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30.8.23

Inflação da maior economia europeia continua acima dos 6%

in Público


Alemanha deverá finalizar este mês com uma inflação de 6,1%, mantendo a pressão sobre a decisão que o Banco Central Europeu (BCE) terá de tomar em Setembro sobre os juros.

A taxa anual de inflação na Alemanha deverá fechar o mês de Agosto em 6,1%, previu esta quarta-feira o organismo estatístico oficial do país, o Destatis.

A confirmar-se, é um um alívio face ao Índice de Preços no Consumidor (IPC) registado em Julho, que terminou com uma taxa de 6,2%, e face a Junho (6,4%). A inflação subjacente, que exclui os preços dos alimentos não processados e a energia, foi de 5,5%, igual a Julho. Em Junho, foi de 5,8%.


No comunicado divulgado agora, o Destatis explica que “em Agosto de 2023, os preços dos produtos alimentares continuaram a registar um crescimento acima da média (+9,0%) em comparação com o mesmo mês do ano anterior”. Os preços da energia também subiram 8,3% no mesmo período face ao mês homólogo, mas o instituto alemão afirma que há que contabilizar na comparação o efeito de base: em Agosto de 2022, recorda, o governo federal da Alemanha implementou o terceiro plano de apoio à economia e aos consumidores.

Em termos comparáveis com o resto dos Estados-membros da União Europeia, a maior economia da região registou um Índice Harmonizado de Preços no Consumidor (IHPC), de 6,4% (mais 0,4% face a Julho), aliviando dos 6,5% registados em Julho. O Financial Times adianta que os economistas consultados pelo jornal previam uma descida maior, para 6,2%.


Espanha também publicou hoje a primeira estimativa de inflação para Agosto, de 2,6%, prevendo que o IHPC seja de 2,4%. Portugal tem prevista a sua divulgação para esta quinta-feira, último dia do mês.


[artigo disponível na íntegra apenas para assinantes]


3.8.23

Supermercado alemão quer cobrar aos clientes o “verdadeiro” custo ambiental

Reuters, in Público

Campanha testa consumidores para perceber se estão dispostos a pagar os custos climáticos, de saúde, do solo e da água. Um exemplo: 300 gramas de queijo aumenta de 2,49 euros para 4,84 euros.


Os compradores alemães, que desfrutam de alguns dos mantimentos mais baratos da Europa, estão a ser confrontados esta semana pelo supermercado de desconto Penny com a escolha por pagar mais por alguns itens para cobrir seu "custo real", numa iniciativa que quer aumentar a consciencialização sobre o preço ambiental da produção de alimentos.

Na maior economia da Europa, os alemães pagaram apenas 11,1% do seu orçamento familiar para a alimentação em 2022, em comparação com a percentagem média de 15,9% para a União Europeia no seu conjunto e 20,6% e 17,9% em Espanha e Itália, respectivamente, revelaram os dados do instituto federal de estatística.

Mas os seus alimentos baratos, frequentemente produzidos à escala industrial, têm um preço ambiental elevado. A agricultura alemã foi responsável por 55,5 milhões de toneladas métricas de emissões de gases com efeito de estufa no ano passado, cerca de 7,4% das emissões do país.

"Temos de enfrentar a mensagem desconfortável de que os preços dos nossos alimentos não reflectem os custos subsequentes que têm para o ambiente e para a sociedade", disse Stefan Goergens, membro do conselho de administração da Penny, à Reuters.


Durante a campanha "custo real", que decorre até sábado, os clientes das 2150 sucursais da Penny terão de pagar um preço por nove produtos, desde iogurtes a salsichas e schnitzel [um panado] vegan, que inclui os custos climáticos, de saúde, do solo e da água. Ser-lhes-á igualmente indicado o preço que pagariam normalmente.

Por exemplo, o preço de uma peça de queijo de 300 gramas aumentou de 2,49 euros para 4,84 euros.


A empresa disse que doaria qualquer rendimento extra a um projecto para ajudar a tornar a agricultura mais sustentável, mas também esperava um grande declínio nas vendas, uma vez que os consumidores lutam contra a inflação.

"Esperamos uma queda nas vendas na ordem de um dígito de milhão", admitiu Stefan Goergens.

O Ministério da Agricultura alemão, liderado pelos Verdes, tem insistido em medidas para reduzir a pegada de carbono do sector, incluindo a promoção de produtos regionais, a agricultura biológica e a exigência de rotulagem dos produtos de carne nos supermercados, de modo a indicar a forma como os animais são criados.

Em Fevereiro, outra cadeia alemã de supermercados de desconto, a Lidl, anunciou que, a partir de 2025, deixaria de vender carne barata que dependesse da criação de animais na mais baixa das quatro categorias de criação animal e aumentaria a quantidade de proteínas de origem vegetal que vende.

Segundo a empresa, cientistas da Universidade Técnica de Nuremberga e da Universidade de Greifswald vão estudar a reacção dos consumidores aos novos preços da Penny.

A inflação alemã está a diminuir, mas os preços dos alimentos continuam a ser 11% mais elevados do que há um ano, segundo dados preliminares do Instituto Federal de Estatística.


Em última análise, é provável que o clima extremo acarrete custos muito mais elevados, a menos que a Alemanha e outros países reduzam as emissões da agricultura e de outros sectores.


m estudo realizado em Março previa que as condições meteorológicas extremas poderiam custar à Alemanha até 900 mil milhões de euros em prejuízos económicos acumulados até meados do século.

De acordo com os dados fornecidos por Penny, os produtos biológicos têm um custo ambiental médio de 1,15 euros, enquanto os produtos não biológicos que recorrem a produtos químicos têm um custo ambiental médio de 1,57 euros. No entanto, não é claro se os consumidores estão dispostos a pagar mais para reduzir o seu impacto ambiental.

"Acho que é bom", disse o comprador Holger Meckel, numa loja em Frankfurt, sobre a campanha da Penny. "Tenho de ver como os produtos individuais se tornaram caros. Não tenho a certeza se a compraria. Depende."

[artigo disponível na íntegra só para assinantes aqui]



11.7.23

Come-se cada vez menos carne na Alemanha — ao contrário de Portugal

Bárbara Baltarejo, in Público

Os alemães estão a comer cada vez menos carne: 52 quilos por ano, o valor mais baixo de sempre. Já os portugueses estão a comer 118,5 quilos.

O consumo de carne atingiu um mínimo histórico na Alemanha. Os alemães estão a comer cada vez menos produtos com carne, das típicas salsichas grelhadas ao schnitzel, apontam os dados.


De acordo com o Ministério da Agricultura e da Alimentação, o consumo caiu para 52 quilos por pessoa no último ano, o valor mais baixo de sempre desde que os dados começaram a ser monitorizados, em 1989. Os dados do relatório preliminar apontam para uma redução no consumo de 4,2 quilos de carne, quando comparados os números de 2022 com os de 2021.


Que mudanças fizeram os alemães na sua alimentação? De acordo com os dados, cada alemão comeu menos 2,8 quilos de porco, 900 gramas de carne de vaca e vitela e menos 400 gramas de carne de aves. “Provavelmente, este declínio no consumo de carne é causado pela tendência contínua de adesão a dietas vegetarianas”, aponta o Ministério da Agricultura e da Alimentação.

Há apenas cinco anos, em 2017, o consumo por pessoa estava nos 61 quilogramas. Esta redução pode ser explicada por vários factores: o aumento do preço da carne devido à inflação, preocupações ambientais e a já referida adesão ao vegetarianismo. Estima-se que, actualmente, 10% da população alemã siga uma alimentação veggie quando, em 2018, era apenas 6%.


Em sentido contrário, em Portugal come-se cada vez mais carne. Os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) mostram que, em 2022, cada português comeu 118,5 quilogramas de carne. Isto representa um aumento de quatro quilos face ao ano anterior, em que se registaram 114,5 quilos por habitante.

Ainda assim, já houve anos em que os portugueses comeram mais carne. Olhando para os números do INE, actualizados a 25 de Maio, pode ver-se que o ano em que o consumo de carne foi mais alto foi 2019, com cada português a comer 119,9 quilos de carne por ano.

Quanto ao número de vegetarianos em Portugal, o primeiro estudo feito sobre esta realidade mostrou que 9% da população portuguesa deixa a carne e o peixe fora do prato. Esta percentagem representa cerca de 764 mil adultos e considera todo o tipo de vegetarianos, assim como quem come produtos de origem animal esporadicamente.

6.7.22

Crise energética na Alemanha

Luís Guita, in Euronews

A Alemanha ativou a segunda fase do plano de emergência de três níveis para o fornecimento de gás natural. O país enfrenta uma "crise" e avisa que os objetivos de armazenamento para o Inverno estão em risco devido à diminuição das entregas vindas da Rússia.Estamos num confronto económico com a Rússia. O gás, a energia está a ser utilizada como uma arma contra a Alemanha.

A decisão de elevar o nível para "alarme" segue-se aos cortes nas entregas russas efetuados desde 14 de Junho e à continuação do elevado preço de mercado do gás

"Estamos num confronto económico com a Rússia. O gás, a energia está a ser utilizada como uma arma contra a Alemanha. Do meu ponto de vista, com o objetivo de destruir o que tem distinguido o país nas últimas semanas e meses, e uma Europa distinta, nomeadamente uma grande unidade, uma grande solidariedade com a Ucrânia, e uma grande vontade de pagar um grande preço pela defesa da liberdade," declarou o ministro da Economia alemão Robert Habeck.

De recordar que a empresa de gás russa Gazprom anunciou na semana passada que estava a reduzir drasticamente os fornecimentos através do gasoduto Nord Stream 1 por razões técnicas.

Nos últimos dias, a Alemanha anunciou que tentará compensar a utilização do gás natural aumentando o recurso ao carvão, um combustível fóssil mais poluente, uma medida que horrorizou os ambientalistas dentro e fora do país.

9.5.22

Recessão na Alemanha? Produção fabril sofre com a guerra para além do esperado

Bárbara Barbosa, in JE

A invasão russa à Ucrânia teve um impacto muito superior no setor fabril ao que era esperado em março, mesmo antes de a União Europeia propor embargo total à energia russa até ao fim do ano.A Alemanha pode estar a entrar em recessão depois de a produção industrial ter caído 3,9% em março, uma queda três vezes maior do que os economistas estimavam já tendo em conta o efeito da guerra na Ucrânia. O PIB da maior economia europeia está 7,6 pontos percentuais (p.p) abaixo do nível pré-pandemia, avança o “The Telegraph”.

Os valores que estão a alertar os analistas ainda nem têm os efeitos do anúncio do embargo total da União Europeia (UE) à energia russa até ao fim do ano, que só aconteceu recentemente.

“Este é provavelmente o início de uma profunda desaceleração da manufatura que achamos que arrastará toda a economia alemã para a recessão”, disse Andrew Kenningham, da Capital Economics.

