que os imigrantes oriundos do Brasil lideraram as queixas contra actos de discriminação que deram entrada em 2021. Já tinha acontecido o mesmo no ano anterior. Com esta evolução, o motivo “nacionalidade” passou à frente das que até então tinham sido os principais factores na origem das queixas à CICDR: a “cor da pele” e a “origem racial e étnica”. Mais concretamente, segundo explicita a comissão no seu relatório relativo a 2021, “a expressão que mais se destacou, enquanto fundamento na origem da discriminação, foi a ‘nacionalidade brasileira’ (26,7%), seguindo-se a pertença à ‘etnia cigana’ (16,4%) e a ‘cor da pele negra’ (15,9%)”.
Cyntia de Paula conhece esta experiência ao vivo. Ainda recentemente foi confrontada com imagens suas publicadas numa “página, com discurso de ódio, que estava em várias redes sociais”: “Além da abordagem xenófoba que a página fazia, havia centenas de comentários xenófobos e machistas, muitos centrados no facto de ser mulher e de nacionalidade brasileira.”
“Existem discriminações específicas pelo facto de se ser mulher e brasileira” que podem criar situações “ainda piores” do que as experienciadas por outros grupos, explicita a dirigente associativa: “Ainda é muito presente a ideia do corpo colonial, onde também está a mulher brasileira. Há um imaginário de um corpo sexualizado, disponível, que está na base de muitas das situações de discriminação. Por exemplo, ainda é comum senhorios dizerem abertamente que não alugam casas a brasileiras ou ouvirmos que viemos roubar os maridos.”