30.8.22

Subida da electricidade calculada pelo INE contrasta com informação da ERSE

Ana Brito, in Público on-line

O Instituto Nacional de Estatística (INE) e o regulador da energia aparentam ter leituras distintas sobre a evolução dos preços da electricidade, em Julho. O INE identificou um aumento de 10,3%, a ERSE diz que os tarifários baixaram.

À semelhança de outros países, os preços da energia têm sido um dos principais impulsionadores da aceleração da inflação em Portugal. No início do mês, o Instituto Nacional de Estatística (INE) veio confirmar que o preço da electricidade para as famílias portuguesas subiu 10,3% só em Julho e que esse foi um dos principais motivos que empurrou a taxa de inflação para máximos de 1992.

Contudo, Julho foi também o mês em que, segundo a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), “a maioria” das empresas que competem no mercado livre da energia baixou os seus tarifários, na sequência da revisão extraordinária das tarifas reguladas, o que parece sugerir que estas duas entidades têm leituras muito diferentes da evolução dos preços entre Junho e Julho.

A 1 de Julho, os preços regulados tiveram uma descida excepcional de 2,6% para os consumidores domésticos com a devolução antecipada de ganhos do sistema eléctrico, no valor de 998 milhões de euros. Esta descida dos preços regulados foi possível porque se baixaram as tarifas de acesso às redes – é da soma do custo das redes e do custo da energia que se calcula o grosso daquilo que os portugueses pagam ao final do mês, estejam no mercado regulado ou liberalizado.

Por isso é que em Junho, ao anunciar a descida para o mercado regulado em Julho (depois de um aumento em Maio), a ERSE dizia acreditar que também houvesse um efeito positivo para os clientes do mercado liberalizado, onde a empresa com maior quota de mercado é a EDP (73,2%), seguida com muita distância pela Endesa (9,5%), Galp (5,4%), Iberdrola (5,2%) e Goldenergy (4,4%).

Segundo o regulador, seria “possível com a redução substancial das tarifas de acesso às redes minorar os efeitos adversos da subida de preços no mercado grossista de electricidade” (ou seja, baixando-se uma componente, amortecia-se o impacto da outra).

O que o INE acabou por constatar foi uma subida de 10,3% na despesa das famílias com a electricidade, superando os aumentos de outros produtos cujos preços também têm vindo a agravar-se, como a alimentação e os combustíveis.

Em resposta ao PÚBLICO à questão sobre a origem do aumento detectado pelo INE, e sobre se teria a ver com uma actualização de tarifários pelos comercializadores em mercado livre de Junho para Julho, a ERSE demonstrou ter uma percepção diferente sobre a evolução do mercado retalhista: “A maioria dos comercializadores no mercado livre reduziu os seus tarifários entre Junho e Julho, dada a redução significativa das tarifas de acesso às redes ocorrida em Julho”, frisou a entidade liderada por Pedro Verdelho.

O PÚBLICO voltou a questionar a ERSE sobre a redução média de preços ocorrida de Junho para Julho, mas não foi possível obter resposta.
"Perfil de consumo representativo"

A ERSE baseia-se na informação sobre ofertas comerciais que os comercializadores de energia estão legalmente obrigados a enviar-lhe. Já o INE esclareceu por altura da publicação dos dados de Julho que o seu índice “é apurado com base num vasto conjunto de preços praticados por uma amostra das maiores empresas comercializadoras de electricidade, bem como informação disponibilizada pela ERSE”.

A recolha de preços deste cabaz “é efectuada na semana de referência do IPC [índice de preços no consumidor], a meio de cada mês, e são tidos em conta um conjunto de tarifários com características constantes ao longo do tempo”, acrescentou então o Instituto presidido por Francisco Lima, cujos dados sobre a evolução da inflação regem a forma como evoluem aspectos determinantes na vida dos cidadãos, como a actualização de pensões e rendas, entre muitos outros.

O INE reconheceu ainda que “houve uma redução de preços no mercado regulado [da electricidade]” e também que “foram registadas variações significativas de preços nos tarifários representados na amostra do IPC do mercado liberalizado”, que é “apurado com base num perfil de consumo representativo da população residente em Portugal, onde as componentes fixa e variável têm uma ponderação específica”.

Aliás, este é um “dado particularmente relevante no caso em que o preço da componente fixa diminui, enquanto a componente variável aumenta, e/ou vice-versa”, sublinhou o INE, que feitos os cálculos, concluiu ter havido uma subida de 10,3%.

Questionado posteriormente sobre a aparente contradição entre as suas conclusões e a declaração da ERSE, fonte oficial da autoridade estatística reiterou que foram identificadas “várias variações significativas de preços nos tarifários representados na amostra do IPC”, mas frisou que “não houve sempre descida de preço em todas as empresas, nem em todos os tarifários, nem nas duas componentes” do preço (fixa e variável).

Normalmente, diz-se que a energia é a componente variável da factura (e os preços nos mercados grossistas têm estado a subir desde o Verão passado) e que a potência contratada é o termo fixo. Trata-se de um valor fixo que se paga em função dos dias de consumo e que inclui a tarifa de acesso às redes (aprovada pela ERSE) e uma margem de comercialização que varia consoante o comercializador.

Destaca ainda o INE que “nem todas as empresas comercializadoras de electricidade têm idênticas quotas de mercado e, portanto, idêntico impacto no cálculo do IPC” (quanto maior for a quota de mercado de uma empresa, maior deverá ser a sua influência no resultado final).
Duas realidades diferentes

Em Abril, de acordo com os dados do INE, também se havia registado uma subida mensal expressiva dos preços da electricidade no sector residencial, de 11,8%. Mas, nessa altura, e ao contrário do que aconteceu agora, os preços no mercado regulado subiram 3%.

Ouvido pelo PÚBLICO, o analista de mercado de Energia e Sustentabilidade da Deco Proteste, Pedro Silva, manifestou estranheza pelo facto de existirem “duas entidades independentes, mas dentro da esfera pública, a darem dois retratos diferentes de uma mesma realidade que é o preço da electricidade”.

Dizendo acreditar que as duas entidades “estão a dizer verdade”, Pedro Silva diz que seria “importante” ver esclarecidos “os pressupostos que estão atrás de verdade que cada um afirma”.

O correcto, diz este especialista, seria que tivessem “a mesma metodologia” ou pelo menos que conhecessem as respectivas metodologias, para não “haver duas respostas diferentes”, sustentou.