Um forte efeito de contágio sentiu-se no setor automotivo, com a produção de veículos a cair 14% em março para 63% do seu nível pré-pandemia. Dados sugerem que a desaceleração piorou em abril. A confiança no setor é a mais baixa desde maio de 2020 enquanto se avizinham problemas crescentes na cadeia de abastecimento. Neste ponto, Carsten Brzeski, do ING Group, prevê uma contração durante o segundo trimestre.

“Os três pilares do bem-sucedido modelo de negócios económicos da Alemanha, exportações, indústria e energia, tornaram-se o calcanhar de Aquiles do país”, acrescentou.

5.10.21

Jeremias Thiel conta como é ser pobre na Alemanha – e o que se deve fazer para enfrentar a pobreza

Maria João Guimarães em Berlim, in Publico on-line

Uma em cinco crianças vive em situação de pobreza na Alemanha. Jeremias Thiel, autor de um bestseller sobre a sua infância pobre, explicou que os políticos ainda não conseguem lidar com o fenómeno na Alemanha que é “assustadoramente normal”.

Jeremias Thiel diz que o seu caso não prova que “é possível”. Muito pelo contrário, defende, prova que é praticamente impossível sair da pobreza – ele é a excepção, e é por isso que o seu caso “é tão celebrado”. Thiel afirma que um conjunto de circunstâncias lhe deu uma rede depois de ter dado um passo para mudar. Sublinha que foi uma excepção entre 2,8 milhões de crianças e jovens pobres na Alemanha. “A ideia de que quem quer, consegue, é uma dedução muito errada da minha história.”

O caso de Jeremias Thiel, hoje com 20 anos, é impressionante: aos 11 anos, saiu da casa dos pais com o irmão gémeo e foi bater à porta do gabinete de apoio aos jovens da sua cidade, Kaiserlautern. Queria sair da casa dos pais, que tinham problemas psicológicos e viviam do subsídio para os desempregados de longa duração (Hartz IV). A sua vida não tinha estrutura, era sobre ele que recaíam tarefas básicas e não estava a aguentar.

“Por sorte, a cidade tinha resposta e fui acolhido numa casa na Aldeia SOS”, conta, desde Washington DC, onde está agora, numa videochamada com o PÚBLICO.

Essa foi uma das razões que o levou a perceber a importância da acção política: “Se não houvesse essa casa de acolhimento, financiada por boas doações, se o Estado social não tivesse tido resposta, as coisas seriam diferentes”, diz. Por isso, filiou-se no Partido Social Democrata (SPD) aos 14 anos.

Com a vida regrada na casa de acolhimento, um quarto só para si (e uma chave!), apoio (ainda hoje se lembra de um abraço que recebeu), o seu rendimento escolar melhorou, e concorreu a uma bolsa para uma universidade privada no Minnesota. Só contou que tinha concorrido quando ganhou. Entretanto está em Washington como parte do programa da universidade, e já a pensar que gostaria de estudar mais. Mas por mais planos que tenha, uma coisa é certa: “A dada altura vou voltar à Alemanha”.

Acha que vai fazer política, apesar de ter noção de que é preciso a parte da “política partidária de poder”, e ele disso não sabe muito.

Do que sabe é de pobreza. Os momentos em que a entrevista se torna mais difícil são quando fala do que viveu: “Ahhh, a culpa…”. A culpa de ter deixado os pais (sabendo que eles iriam deixar de receber o complemento por terem filhos se fosse retirado da casa), a culpa de ter o irmão gémeo “a receber 200 euros”, a culpa de estar ali a estudar, e até de vez em quando divertir-se, quando a maioria dos outros não consegue.

A pobreza, explica, não é um estado, é uma experiência, e a marca nunca há-de desaparecer.

O conhecimento não é, no entanto, apenas o da vivência. Thiel ilumina-se e anima-se quando começa a falar de estratégias contra a pobreza, desde as escolas em que os alunos ficam o dia todo - o que permite ter ajuda para o estudo, actividades, etc. - à “pobreza herdada”, quando apesar das notas, alunos de famílias de rendimentos baixos não são encorajados a seguir o caminho que lhes pode dar acesso ao ensino superior apesar das boas notas (foi o que lhe aconteceu).

Fala de problemas de planeamento urbano, de subsídios para habitação tabelados de acordo com zonas condenarem pessoas a continuarem nos bairros mais pobres, da falta de mobilidade urbana, que deixam a pobreza fechada sobre si mesma.
Não só desempregados são pobres

Thiel publicou o seu livro no início de 2020 e este tornou-se rapidamente num bestseller. Sente satisfação por ter mostrado quão “assustadoramente normal” é a pobreza na Alemanha, refere.

Poucos meses depois, era publicado outro livro, da jornalista Anna Mayr, também sobre pobreza, também de uma autora cuja família recebe o subsídio Hartz IV. A tese de Mayr: os pobres servem um propósito político, que é mostrar à sociedade o que pode acontecer se as pessoas não trabalharem. Fala da experiência de ser posta de lado, e de como a marginalização de quem é pobre perpetua o problema, deixando as pessoas com menos hipóteses de voltar ao mundo do emprego.

Foi também nesta altura que a Fundação Bertelsmann publicou um relatório sobre a pobreza infantil na Alemanha. A fundação aponta que uma em cada cinco crianças com menos de 18 anos vive em situação de pobreza. A pobreza infantil é um indicador de que tem havido muito poucas melhorias desde 2014, apontava o relatório. “É a grande obra inacabada” da Alemanha, segundo as autoras do relatório.

Com a covid-19, esperava-se que aumentassem os problemas, com muitos alunos sem computadores para o ensino à distância quando recomeçaram as aulas, e medo que a desigualdade aumentasse mais, já que também as famílias com empregos mais precários terão sido as mais afectadas durante a pandemia.

E a pobreza na Alemanha também não é exclusivo de quem é desempregado: um terço das pessoas a viver na pobreza têm emprego, 40% delas mesmo a tempo inteiro, apesar de haver, desde 2015, um salário mínimo nacional (até então era fixado por sectores).

Jeremias Thiel critica o sistema Hartz IV, que está feito para que as pessoas fiquem mesmo no limite da pobreza, que é definida como ter menos de 60% do rendimento médio do país ou receber alguma prestação social. “Os especialistas dizem que deviam ser mais 300 euros para que se conseguisse uma vida digna”, nota. Muitos críticos do Hartz IV dizem que o seu objectivo é fazer com que as pessoas acabem por aceitar trabalhos mais mal pagos.

Este sistema Hartz IV foi criado pelo próprio SPD, no Governo do antigo chanceler Gerhard Schröder, como meio de incentivar a procura de emprego de desempregados sobretudo de longa duração, introduzindo obrigações e até entraves para receber o subsídio (o nome é de Peter Hartz, que foi director de recursos humanos da VW, que negociara uma redução de salários para diminuir o desemprego).

Thiel acha que “o partido reconheceu o erro” e mudou, defendendo entretanto uma subida do salário mínimo, um rendimento básico para crianças e a construção de centenas de milhares de novas habitações, “tudo medidas para ajudar os mais fracos da sociedade”. Para ele, partidos como os Verdes ou Die Linke (A Esquerda) são “mais académicos” e menos representativos de classes mais desfavorecidas.

Um tópico que também entusiasma Thiel: as eleições de domingo, quando o seu partido está com uma hipótese de vencer. “Não acredito em revoluções, mas sim em reformas”, e o SPD seria, a seu ver, o melhor partido para levar a cabo a luta contra a pobreza.


1.9.21

Pandemia do Norte, pandemia do Sul: as várias divisões da Europa que a covid mostrou

Maria João Guimarães, in Público on-line

Relatório do ECFR alerta para consequências do modo como cada país viveu a pandemia, e também para a diferenças dentro dos próprios países.

Em alguns países da Europa, a maioria viveu a pandemia da covid-19 com dificuldade, doenças graves, mortes de familiares ou amigos, e angústia económica. Outros não foram assim tão afectados. A diferença é clara entre os países do Sul e Leste europeu, por um lado, e da Europa Ocidental e do Norte, por outro, diz um relatório apoiado pela sondagem do European Council on Foreign Relations (ECFR), feita em 12 Estados-membros da União Europeia.

A divisão em relação ao que a pandemia provocou não é só geográfica, mas também geracional. Os jovens sentem-se mais afectados pela pandemia. E tendem a atribuir mais responsabilidades a terceiros por ela.


Estas são as duas grandes conclusões do relatório de Ivan Krastev e Mark Leonard, do ECFR, intitulado Europe’s invisible Divides: How covid-19 is polarising European politics (Divisões invisíveis da Europa: como a covid-19 está a polarizar a política europeia). Os dois especialistas em política externa sugerem que estas diferenças marcadas no modo como foi vivida a pandemia podem ter implicações duradouras em vários projectos centrais para a União Europeia: a liberdade de circulação, o futuro do plano de recuperação pan-europeu do bloco, e as suas relações com o resto do mundo (por exemplo com a diplomacia das vacinas), ou ajuda externa.

A maioria dos europeus (54%) sente que não foi “de todo” afectada pela pandemia do novo coronavírus, mas a média esconde as diferenças. Por exemplo, 72% dos dinamarqueses ou 65% dos alemães não foram “de todo” afectados pela covid-19, enquanto 61% dos inquiridos portugueses foram (31% apontaram consequências apenas económicas, e 30% de saúde). Apenas Espanha e Hungria (64% e 65%) têm uma percentagem mais alta do que Portugal.
 


Os autores classificaram como preocupante o fosso geracional que a sondagem revelou. Quase dois terços (64%) das pessoas com idade igual ou superior a 60 anos não sentiram que a crise as tenha afectado pessoalmente, enquanto a maioria dos menores de 30 anos (57%) disse ter tido problemas (económicos ou de saúde) por causa da pandemia.

A ideia de liberdade é também responsável por mais uma divisão. Questionados sobre quão livres se sentiam hoje, e quão livres se sentiam antes da pandemia, 22% disseram sentir-se livres hoje, e 64% antes da pandemia – ao contrário, 27% dos inquiridos disseram não se sentir livres (e apenas 7% disseram que não se sentiam livres há dois anos). Os autores afirmam que a questão pode ter relevância política quando muitos partidos ao centro têm defendido acção do governo e muitos populistas se tornaram libertários. Hungria e Espanha têm a maior percentagem de inquiridos que se sentem livres (41% e 31%), enquanto a Alemanha regista a maior percentagem dos que não se sentem livres, 49% – um caso interessante porque apesar de várias restrições, o confinamento no país (embora diferente em cada estado federado) não foi tão estrito como em outros.

Quanto à responsabilização pelo impacto que a crise tem, e pelos limites à liberdade, o relatório diz que há pessoas a apontar em várias direcções, mas que se notam dois grupos distintos entre quem tem um culpado definido. Num dos grupos, 43% dos que indicam um culpado, diz que a ameaça à liberdade vem sobretudo de governos e instituições, da China à Comissão Europeia, passando pelas multinacionais, ou pelo seu próprio governo. Noutro grupo, 48% de quem indica um culpado, acha que a ameaça vem do comportamento individual das outras pessoas (que não seguem as regras, que regressam de viagens por exemplo): Países Baixos (67%), Áustria (62%) e Portugal (61%) são aqueles em que esta perspectiva é maioritária.
 



