Inês Teotónio Pereira, in Dinheiro Vivo
O primeiro ciclo é o da infância. Ninguém nasce preparado para levar um balde para praia que no final do dia teve como função principal servir para as crianças fazerem cocó. Ninguém tira 22 úteis de férias para acordar à mesma hora que nos outros dias do ano mas sem sítio para largar os filhos e ir trabalhar. Neste primeiro ciclo de férias de família os filhos são o próprio trabalho. A areia no carro, os cremes protetores, as idas aos parques, os gelados a derreterem, o calor, as sestas que nos cortam os dias, o cansaço que nos boicota as noites, as birras que nos afastam dos amigos.
Lembro-me de invejar furiosamente as pessoas que dormiam ou liam na praia enquanto eu estava de férias com os meus filhos. Automatizar a logística de uma ida à praia com três, quatro ou seis filhos pequenos devia fazer parte do currículo assim como o voluntariado já faz. Sim, no final são sempre tempos maravilhosos que guardamos na memória e no coração, mas alguém teve de se lembrar de levar um saco de plástico para forrar o dito balde ou o dia de praia teria sido um dia de terror. E isto são coisas que não aparecem nas fotografias.
Segundo ciclo: a pré-adolescência. É quando queremos que eles vão à vidinha deles mas eles não vão. Ficam colados a nós como as moscas moles de verão, infelizes, derrotados pela vida, revoltados porque ali, naquela praia paradisíaca, não há um sofá, Netflix, Wi-Fi, não está o melhor amigo e não querem conhecer mais ninguém, falar com pessoas novas que nós queremos que eles falem ou sair dali. "Olha ali aquele rapaz da tua idade, vai brincar com ele". Claro que não vai, nós também não íamos: não é por o rapaz ter a mesma idade que é brincável, mas nós queremos aquelas trombas longe dali, queremos férias. E é assim que eles passam os dias, naquele metro quadrado, colados a nós até os libertarmos das férias em família. Bem que os sacudimos, mas nada, sem o melhor amigo e fartos dos irmãos, nada os move.
O terceiro ciclo é o da juventude e é o segundo melhor ciclo de todos. Cada um para o seu lado que é como deve ser. Os pais fazem a sua vidinha e os filhos a deles; encontramo-nos em casa ao final do dia, conversamos ao jantar e avistamo-nos na praia. Livres uns dos outros porque férias é pão com pasta de atum, toalhas duras de tanto sal, jantares a horas indecentes sem cabeças contadas porque cabe sempre mais um, programas à última da hora e crianças a dormir pelos cantos porque de repente esquecemo-nos delas. Férias em família nestas idades? Não sei, já não tenho idade para descer a Costa.
Quarto ciclo: o ciclo sem filhos. Logo, é o melhor ciclo de todos. É o ciclo em que os filhos trabalham e também eles têm 22 dias úteis de férias. Ora, se tudo correr bem, em princípio estes filhos não deverão querer gastar esses 22 dias de férias com os pais - a menos que sofram de adolescência prolongada -, mas sim, a viajar por esse mundo fora durante o ano ou, lá está, a descer e a subir a Costa. Três dias de férias com os pais chegam e sobram. E assim, voltamos a ser só nós, apenas os pais, os amigos deles, livros, a praia, jantaradas, sem horas, sem destino, nem planos, sem compromissos. Não sei como será, não sei se chegarei lá, nem sei quanto tempo durará, mas todos os anos, no pico das férias em família, imagino com saudade como deverá ser.