O relatório divide os inquiridos em três grupos em relação ao que acham que são os motivos dos confinamentos. Os que confiam acham que a razão é limitar a disseminação do vírus, os acusadores acham que a maior motivação é dar ao Governo controlo sobre o público, e os desconfiados pensam que a razão é fazer crer que o governo está a controlar a situação.

A maioria dos inquiridos pertence ao grupo dos que confiam (64%), enquanto 19% são desconfiados e 17% acusadores. Há grandes diferenças em alguns países, como a Polónia, o único em que os que confiam são uma minoria (38%), seguindo-se com números baixos a Bulgária (50%) e França (56%). Inversamente, estes países têm um grande número quer de desconfiados (34% na Polónia, 24% na Bulgária) e de acusadores (cerca de um quarto na Bulgária, Polónia e França).
 


Quem confia que o motivo foi impedir a circulação do vírus tende a ser quem foi afectado por doença ou morte de familiar, e ainda quem não foi afectado de nenhum modo. Na maioria dos países os que foram afectados apenas economicamente pela covid-19 são os que mais mostram cepticismo sobre as intenções do Governo – com excepções na Dinamarca, Portugal e Suécia.

O relatório termina com a ideia de que três países podem estar a emergir como arquétipos para a política pós-pandémica: Alemanha, Polónia, e França.

A Polónia é um exemplo de uma “democracia polarizada”, dizem os autores do relatório. A crise aumentou a divisão que já existia entre grupos. O país é que o tem a maior percentagem de inquiridos a achar que o Governo está a usar as restrições da pandemia para criar ilusão de controlo ou como justificação para controlo. E também que o Governo e outras instituições são responsáveis pelo impacto da pandemia nas suas vidas.

Já na Alemanha, uma “democracia de consenso”, não há oposição pública às restrições nem desconfiança sobre os seus motivos. “Mas o consenso superficial esconde grandes níveis de descontentamento”, dizem os autores: uma grande parte da população não se sente livre.

Finalmente, em França, na “democracia não-binária”, os principais partidos mudaram de modo marcado a sua filosofia política: o partido do Presidente Emmanuel Macron teve uma acção de intervenção e 89% dos seus apoiantes, que são sobretudo liberais, disseram que as restrições não foram suficientemente estritas. Ao contrário, apoiantes de Marine Le Pen, em geral mais autoritários, acham que não devia ter havido tantas restrições.

Ivan Krastev e Mark Leonard deixam uma nota de alerta: a próxima fase da crise pode levar a mais divisões tanto dentro dos países como entre os vários países europeus, que viveram a pandemia de modo muito diferente. Em termos de perspectiva futura, os autores chamam a atenção para a diferença que pode ser mais problemática: a divisão entre gerações. “Os governos por toda a Europa fizeram bem em salvar as vidas dos mais velhos”, escreveram os autores. “Mas chegou a altura de se focarem nos problemas dos mais novos.”

Portugal: inquiridos confiam no Governo e culpam comportamento individuais


Portugal destaca-se por estar no topo de países em que mais pessoas se sentiram afectadas pela pandemia: 61% dos inquiridos portugueses afirmam ter enfrentado desafios pessoais (31% económicos, e 30% de saúde). Apenas Espanha e Hungria (64% e 65%) têm uma percentagem mais alta do que Portugal.

O país está ainda entre os que mais confiam na motivação das medidas de confinamento, em 4.º lugar com 71% – logo a seguir à Dinamarca (77%), Suécia (76%, o país destacou-se por ter menos medidas mas ainda assim teve restrições, incluindo algumas bastantes estritas nos lares de idosos), e Países Baixos (76%).

Portugal está em quarto lugar entre os países que pensam que as restrições impostas foram proporcionais, embora já com uma maioria mais pequena, de 56% (o mesmo que a Bulgária e atrás da Dinamarca e da Hungria, onde 62% e 71% dos inquiridos acharam as medidas certas). Por outro lado, há uma percentagem muito significativa – 32% – que consideram que as medidas não foram suficientemente estritas – e o país está ainda entre os três com menos inquiridos a acharem que foram demasiado estritas (12%, atrás da Hungria, 9%, e Suécia, 6%).

Portugal é ainda um dos países que culpa claramente indivíduos pela crise da covid – 57% –, enquanto 37% culpam instituições ou governos, incluindo o do próprio país.

12.1.21

Covid-19: escolas abertas ou escolas fechadas? Na Europa não há uma receita única

Maria João Guimarães, in Público on-line

França, que recomeçou as aulas presenciais na semana passada, é a maior excepção.

Muitos países europeus estão a adiar o regresso às aulas depois de estudos apontarem para um maior papel das crianças e adolescentes na transmissão do vírus que provoca a covid-19. França é a maior excepção e aposta nos testes rápidos para detectar casos antecipadamente.

Espanha

Muitas regiões mantêm as escolas sem aulas, algumas por causa das taxas de incidência do coronavírus, outras por causa dos nevões e do frio. A Catalunha é uma das excepções e depois de três dias extra nas férias de Natal, as aulas presenciais recomeçaram esta segunda-feira.

As autoridades espanholas defendem que as escolas não são locais de grande contágio, apoiados pelos dados do primeiro trimestre do ano lectivo.

No geral, o aumento da taxa de incidência no país (quase 300 casos por cem mil habitantes) levou a mais restrições em várias regiões, incluindo encerrar mais cedo restaurantes ou mesmo permitir apenas que funcionem com refeições para fora. Há restrições adicionais para a circulação que afectam mais de um milhão de residentes.

Alemanha

As escolas continuam fechadas desde que foi decretado o segundo confinamento no país (de 16 de Dezembro) e vão manter-se assim na maior parte dos estados federados. A partir desta segunda-feira, cada estado poderia decidir reabrir as escolas, se a média de novos casos a sete dias descesse (para 50 novas infecções por cem mil habitantes).

O maior problema na Alemanha é que as aulas à distância nem sempre funcionam – as plataformas de ensino à distância caem e os alunos ficam sem aulas, conta uma reportagem da emissora Deutsche Welle.

Noutras restrições no país, está encerrado o comércio não essencial, lazer e cultura, restaurantes funcionam apenas em take-away e é fomentado o teletrabalho. Moradores de regiões com alta incidência de casos (mais de 200 novos casos por 100 mil habitantes nos últimos sete dias) não se podem afastar mais de 15 km sem motivo válido.

França

As aulas recomeçaram a 4 de Janeiro, e o ministro da Educação, Jean-Michel Blanquer, diz que o encerramento apenas se justifica “em países com vagas epidémicas particulares” e sublinhando que em França “há um protocolo já com provas dadas” e que será “reforçado” se for necessário. Antes das férias de Natal, a taxa de infecções nas escolas não era mais do que 0,3%, justificou, e vão ser feitos um milhão de testes rápidos nas escolas durante o mês de Janeiro.

Em caso de endurecimento de medidas, as escolas serão as últimas a fechar, disse o ministro. O director-geral da Saúde, Jérôme Salomon, declarou que é preciso estar “muito atento ao meio escolar e universitário” também pela possibilidade de regresso de jovens a viagens ao Reino Unido onde circula uma variante com maior transmissibilidade. Os professores deverão ser vacinados em Abril, logo que termine a actual fase de vacinação de grupos prioritários.

Entre as restrições em vigor neste momento estão o recolher obrigatório (das 20h às 6h, em algumas regiões das 18h às 6h), e os restaurantes mantém-se fechados apenas com serviço de take-away até meados de Fevereiro.

Itália

A grande maioria das regiões italianas optaram por manter as escolas (excepto as primárias) fechadas e as aulas em regime virtual, e apenas três regiões permitiram o regresso de alguns alunos às escolas (Toscânia, Abruzzo, Valle D’Aosta).

Houve uma série de protestos de alunos e pais pedindo o regresso às aulas presenciais – que o Executivo nacional defendia (para 50% dos alunos), mas a decisão foi deixada às regiões e a maioria preferiu não ter aulas presenciais, o que segundo o jornal Il Sole 24 Ore causou “uma confusão geral e disparidade entre alunos” pelo país.

As regiões prevêem recomeçar as aulas presenciais até 1 de Fevereiro, mas o país deverá reforçar medidas restritivas na sexta-feira.

Quanto a outras medidas, de momento está em vigor uma restrição de movimento entre regiões, e restaurantes operam (até às 18h, ou apenas com take-away) conforme a taxa de transmissão em cada região.

Reino Unido

Escolas e universidades estão em regime de ensino à distância até pelo menos meados de Fevereiro, e os exames de final do ano já não vão ser feitos como estava previsto. O Governo de Boris Johnson diz que as medidas são necessárias por causa da nova variante que se transmite com maior facilidade, e pede um esforço adicional na “última fase da luta”, quando as restrições acontecem ao mesmo tempo que a vacinação e as autoridades de saúde avisam que a situação “ainda vai piorar antes de ficar melhor”.

As escolas continuam, como no primeiro confinamento, a receber alunos em situação vulnerável ou de trabalhadores essenciais. Mas responsáveis de várias escolas em Inglaterra estão a queixar-se, segundo o Guardian, de receber muito mais pedidos de pais para que os filhos tenham aulas presenciais do que no primeiro confinamento, levando a medo de que esgotem a sua capacidade.

O país está no seu terceiro confinamento, com restrições como encorajamento do teletrabalho e restaurantes apenas com take-away.

Áustria

Na Áustria, as escolas estão em ensino à distância pelo menos até ao final desta semana. O ministro da Educação, Heinz Fassmann, diz que não é possível ainda dizer quando recomeçará o ensino presencial, algo que admite que gostaria que acontecesse o mais rapidamente possível. O Governo vai ter, a partir de 18 de Janeiro, 5 milhões de testes rápidos que esperam que sejam feitos antes de os alunos regressarem às salas de aula.

Além disso, os professores deverão começar a ser vacinados em Fevereiro. Antes, duas medidas para combater a transmissão do vírus nas escolas foram declaradas ilegais pelo Tribunal Constitucional: os juízes disseram que o Governo não deu razões suficientes para decretar o uso obrigatório de máscara e a divisão de turmas em dois turnos alternados (alguns alunos à 2ª e 3ª feira, outros à 4ª, 5ª e 6ª, tendo de ficar em casa nos outros dias).

A Áustria está no seu terceiro confinamento nacional, mantendo abertas apenas lojas essenciais.


17.11.20

Estado de Direito é “a base de tudo” e uma “obrigação” para todos na UE

Rita Siza, in Público on-line

Avaliação das conclusões do relatório sobre o Estado de Direito na UE arranca esta terça-feira, sob a direcção do ministro alemão para a Europa, Michael Roth. Presidência portuguesa assume condução do processo em Janeiro.

Bélgica, Bulgária, República Checa, Dinamarca e Estónia serão os primeiro cinco Estados membros a ser escrutinados pelos restantes parceiros da União Europeia, esta terça-feira, no âmbito de um processo de avaliação das conclusões do primeiro Relatório Anual sobre o Estado de Direito, elaborado pela Comissão Europeia.

Nesse documento, o executivo identifica debilidades e aponta críticas e preocupações relativamente ao respeito pelas normas democráticas em quatro áreas: a independência do sistema judicial, o combate à corrupção, o pluralismo dos media e o quadro institucional de vigilância e escrutínio das autoridades, da administração e das várias agências públicas e reguladores independentes.

O desempenho de todos os Estados membros foi avaliado segundo essa grelha, e o debate que arranca esta terça-feira pretende alargar a apreciação feita pela Comissão e estabelecer um “diálogo permanente” para uma “compreensão mútua” sobre a cultura do Estado de Direito.

“A União Europeia não é só um mercado único, é antes de mais nada uma união de valores comuns, que queremos defender e fortalecer. E o Estado de Direito não é só mais um valor entre outros, é a base de tudo: democracia, respeito, tolerância e funcionamento das instituições”, lembrou ao PÚBLICO o ministro alemão da Europa, Michael Roth, que presidirá à reunião do Conselho dos Assuntos Gerais, onde o processo de revisão vai decorrer ao longo dos próximos meses, protocolarmente, por ordem alfabética dos países.

Roth, e o comissário europeu da Justiça, Didier Reynders, foram os principais promotores de um novo instrumento de carácter preventivo sobre o Estado de Direito​, e são ainda os grandes entusiastas deste processo de discussão das conclusões do relatório anual relativas a cada país, com o intuito de sinalizar as melhores práticas e trocar ideias sobre possíveis soluções para resolver alguns dos problemas identificados.

“A Comissão fez a sua avaliação e agora no debate com os Estados membros veremos se eles têm a mesma visão e o mesmo entendimento do Estado de Direito, e se a troca de ideias sobre as melhores práticas terá alguma influência e levará a mudanças e melhorias da situação nalguns Estados membros”, explicou o comissário europeu.

Michael Roth comparou a audição ao início de uma nova aventura: “É um ponto de partida”, disse, acrescentando que “o primeiro passo é o mais importante, porque temos de convencer todos os colegas do Conselho de que este instrumento não se foca num ou dois mas em todos. O Estado de Direito é uma obrigação para todos nós”, insistiu.

Numa entrevista conjunta de antecipação da reunião desta terça-feira (por videoconferência), os dois responsáveis admitiram que a discussão no Conselho será mais fácil para alguns países do que outros. “Há diferentes níveis de ambição e para alguns Estados membros é extremamente difícil discutir a independência dos tribunais porque, na sua opinião, têm que ser respeitadas as tradições, as culturas e os procedimentos nacionais”, reconheceu Michael Roth.

Por essa razão, o debate será limitado ao conteúdo do relatório produzido pela Comissão, “uma base objectiva” que colocou os 27 Estados membros em pé de igualdade. O executivo, lembrou Reynders, usou a mesma metodologia e seguiu a mesma abordagem nas centenas de contactos e visitas para a elaboração do relatório, junto das autoridades e organizações da sociedade civil nacionais.

Os cinco primeiros Estados membros sob avaliação constituem “uma boa amostra”, considerou Roth, uma vez que formam um “grupo muito diverso” de países mais antigos e mais recentes, da fundação e do alargamento da UE. A Bulgária é onde a situação se apresenta mais frágil do ponto de vista do Estado de Direito. No seu relatório, a Comissão manifesta uma “séria preocupação” com a composição e o funcionamento do Supremo Conselho Judicial do país, e também com a “eficácia da investigação, acusação e adjudicação dos processos por corrupção, incluindo ao mais alto nível”.

Mas o executivo também exprimiu dúvidas quanto à capacidade do sistema criminal para combater a corrupção e a lavagem de dinheiro na República Checa, “onde investigações e auditorias estão actualmente em curso, ao nível nacional e europeu, sobre potenciais conflitos de interesse no uso de fundos da União Europeia”.

Os dois responsáveis sublinharam que o relatório anual é apenas uma das várias ferramentas com que a UE pode afinar o respeito pelas normas democráticas, e que a capacidade de actuação das instituições comunitárias para pressionar e promover o Estado de Direito não se esgota no debate que ele deverá suscitar. “Temos mais instrumentos”, notou Reynders, referindo-se aos processos de infracção que a Comissão pode levantar, junto do Tribunal de Justiça ou no âmbito do artigo 7.º do Tratado de Lisboa, ou ao novo mecanismo que vai ligar o financiamento comunitário ao Estado de Direito.

Para contrariar a ideia de que estes instrumentos não tiveram, até agora, consequências em termos da correcção das violações das normas do Estado de Direito, o comissário da Justiça chamou a atenção para os efeitos imediatos da publicação do relatório. “Já temos algumas propostas a vir dos Estados membros para responder ao documento”, informou, dizendo ter recebido planos para reformas da Bulgária, Croácia, Eslováquia ou Malta. “Tenho uma longa lista de exemplos de como este processo pode ter uma grande influência”, garantiu.

No primeiro semestre de 2021, a condução do debate no Conselho dos Assuntos Gerais caberá à presidência portuguesa da UE, que já se comprometeu a prosseguir o debate, se necessário com ajustamentos para que este se torne “mais visível”. No segundo semestre, a responsabilidade passa para a Eslovénia — ao mesmo tempo que a Comissão estará a ultimar o segundo relatório anual. A expectativa de Reynders é “poder apontar para melhorias e progressos em áreas onde antes tínhamos identificado problemas”.

30.10.20

PIB da zona euro aumenta 12,7% no terceiro trimestre

Isabel Aveiro, in Público on-line

Economia recuperou no terceiro trimestre face ao período de Abril a Junho, em que o continente esteve na sua maioria com medidas de confinamento mais ou menos severas. Face ao terceiro trimestre de 2019, as quedas são de 4,3% na zona euro e de 3,9% na União Europeia

O Produto Interno Bruto (PIB) da zona euro subiu 12,7% no terceiro trimestre deste ano, face ao trimestre imediatamente anterior, de acordo com a estimativa rápida do Eurostat, divulgada esta sexta-feira. Na União Europeia a 27 Estado-membros, o crescimento trimestral em cadeia foi de 12,1%.

O gabinete estatístico da União Europeia avança, no comunicado emitido esta manhã, que as tuas subidas trimestrais em cadeia, na zona euro e na UE, “foram, de longe, a maiores observadas desde que a série teve início, em 1995”.

São também uma recuperação das quedas verificadas no PIB do segundo trimestre (de Abril a Junho de 2020), quando a economia sofreu uma contracção de 11,8% na zona euro e de 11,4% na União a 27 Estados.

Ao comparar com o mesmo trimestre, mas de 2019, a evolução permanece, contudo, negativa, de 4,3% para a zonae euro e de 3,9% para o conjunto da União Europeia.

Portugal, já o Instituto Nacional de Estatística (INE) tinha divulgado minutos antes, registou uma recuperação de 13,2% em cadeia no terceiro trimestre, face aos três meses imediatamente anteriores (quando o PIB teve uma queda abrupta de 13,9%). Todavia, face a igual período de 2019, o PIB português registou uma queda de 5,8%.

O desempenho português é pior que a queda homóloga média já referida para a zona euro e para a UE, face ao terceiro trimestre de 2019, mas melhor do que a Espanha (cujo PIB caiu 8,7% face a igual período do ano passado).

Espanha foi, contudo, o segundo país da UE com a maior recuperação trimestral em cadeia, de 16,7% (recuperando parcialmente da queda do PIB de 17,8% no segundo trimestre, em cadeia), só superada pela França, cuja economia cresceu 18,2% entre Julho e Setembro, face aos três meses anteriores (e após uma queda de 13,7% do PIB no segundo trimestre).

A Alemanha, maior economia da zona euro, registou uma subida de 8,2% do PIB no terceiro trimestre, face ao segundo (quando a economia tinha contraído 9,8%). Face a igual trimestre de 2019, o PIB germânico recuou 4,2% entre Julho e Setembro.

3.9.20

“Nós vamos conseguir”. Palavras de Merkel que marcaram uma nova era para os refugiados

Guilherme Correia da Silva, na Alemanha, in RR

Quando muitas portas se fechavam, Angela Merkel decidiu abrir as fronteiras do país e acolher milhares de refugiados. Foi em 2015. Susana, Alaa e Mohamad foram alguns dos beneficiários desta medida e a Renascença ouviu a sua história.

Há cinco anos, na noite de 4 para 5 de setembro, a chanceler alemã abriu um novo capítulo na história da Alemanha. Angela Merkel decidiu acolher, por motivos humanitários, centenas de milhares de refugiados bloqueados na Hungria.

"Wir schaffen das" ("nós vamos conseguir") foram as três palavras ditas durante uma conferência de imprensa, em 31 de agosto de 2015, que sinalizaram a abertura da Alemanha para receber esses refugiados.

Dias mais tarde, naquela noite, o país abriu as portas às muitas pessoas que ficaram bloqueadas na Hungria depois de atravessarem o Mediterrâneo e os Balcãs. Centenas de milhares de refugiados puseram-se a caminho da Alemanha, sobretudo vindos da Síria, do Afeganistão e do Iraque. Calcorrearam campos e estradas, alguns de muletas, e pernoitavam na rua ou em tendas improvisadas.

Um ano “louco”

Susana, uma jovem portuguesa a viver na Alemanha, lembra-se bem daquelas palavras de Merkel e da emergência humanitária de 2015. Ela ajudava refugiados num centro de acolhimento em Gießen, no centro do país.

"Nós tínhamos infraestruturas criadas para cerca de 2.000 pessoas e, em 2015, tivemos o campo com cerca de seis mil", afirma Susana à Renascença.

"Quando Angela Merkel fez aquele convite aberto, na televisão, a pensar nos sírios que estavam a passar por uma guerra, houve muita gente que veio e destruiu os próprios documentos, sendo da Argélia, de Marrocos ou de outros países árabes, porque queriam tentar a sua sorte. Havia muita expetativa em relação à Alemanha; que, vindo para cá, lhes dariam tudo".

2015 foi um ano "louco", resume Susana, também em termos pessoais. Foi nesse ano que conheceu o marido – um jovem sírio, de Aleppo, que atravessou o Mediterrâneo de barco até à Grécia e também passou pelas Balcãs, pela Hungria e pela Áustria até chegar à Alemanha, e ao campo onde Susana trabalhava. Como tinha estudado tradução inglês-árabe, começou logo a ajudar.

“Ele chegou sem nada. Perdeu a mala pelo caminho e chegou com a roupa que tinha no corpo, o telemóvel no bolso e pouco mais. O engraçado foi que todos os dias aparecia impecável para trabalhar. Sempre com a mesma roupa, mas que lavava durante a noite, estendia, e no outro dia já estava impecável, prontíssimo para trabalhar”, conta.

Mohammad teve de esperar 22 dias até receber roupa nova. Havia muita gente, esperava-se muito, as instituições estavam sobrecarregadas com pedidos.


Uma história de sucesso

Foram dias complicados, conta Alaa. Quando a jovem síria chegou à Alemanha, em 2015, acompanhada da mãe, teve de partilhar o quarto com pessoas que não conhecia.

"Era tudo novo. Não sabíamos como seria o futuro. Pela minha cabeça passava sempre a mesma pergunta: como é que vou conseguir?", recorda.

Alaa diz que veio para a Alemanha por ver nas notícias como o país estava a acolher tantas pessoas. Aprender a língua alemã foi uma das coisas mais difíceis, conta a jovem de 21 anos.

A correspondência que recebia das autoridades alemãs (a "Papierkram", "papelada", como diz a sorrir) também era uma complicação. "Mas, se conheces alguém e pedes para explicarem, até é fácil, e vamos aprendendo também."

Cinco anos depois de chegar, Alaa concluiu o secundário e estuda Ciências Sociais com foco em Relações Interculturais.

"Espero que corra tudo bem com a minha licenciatura e mais tarde possa ajudar, como as pessoas aqui me ajudaram."

Como ela, muitos outros refugiados aprenderam alemão e estão agora na escola ou entraram na universidade. Estima-se também que mais de metade dos refugiados em idade ativa conseguiu emprego nos primeiros cinco anos (embora a pandemia tenha vindo complicar as coisas).

Em geral, é uma história de sucesso, afirma Karl Kopp, da organização alemã de direitos humanos Pro Asyl. No entanto, há também um reverso da medalha a partir de outubro de 2015, "com o endurecimento da legislação na Alemanha e na Europa", acrescenta Kopp.

"Uma parte importante da política de 'desintegração' é, por exemplo, a reunificação familiar, cada vez mais dificultada", diz o ativista.

"Este retrocesso levou igualmente a desenvolvimentos dramáticos, com a implementação do acordo com a Turquia, com efeitos desastrosos. Dezenas de milhares de pessoas são detidas em campos miseráveis nas ilhas gregas. Outro aspeto deste retrocesso é a sórdida cooperação com a Líbia, usando dinheiro e conhecimento europeus para armar senhores da guerra que arrastam os refugiados para campos de tortura no país."

Uma decisão polémica

Em 2015, a decisão de acolher centenas de milhares de refugiados dividiu a Alemanha. A chanceler Angela Merkel foi elogiada, mas também bastante criticada por aquelas três palavras que pronunciou a 31 de agosto – “wir schaffen das” – e por mandar abrir as portas aos migrantes.

Nas eleições legislativas que se seguiram, em 2017, o partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD) entrou pela primeira vez para o Parlamento federal com uma clara agenda anti-imigração.

Susana lamenta as críticas aos refugiados. "Acho que as pessoas que vieram trouxeram uma mais-valia à Alemanha, até porque o país estava a precisar de pessoas para trabalhar, para suportar este sistema social já envelhecido."

O marido de Susana tem, entretanto, dois empregos – ou seja, como frisa a jovem portuguesa, já está a contribuir para o país e a apoiar a família enquanto ela faz uma pausa no trabalho, depois de ter engravidado.

"É muito difícil imaginar o que é ir para um país estrangeiro e tentar construir tudo do zero. Ir só com a roupa que se tem no corpo. Eu, hoje em dia, dou graças a Deus pelo marido que tenho e estou muito orgulhosa dele."

31.8.20

Como vai ser o regresso às aulas na Europa

Maria João Guimarães, in Público on-line

Arejar os espaços, limitar os os contactos físicos e, nalguns casos, oferecer testes, fazem parte do leque de medidas pensado pelos vários países. O uso de máscara não faz unanimidade.

Com máscara ou sem ela, com turmas mais pequenas ou iguais, com janelas abertas ou verificação de ares condicionados, o regresso às aulas vai ter regras diferentes por toda a Europa.

França

Aulas recomeçam a 1 de Setembro e são de frequência obrigatória
Alunos com mais de 11 anos têm de usar máscara, excepto quando forem comer ou fazer exercício
Professores e funcionários têm de usar máscara sempre, e não apenas quando não for possível cumprir a distância mínima de um metro
Todas as salas de aula têm de ser arejadas “tão frequentemente quanto possível e pelo menos 15 minutos de cada vez”
Corredores da escola serão de sentido único
Em caso de surtos, é equacionado o encerramento das escolas afectadas

Espanha 

Aulas começam em datas diferentes conforme as regiões, as primeiras a 7 de Setembro
Divisão de turmas na primária em “bolhas” de 15 a 20 alunos que não terão contactos com outros
Alunos com mais de seis anos têm de usar máscara nas aulas, com excepção de alunos nas “bolhas”
Contratação de 11 mil professores para ter turmas mais pequenas
Uso de bibliotecas e cantinas como sala de aula, para ter mais espaço
Prioridade a actividades ao ar livre
(O Governo catalão disponibiliza espaços em 74 locais como museus ou bibliotecas e 159 em praças ou parques para aulas ou recreio se for necessário reduzir o número de alunos por “bolha”)

Alemanha

Ano lectivo já recomeçou em vários estados (o início faseado do ano escolar acontece sempre, não tem a ver com a pandemia)
Uso de máscara fora das aulas, mas não durante, porque prejudicaria a capacidade de aprender dos alunos (a excepção era o estado federado da Renânia do Norte-Vestfália, onde deixará de ser obrigatória 2ª. feira)
Regras decididas pelos estados federados
Testes oferecidos a professores antes do recomeço das aulas
Turmas mais pequenas, com menor interacção, para evitar encerrar uma escola inteira caso haja casos de infecção
Indicação para arejar salas sempre que possível

Itália
Aulas recomeçam a 14 de Setembro
Dois milhões de testes disponíveis para professores que os queiram fazer
Máscaras obrigatórias para professores, funcionários, e para alunos dos seis aos 18 anos, quando não for possível manter distância
Viseira obrigatória para professores
Aulas dadas em espaços exteriores quando for possível
Semana lectiva estende-se até sábado para permitir menor concentração de alunos
Alunos do secundário com familiares em grupos de risco poderão optar por ensino à distância
Pais encarregados de medir a temperatura e não levar os filhos à escola se tiverem mais que 37º. Na Campânia, a temperatura será medida na escola

Reino Unido
 
Recomeço do ano escolar a 4 de Setembro
Locais para lavar as mãos à entrada das escolas
Remoção de bebedouros
Início e fim de aulas e pausa para almoço em horários desencontrados para evitar concentração de pessoas
Janelas das salas de aula vão estar abertas
Possível sistema misto de aulas presenciais e online, com objectivo a ser a maior percentagem ser presencial

Bélgica

Recomeço das aulas a 1 de Setembro
Regras decididas pelas regiões
Professores e alunos com mais de 12 anos têm de usar máscara
Se os números de infecção subirem mais em alguma localidade, alunos do secundário serão divididos em dois grupos e vão ter aulas em semanas alternadas

Grécia 

Início do ano lectivo marcado para 7 de Setembro, mas Governo avisa que poderá ter de adiar
Limite de 17 alunos por turma
Uso obrigatório de máscaras nos espaços interiores
Vão ser oferecidas máscaras de tecido, reutilizáveis, a alunos e professores
Alunos da primária vão receber garrafa reutilizável para não usarem bebedouros públicos

Países Baixos 

Início do lectivo: 17 de Agosto (Norte), 24 de Agosto (Sul) e 31 de Agosto (Centro), o início é sempre em datas diferentes (não se deve à pandemia)
Não estão previstas alterações ao número de alunos por turma
Alunos que estejam dentro de grupos de risco, ou que vivam com familiares nessas condições, podem optar por não ter aulas presenciais
Uso de máscaras não é obrigatório, mas há escolas que estão a pedir a sua utilização
Recomendação às escolas para que verifiquem os sistemas de ar condicionado para assegurar que não facilita transmissão do vírus

23.7.20

Uma em cada cinco crianças em risco de pobreza na Alemanha

Maria João Guimarães, Público on-line

Números da pobreza infantil não baixam há anos. Relatório da Fundação Bertelsmann avisa para efeitos da pandemia num problema social que o país parece não conseguir resolver.

Cerca de 2,8 milhões de crianças, ou seja, uma em cada cinco, estão a crescer afectadas pela pobreza na Alemanha, segundo um relatório da Fundação Bertelsmann publicado nesta quarta-feira. A pandemia deverá piorar a pobreza infantil, um problema que o país tem já há anos.

“A luta contra a pobreza infantil tem sido nos últimos anos um dos grandes desafios sociais na Alemanha”, notava o relatório da Bertelsmann, acrescentando que desde 2014 têm sido registadas muito poucas melhorias. É “uma grande obra inacabada”, declaram as autoras.

O relatório considerou para efeitos de pobreza vários factores, não só contando as famílias que recebem o apoio social de desemprego de longa duração (conhecido como Hartz IV), como as famílias cujo rendimento é menos do que 60% da média do rendimento nacional, o que as leva a estar em risco de pobreza.

Os efeitos concretos de pobreza na Alemanha incluem quem não tem um carro ou quaisquer equipamentos electrónicos em casa, não poder ir de férias, ou não consegue pagar actividades como ir ao cinema, segundo o relatório.

“A pobreza infantil mantém-se um problema estrutural com consequências consideráveis para o crescimento, bem-estar, educação e perspectivas futuras das crianças”, sublinham as autoras.

A pandemia ameaça piorar esta situação, avisam. Pais de crianças em risco de pobreza trabalham normalmente trabalhos precários, a tempo parcial, e por isso têm sido afectados de modo desproporcional pela perda de emprego e de rendimento provocada pela pandemia.

Outro problema é a falta de equipamento destas crianças para seguir aulas online, por exemplo: 24% das que vivem em famílias que recebem o apoio social básico não têm acesso a um computador com Internet, aponta o relatório.

Em Fevereiro, a Federação dos Sindicatos da Alemanha notava também que apesar de o número de pessoas empregadas ter vindo a aumentar nos últimos anos na Alemanha e o desemprego ser muito baixo, isto não se reflectiu numa diminuição significativa da pobreza infantil, com números oficiais de 2,5 milhões de crianças em risco de pobreza.

As desigualdades na Alemanha têm sido um tema cada vez mais investigado no país, já que o crescimento económico não beneficiou todos por igual, muito pelo contrário. Se a queda do desemprego é notória (a taxa de desemprego chegou a 11% em 2005, em 2019 foi de 3%), muito do emprego criado, por exemplo, é precário (cerca de 12% de todos os empregos eram precários em 2018, segundo a fundação Hans Böckler) e muitas vezes mal pago.

Mesmo a introdução, em 2015, de um salário mínimo nacional que acabou com as categorias mais baixas de salários dos “minijobs” (em alguns locais do país e em alguns sectores, chegavam a ser pagos a um euro por hora, embora estes fossem casos extremos) não resolveu a questão: o salário mínimo (9,19 euros por hora, bruto) é ainda assim muito próximo do valor mensal que define o risco de pobreza (porque este é relativo ao salário médio).

A pobreza infantil é ainda especialmente problemática porque é difícil sair dessa situação. Ainda que duas em cada três crianças de famílias com baixos rendimentos consigam escapar à pobreza em adultas, só metade o fizeram depois de deixar a casa dos pais, segundo um estudo do Instituto de Assistência Social e Pedagogia de Frankfurt, feito ao longo de 20 anos e apresentado o ano passado.

28.4.20

Com menos covid-19 e mais desemprego, Velha Europa começa desconfinamento

Susana Salvador, in DN

À medida que as taxas de infeção vão caindo e aumentam as dificuldades económicas e a pressão das populações para o fim do confinamento, Espanha, França, Itália, Alemanha e Reino Unido dão passos para a nova normalidade.

Com os resultados do confinamento a que grande parte da população foi sujeita nas últimas semanas a começarem a sentir-se nos números divulgados diariamente de infetados e de mortes por novo coronavírus, ao mesmo tempo que os números da economia vão acentuando a ideia de crise, os governos começam a planear a seguinte fase: o desconfinamento. Mas se mandar toda a gente para casa foi fácil, permitir que saiam revela-se um processo muito mais complicado.

Na Velha Europa, Espanha e França apresentam nesta terça-feira as suas estratégias. Itália já o fez neste domingo, enquanto a Alemanha já começou na semana passada a tomar algumas medidas de abertura. O Reino Unido, que demorou mais tempo a optar pelo confinamento, está também mais atrasado.

De volta ao trabalho depois de ele próprio ter sido infetado, o primeiro-ministro Boris Johnson pede paciência e avisa que ainda é cedo para começar a levantar as restrições, admitindo sempre ter consciência do impacto que tal decisão tem para a economia.

Todos os planos vêm sempre acompanhados de alertas para eventuais segundas vagas de covid-19, que poderiam levar a novo confinamento. E uma das coisas que têm em comum é o facto de preverem todos o uso obrigatório de máscaras, nem que seja nos espaços públicos fechados e nos transportes.

A Organização Mundial de Saúde alertou para o risco de um desconfinamento precipitado poder ter um "impacto maior" a nível económico. "Os governos têm que pôr na balança as vidas e a economia. Mas sem dar passos demasiado rápidos, arriscam-se a sofrer um impacto maior na economia", disse o diretor executivo Mike Ryan.

Espanha

É o segundo país do mundo com mais casos de covid-19 confirmados, depois dos EUA, tendo o primeiro caso positivo sido detetado a 31 de janeiro. No balanço divulgado já esta terça-feira voltou a registar-se uma quebra no número de mortos - mais 301 em 24 horas, para um total de 23 822 desde o início da epidemia. Foram ainda registados mais 1308 casos, num total de 210 773. Destes, 102 548 estão curados. Na prática, isso significa pouco mais de 85 mil casos ativos. A taxa de infeção (R) é atualmente de 1.

O momento mais visível do início do desconfinamento foi a saída à rua, este domingo e pela primeira vez desde que foi decretado o estado de alarme a 14 de março, das crianças com menos de 14 anos. Segundo as regras, estas podem agora sair uma vez por dia, entre as 9.00 e as 21.00, mas num raio de um quilómetro das suas casas e sempre acompanhadas por um adulto.

MUNDO
Espanha. Um mês e meio depois, as crianças voltaram à rua (veja as fotos)
O desconfinamento começará contudo apenas a partir de 2 de maio, devendo ser aprovado esta terça-feira pelo governo espanhol. Uma coisa é certa, a aplicação não será igual em todo o território espanhol e, ao contrário do que queriam as diferentes comunidades autónomas, será coordenado pelo executivo.

Há comunidades autónomas que já têm os seus planos próprios, mas tudo vai depender do que o governo disser esta terça-feira, depois do conselho de ministros. O plano, disse Sánchez no fim de semana, está a ser preparado há três semanas, sendo que os líderes autonómicos foram ouvidos esta segunda, para darem as suas sugestões.

A ideia é a partir deste 2 de maio ser possível sair à rua para fazer desporto, sozinho ou com as pessoas com quem vive. Até agora, os adultos só podiam sair para ir trabalhar (se não o pudessem fazer através de teletrabalho), comprar comida, ir à farmácia ou ao médico, passear o cão ou ajudar familiares com necessidades.

Mas o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, reitera que é preciso ir com calma, aplicando medidas de prevenção e dando atenção especial à higiene. "Convém não subestimar o inimigo", referiu. O estado de alarme declarado a 14 de março, tendo a 28 de março sido proibidas todas as atividades não essenciais no país (que só levantou a 13 de abril). O estado de alarme já foi prorrogado em três ocasiões e tudo indica que será uma quarta vez, até 24 de maio.


ESPANHA
"Como é possível Portugal ter 700 mortos e nós mais de 20.000"? A pergunta da oposição a Pedro Sánchez
A nível económico, as previsões mais otimistas são para uma queda de 7% do PIB este ano, mas as mais pessimistas apontam para uma queda de 12,5%. Em Espanha, cerca de quatro milhões de trabalhadores em lay-off e mais de um milhão de trabalhadores por conta própria pediram ajuda por terem sido obrigados a suspender a atividade. A 20 de abril, havia ainda registo de 3,7 milhões de desempregados.

França

As autoridades francesas anunciaram mais 437 mortes por covid-19 esta segunda-feira, elevando para 23 293 o número de mortes desde o início da pandemia no país. Há 128 339 casos, dos quais 28 055 hospitalizados (menos 162 que na véspera).

O primeiro-ministro francês, Édouard Philippe, vai apresentar esta terça-feira às 15.00 (14.00 em Lisboa) o plano de desconfinamento, que deverá começar a ser implementando a partir de 11 de maio. Os franceses estão confinados desde 17 de março e, segundo uma sondagem da semana passada, já só 43% apoiam as medidas de confinamento -- menos oito pontos percentuais que na semana anterior.

A ideia é que o plano, apresentado por Philippe aos deputados, seja discutido e votado de seguida, apesar das queixas da oposição, por ter pouco tempo para o estudar. "Vou apresentar a estratégia nacional de desconfinamento esta terça-feira à tarde, na Assembleia Nacional, em volta de seis temas: a saúde (máscaras, testes, isolamento...), escola, trabalho, comércio, transportes e reuniões de pessoas", escreveu o primeiro-ministro no Twitter.

O plano será nacional, com o Palácio do Eliseu a ter rejeitado a ideia de um desconfinamento por região. Para proteção, o uso de máscaras será obrigatório, sendo que desde esta segunda-feira que as farmácias podem voltar a vendê-las (tinham sido todas confiscadas no início de março e estavam indisponíveis). A ideia é haver 26 milhões de máscaras disponíveis para o público em geral todas as semanas.

O objetivo do governo é que as crianças possam regressar progressivamente às creches e às escolas a partir de 11 de maio, indo contra o defendido pelo conselho científico, que queria um regresso apenas em setembro. Os pais que não queiram que os filhos voltem à escola estão obrigados a seguir com o ensino à distância, mas a medida enfrenta também a oposição de alguns professores.

Crianças transmitem o vírus? Novo estudo sobre caso em França levanta dúvidas
A nível do regresso ao trabalho e da abertura dos comércios, ainda não são conhecidos pormenores. A abertura progressiva da economia permitirá começar a lidar com a crise que o coronavírus trouxe. O governo prevê que o PIB caia 8% este ano.

França registou, esta segunda-feira, um aumento histórico no número de desempregados da categoria A (a maioritária, que inclui aqueles que são obrigados a uma procura ativa de emprego) em março: foram mais 246 100, isto é, 7,1%, para um total de 3,7 milhões de pessoas sem emprego nesta categoria no país. No total, nas categorias A a C (que inclui aqueles que fizeram trabalho temporário no último mês) o número dos sem emprego ascende a 5,7 milhões.

Itália

É o país europeu com maior número de mortos, ficando a nível global apenas atrás dos EUA. A Itália registou na segunda-feira mais 333 mortes, elevando para 26 977 o total desde o início da pandemia. Há ainda a registar mais 1739 casos, para os 199 414. Há ainda 66 624 recuperados. Os casos ativos são assim cerca de 105 mil.

As restrições impostas em Itália a 9 de março vão começar a ser levantadas a 4 de maio, mas o primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte, já avisou que todos vão ter que usar máscaras em locais públicos e continuar com as medidas de distanciamento social. A Itália vai entrar numa era de "responsabilidade e coexistência com o vírus", disse o chefe de governo numa declaração à nação, no domingo.

Nessa mesma intervenção, Conte anunciou o cronograma de retoma da atividade económica. Já esta segunda-feira, as empresas consideradas "estratégicas", nomeadamente aquelas com atividades produtivas e industriais mais orientadas para a exportação (indústria automóvel e moda) puderam reabrir. Empresas de construção e fábricas podem retomar quando tiverem garantidas as condições de segurança para funcionários.

A 4 de maio, haverá a abertura de mais algumas atividades, podendo ser possível passeios nos parques (que vão reabrir) e visitar familiares (mantendo sempre as distâncias de segurança). As reuniões sociais continuam proibidas.

A celebração de funerais será retomada, mesmo que com apenas a presença de 15 pessoas (de preferência ao ar livre e sempre com máscara). A Igreja Católica já lamentou que no cronograma não haja referência ao retomar das cerimónias religiosas, com Conte a ouvir as críticas e a convocar os bispos para consultas.

A 18 de maio, a ideia é reabrir os comércios, museus, estabelecimentos culturais e bibliotecas, estando a reabertura completa de bares e restaurantes prevista para 1 de junho, quando também devem reabrir salões de beleza. As medidas de segurança têm sempre que ser respeitadas.

No desporto, os atletas de desportos individuais podem voltar aos treinos a 4 de maio, mas os de desportos coletivos só o podem fazer duas semanas depois, no dia 18. O que não agradou às equipas de futebol. As competições de futebol devem regressar em junho.

A reabertura das escolas será só em setembro.

A pandemia e as medidas de confinamento paralisaram a economia italiana. Segundo previsões do governo, o país deve entrar em recessão este ano, com uma queda de 8% do PIB. O défice público subirá para os 10,4% do PIB, contra os 2,2% que eram esperados antes do coronavírus, e a dívida pública deve saltar para 155,7% do PIB.

Alemanha

Regresso às aulas na Baviera.

Graças a uma estratégia de testagem alargada, a Alemanha conseguiu responder à pandemia, sem que o seu sistema de saúde ficasse sobrecarregado (ajudou até os países vizinhos), e mantendo os números de mortos controlados.

Esta segunda-feira, a Alemanha confirmou mais 1018 casos de covid-19, num total de 155 193 desde o início da pandemia, e o número de mortos subiu 110 para os 5750. A taxa de infeção caiu há duas semanas abaixo de 1, com o ministro da Saúde, Jens Spahn, a dizer que a pandemia estava controlada.

Mas esse controlo faz com que comecem a surgir críticas, pedindo um rápido levantar do confinamento para começar o mais rapidamente a travar a crise económica.

As restrições começaram a ser levantadas na semana passada, com a abertura dos comércios de até 800 metros quadrados, sendo que cada estado tem liberdade para implementar o calendário que quiser. E os especialistas temem que possa haver uma interpretação criativa das regras, levando a um novo pico.

O uso de máscaras é agora obrigatório nos transportes públicos e, nalguns estados, dentro das lojas, sendo que elas podem ser adquiridas em máquinas de venda automática.

A maior parte das crianças ainda vão continuar em casa, mas há alunos já de volta às aulas, sendo que os que se preparam para os exames vão voltar até dia 4. Nas escolas, as máscaras devem ser usadas nos corredores e durante os intervalos -- nas aulas as carteiras estão a uma distância de segurança umas das outras e é mais fácil a limpeza com desinfetante.

Livrarias, stands de automóveis e lojas de bicicletas também reabriram na semana passada. Os negócios que tinham sido fechados por não serem considerados essenciais, como por exemplo cabeleireiros, vão reabrir também a partir de dia 4.

Grandes eventos e ajuntamentos de pessoas continuam a ser proibidos, pelo menos até 31 de agosto. Restaurantes, cinemas e lojas de grandes dimensões também vão continuar para já fechadas.

Apesar de os alemães concordarem com as medidas de confinamento, e da chanceler Angela Merkel gozar de uma elevada aprovação na forma como lidou com a pandemia, começam a ouvir-se vozes de descontentamento, tanto da extrema-direita como da extrema-esquerda. Este fim de semana houve um protesto em Berlim a pedir "liberdade" e o fim do confinamento.

ALEMANHA
Merkel quer sair em 2021. Vai a pandemia mudar isso?
E os políticos também não poupam críticas. "Quando oiço que proteger vidas deve ser mais importante do que tudo o resto, não acho que seja totalmente verdade" disse o ex-ministro das Finanças e atual presidente do Parlamento alemão, Wolfgang Schäuble, numa entrevista ao Der Tagesspiegel. "Os efeitos enormes económicos, sociais, psicológicos e outros precisam de ser pesados", acrescentou.

O gigante europeu não está imune em termos económicos à pandemia, com as previsões a apontarem para uma contração da economia em 7% em 2020, com o país já tecnicamente em recessão.

No início de abril, havia registo de quase meio milhão de empresas a pedir o apoio do estado, estimando-se que quase nove milhões de trabalhadores estivessem em lay-off. Há especialistas que acreditam que o desemprego, em queda há anos na Alemanha, pode subir para os 6% (era de pouco mais de 3% em fevereiro).

Reino Unido

O país que começou por apostar na ideia de imunidade de grupo até perceber que esta podia implicar 250 mil mortes, não quer para já falar de desconfinamento. Mas aumenta a pressão sobre o governo britânico para apresentar os planos para uma reabertura da economia.

Esta segunda-feira, o Reino Unido anunciou mais 360 mortes por coronavírus nos hospitais, elevando para 21 092 o número total de óbitos desde o início da pandemia. Dados que não incluem, por exemplo, os "milhares de mortos" nos lares de idosos, segundo os trabalhadores da área.

No regresso ao trabalho após ter estado ele próprio infetado (e hospitalizado, com uma passagem pelos cuidados intensivos), Boris Johnson pediu aos britânicos para "conterem a impaciência". O confinamento começou a 23 de março no país.

Admitindo os problemas que o confinamento prolongado representa para a economia, o primeiro-ministro avisou contudo que é preciso "reconhecer o risco de um segundo pico, o risco de perder o controlo do vírus", porque isso "seria não apenas uma segunda vaga de morte e doença, mas um desastre económico".

REINO UNIDO
Boris: da "imunidade de grupo" ao medo do segundo pico
Só em duas semanas no final de março, perto de um milhão de pessoas concorreram a benefícios estatais para lidar com a perda de rendimentos, sendo que o governo implementou também um programa de ajuda às empresas que podem aplicar o lay-off.

As previsões são para uma queda do PIB de 6,8%, se as restrições à economia começarem a ser levantadas já em maio. Se estas continuarem até junho, a situação será ainda pior.

Johnson não se quer comprometer com uma data para o levantamento das medidas de restrição, mas agora que está de volta a Downing Street deverá começar a pensar no plano que poderá aplicar assim que a pandemia estiver mais contida.

O novo líder da oposição, Keir Starmer, quer contudo que o governo comece um diálogo para começar a desenhar o plano de saída do confinamento. O líder do Labour lembrou que o governo foi lento a entrar no confinamento, tem sido lento a fazer mais testes e lento a garantir a proteção necessária ao pessoal médico que está na linha da frente e que tem a oportunidade de corrigir a situação na hora de levantar as restrições.

Na semana passada, os governos autónomos da Escócia e País de Gales publicaram documentos com os princípios que vão guiar o desconfinamento nas regiões e esta segunda-feira a primeira-ministra escocesa, Nicola Sturgeon, disse que revelar as diferentes opções existentes "nos próximos dias".

20.9.17

Abaixo da linha de pobreza no país mais rico da Europa

Texto: António Louçã. Imagem: Carlos Oliveira. Edição: Nuno Patrício, Pedro Pina, in RTP

Em pleno boom económico, a Alemanha tem cada vez mais pessoas a recorrerem à "sopa dos pobres". Em Berlim, a RTP esteve em duas dessas instituições e ouviu pessoas envolvidas - como voluntárias ou como beneficiárias.

Na Wohlankstrasse, em Pankow, os frades franciscanos mantêm desde há vários anos instalações em que qualquer pessoa pode ir comer uma refeição, tomar um duche, receber alguma roupa e passar algumas horas.

Um dos organizadores desta "sopa dos pobres", que faz questão em identificar-se simplestemente como "Irmão Johannes", explicou à RTP o que podem receber as pessoas que se dirigem àquele local em busca de ajuda.

Uma outra explicação dizia respeito às regras de comportamento que foi necessário definir, nomeadamente a proibição de bebidas alcoólicas. O Irmão Johannes constata, simultaneamente, que o número de pessoas a procurar ajuda na Wohlankstrasse tem vindo a aumentar - também em tempos de crescimento económico.

Ulrich Schneider, director-geral de uma organização de combate à pobreza, descreve este agravamento da desigualdade social e da pobreza e apresenta dados concretos que ajudam a explicar o afluxo crescente à "sopa dos pobres".

Klaus Höhne, um voluntário que presta serviço nas instalações dos franciscanos, guiou a RTP pelas secções que Johannes tinha referido, nomeadamente a da distribuição de roupa e calçado e esclareceu que o apoio que não se presta aos beneficiários é o de deixá-los pernoitar no edifício da Wohlankstrasse.

O problema do local onde pernoitar é dramático para alguns dos habituais visitantes da Wohlankstrasse. Um deles, Lutz Wolgas, relatou à RTP as condições que encontra num dormitório público, em que podem suceder roubos ou agressões, sem que a polícia tome quaisquer medidas eficazes.

Ulrich Schneider sublinha a essencial ambiguidade das "sopas dos pobres" - por um lado como ajuda indispensável para muitas pessoas que vivem em situação de pobreza, ou no seu limiar; por outro, como desculpa de políticos e burocratas para fixarem um rendimento mínimo muito baixo, confiando em que alguém porá o que falta.

Na "sopa dos pobres" que funciona junto da estação de comboios do Jardim Zoológico de Berim, nota-se uma proporção muito maior de pessoas sem-abrigo e situações de exclusão social mais extremas. Mas nem só os sem-abrigo e nem só os desempregados recorrem às diversas "sopas dos pobres". Pessoas que têm salários insuficientes para subsistirem, elas próprias e as suas famílias, procuram aí um complemento a esse salário.


2.8.17

Os governos têm de regular a qualidade do emprego oferecido

in Euronews

Segunda parte da entrevista do Insiders com Monika Queisser, responsável do Departamento de Política Social da OCDE, sobre a realidade da prevalência de pobreza relativa na Europa.

Sophie Claudet, euronews: A Alemanha não é o único país da Europa a flexibilizar o mercado laboral. Quais são os outros exemplos?

Monika Queisser: Há vários países que têm implementado reformas nos mercados de trabalho para promover a flexibilidade. Um desses países é a Itália, que aprovou uma disposição que tenta facilitar a entrada no mercado laboral daqueles que costumam estar excluídos. Em França, também está a ser debatida a flexibilização e já há reformas em curso. Muitos destes países estão a tentar facilitar o processo e a torná-lo mais fluido para aqueles que costumam ficar prolongadamente à margem do mercado laboral, incitando ao mesmo tempo o patronato a contratar mais facilmente.

euronews: Mas acontece que isso, muitas vezes, traduz-se no aumento dos chamados trabalhadores pobres…

MQ: Existe, de facto, um risco de agravar o número de trabalhadores pobres. Mas isso depende das políticas implementadas. Na Alemanha, por exemplo, os ditos “mini-empregos” e a flexibilidade do mercado laboral levaram a um contexto onde há realmente muitos trabalhadores pobres. É o segundo país com mais setores mal remunerados a seguir aos Estados Unidos, no âmbito da OCDE. Os governos têm de regular a qualidade do emprego oferecido e garantir que as pessoas recebem bons salários, que os salários mínimos são equilibrados. A Alemanha acabou de implementar o salário mínimo no país. São medidas necessárias para enfrentar a questão do trabalho precário e temporário.

19.4.16

Portugueses na Alemanha solidários e preocupados com crise dos refugiados



Distribuir refeições, selecionar vestuário, organizar atividades desportivas ou até decorar bolos de aniversário são algumas das tarefas que Inês Thomas de Almeida, tal como muitos voluntários em Berlim, faz semanalmente num campo de acolhimento a refugiados na capital alemã.

"Uma vez perguntámos a um miúdo o que é que ele queria de prenda de aniversário. Ele disse que o sonho dele era ter um bolo de chocolate. O miúdo ia fazer 13 anos e fez-se um bolo enorme", contou a portuguesa à agência Lusa em Berlim.

Inês de Almeida referiu que o empenho da sociedade civil na capital alemã "tem sido fundamental para acolher os refugiados e lidar com este problema", lamentando alguns casos de radicalismo e escalada de violência contra os migrantes na Alemanha.

"A rejeição vem do medo que as pessoas têm do outro, da pessoa que é diferente. Todo este movimento enorme que existe na Alemanha trata-se de superar os medos do outro", referiu a portuguesa que vive em Berlim há mais de dez anos, concluindo que "devemos é ajudar".

Vânia Batalha também considera fundamental o trabalho dos voluntários no acolhimento dos refugiados, referindo que "temos de mostrar-lhes que podem ser integrados, que podem viver nesta sociedade. Nós queremos que gostem da nossa cultura e do nosso país".

A voluntária portuguesa acrescentou que evoluiu "gigantescamente por estar a viver a realidade dos refugiados", garantindo que leva para casa "uma vontade muito grande de tentar minimizar ao máximo o trauma que estas pessoas trazem".

A crise dos refugidos tem levado vários portugueses a fazer voluntariado nos campos de receção aos migrantes mas alguns membros da comunidade portuguesa na Alemanha receiam que a entrada de milhares de requerentes de asilo resulte em falta de emprego e insegurança.

José Loureiro, conselheiro das Comunidades Portuguesas na Alemanha, referiu que a crise dos refugiados é um assunto "muito delicado" para a comunidade portuguesa em Estugarda, acrescentado que "as pessoas pensam que o seu posto de trabalho estará em causa e receiam pela segurança civil".

O conselheiro disse que alguns portugueses "transmitem a ideia de que os refugiados são pessoas complicadas, conflituosas e indigentes", mencionando que "sentem que os refugiados têm uma posição privilegiada em relação a eles, que já trabalham aqui há largos anos".

Alfredo Stoffel, conselheiro das Comunidades Portuguesas pelo círculo norte da Alemanha, disse que "o receio da população portuguesa não é diferente do receio da população alemã", complementando que a desunião das principais forças políticas alemãs tem fomentado o crescimento de "partidos xenófobos como o AfD [Alternativa para a Alemanha] e o NPD [Partido Nacional Democrático da Alemanha], que com uma conversa muito fácil atingem o medo das pessoas".

Stoffel assinalou que o discurso nacionalista contra os refugiados na Alemanha assemelha-se às críticas que se verificaram relativamente à vaga de jovens profissionais provenientes do sul da Europa "que vieram destabilizaram algumas regiões, porque eram mão-de-obra mais barata e as pessoas tinham medo que viessem tirar trabalho".

De acordo com dados do Serviço Federal para as Migrações e Refugiado, mais de um milhão de requerentes de asilo registaram-se na Alemanha em 2015, e cerca de 150 mil nos meses de janeiro e fevereiro de 2016. A maioria dos migrantes é proveniente da Síria, Afeganistão, Iraque, Albânia e Kosovo.

26.11.15

Quer agradecer ao país que o acolheu alimentando os sem-abrigo

in Jornal de Notícias

Alex Assali é um refugiado sírio que vive agora na Alemanha. Todos os sábados vai para a estação de comboios de Alexanderplatz, em Berlim, onde distribui gratuitamente refeições quentes aos sem-abrigo que ele próprio confeciona. É a forma que encontrou para agradecer ao país que lhe deu um porto seguro.

Em 2007, Alex fugiu da Síria sem passaporte, sem nada. Teve de deixar a família, em Damasco, porque algumas pessoas desejavam a sua morte por ter criticado o presidente sírio, Bashar al-Assad, num artigo online.

Conseguiu chegar à Europa depois de passar pelo Líbano, Chipre, Egito, Sudão e finalmente pela Líbia. Ficou por lá durante uns anos, local onde começou a ajudar refugiados sírios. Quando chegou ao continente europeu, acabou por assentar na Alemanha, em setembro de 2014.

Na pequena mesa onde tem a comida quente para distribuir, vê-se uma placa onde diz “Give something back to German people” (em português ‘dar algo de volta ao povo alemão’). É esse o lema de Alex.

“Mesmo não tendo muito, vai para a rua distribuir comida aos sem-abrigo”, disse Tabea, uma amiga de Alex. “Ele é uma bênção para muitos outros.”

Tabea, que tirou uma fotografia a Alex e a partilhou nas redes sociais, diz que já receberam mensagens de apoio de pessoas de todo o mundo. “Nunca imaginamos o que este pequeno ‘post’ poderia fazer, mas estamos felizes por trazermos um pouco de luz para o mundo”, contou Tabea.

Fonte: Huffington Post e Daily Mail

3.9.15

Alemanha mostra o seu lado luminoso no acolhimento aos refugiados

por Eva Gaspar, in Negócios on-line

Munique inundada de donativos, brinquedos distribuídos às crianças, bancadas de estádios de futebol vestidas com faixas a dar as "boas-vindas", gente a aplaudir a chegada de autocarros, exército mobilizado para construir abrigos. No acolhimento aos refugiados, o lado luminoso da Alemanha está a tentar ofuscar o outro lado.

Os recentes confrontos entre e a polícia antimotim e os neonazis que protestavam contra um centro de refugiados em Hidenau, no leste da Alemanha, chocaram e deram a volta ao mundo – até porque há registo de quase 200 actos semelhantes só neste ano. Mas haverá uma maioria mais silenciosa que passa menos nas tv’s e que quer – e está – a fazer muito diferente.

Relata o "Independent" que a cidade de Munique foi nesta quarta-feira, 2 de Setembro, inundada de donativos destinados às centenas de refugiados que estão a chegar de comboio vindos de Budapeste, a ponto de polícia se ter visto forçada a pedir por duas vezes para que a população não trouxesse mais alimentos, nem roupa, nem produtos de higiene, nem brinquedos, nem fraldas para bebés.

A onda de solidariedade surgiu depois de a Polícia de Munique ter usado a sua conta oficial no twitter para anunciar pela manhã que estavam cerca de 590 refugiados na principal estação ferroviária da cidade, acrescentando: "Quem quiser ajudar é bem-vindo." Ao início da tarde, teve de emitir um pedido educado para que "por favor, não trouxessem mais donativos", para depois ser obrigada a reforçar a mensagem: "As doações existentes para os refugiados presentes e para aqueles que ainda estão a chegar são suficientes. Obrigado Munique".

Munique tem acolhido milhares de requerentes de asilo e migrantes, sobretudo sírios e iraquianos, que chegam de comboio da Hungria depois de entrarem na Europa através dos Balcãs. Em Budapeste, muitos continuam retidos, depois de as autoridades húngaras terem suspendido temporariamente as partidas internacionais para a Alemanha para tentar fazer o seu recenseamento e alguma triagem.

A onda de solidariedade para com os refugiados da Síria tem sido promovida pelo governo de Angela Merkel, que decidiu acolher todos os seus nacionais e mobilizou o exército para construir abrigos. O Ministério do Interior antecipa que 800 mil refugiados procurarão ao longo deste ano a protecção da Alemanha – quatro vezes mais que em 2014 e mais do que qualquer outro país europeu.

"Se a Europa fracassar na questão dos refugiados, se esta ligação próxima com os direitos humanos universais se quebrar, então esta não será a Europa que desejámos", advertiu nesta semana a chanceler, ao pedir aos demais países europeus que assumam a responsabilidade de receber uma "quota justa".

A imprensa – incluindo o "Bild", o rei dos tablóides, que hoje questiona porque é que tantos depositam as suas esperanças na "mama Merkel" – tem igualmente defendido o dever de acolher quem foge para proteger a sua vida, depois de ter feito igualmente campanha aberta contra o Pegida (Patriotic Europeans against the Islamization of the Occident), que desde Outubro de 2014 organiza demonstrações públicas contra o governo alemão e aquilo que considera ser a islamização do Ocidente.

Nas redes sociais, são também cada vez mais frequentes a troca de fotografias e de vídeos a testemunhar a solidariedade do povo alemão. No último domingo, algumas bancadas de estádios de futebol foram vestidas com faixas a dar as "boas-vindas aos refugiados". E há imagens da população a aplaudir a chegada de autocarros filmadas a partir do seu interior, por refugiados, que as partilham com a hastag "Danke_Deutschland".

Num longo artigo em que descreve as posições antagónicas que a imigração suscita no país e os riscos dessa fractura ser agora ampliada, a Der Spiegel refere o exemplo de um casal de reformados que criou uma rede de apoio para ajudar os recém-chegados, designadamente com as formalidades burocráticas – o alemão está longe de ser uma língua franca – para concluir que se está perante um "movimento popular nunca antes visto na Alemanha".

"No início da década de 1990, houve uma vaga de pessoas dispostas a ajudar os refugiados que chegavam ao país para escapar da guerra na Jugoslávia, mas não foi tão ampla nem numerosa quanto esta", diz Olaf Kleist, pesquisador do Centro de Estudos de Refugiados da Universidade de Oxford, à revista alemã. "É uma clara indicação de que a sociedade alemã está disposta a mudar. É cada vez mais curiosa e aberta ao que vem de fora, à novidade", analisa.

"Há a sensação na Alemanha de que o país mudou num único Verão", escreve também o Guardian numa reportagem alargada sobre o acolhimento alemão aos refugiados.

23.7.15

A Alemanha como problema

Boaventura Sousa Santos, in Público on-line

Devemos aos gregos o trágico mérito de mostrar aos povos europeus que a Alemanha não é capaz de se autoconter.

O maior problema da Europa não é Grécia. É a Alemanha. Há pouco mais de dois anos (5 de Maio de 2013) publiquei um texto neste jornal intitulado O Diktat Alemão no qual descrevia as justificações dadas pela Alemanha no início da Primeira Guerra Mundial para as atrocidades que cometeu contra um pequeno país, a Bélgica, que se recusara a colaborar com os seus desígnios bélicos.

O modo destemperadamente cruel como a Alemanha se está a vingar de um acto de desobediência de um outro pequeno país, a Grécia, obriga-nos a rever a história recente da Europa e, a partir dela, a pensar o nosso futuro comum. Não se trata de ressuscitar fantasmas há muito enterrados e muito menos de supostos sentimentos anti-germanistas que só poderiam accionar, por oposição, sentimentos filogermanistas. Isso aconteceu há setenta anos e as discussões havidas de pouco valeram aos povos europeus (e não europeus) massacrados por uma guerra cruenta. Trata-se apenas de rever as soluções que foram dadas ao problema alemão depois da Segunda Guerra Mundial, de analisar os seus limites e imaginar outras possíveis soluções.

O problema alemão sempre foi o de ser grande de mais para a Europa e pequeno de mais para o mundo. De um lado, o expansionismo dos impérios alemão e austro-húngaro, do outro, uma das mais pequenas potências coloniais europeias, com um curto período colonialista (1884-1919), e sem sequer deixar a língua alemã entre os colonizados, ao contrário do que aconteceu com as outras potências europeias. Para não falar da guerra franco-prussiana (1870-1871), dominada pelo desejo de Bismarck de unificar a Alemanha sob a égide da Prússia e pelo temor da França de que daí adviesse um excessivo domínio alemão sobre a Europa, a arrogância bélica da Alemanha nas duas guerras mundiais do século XX causou uma devastação sem precedentes. Só na Segunda Grande Guerra morreram 60 milhões de pessoas, 3% da então população mundial. Em 1945, a solução encontrada para conter o problema alemão foi a divisão da Alemanha, uma parte sob controle soviético e outra, sob controle ocidental. Esta solução foi eficaz enquanto durou a guerra fria. Com a queda do Muro de Berlim (1989) e a subsequente reunificação da Alemanha houve que encontrar outra solução.

Deve notar-se que a reunificação da Alemanha não foi desenhada como um novo Estado (como muitos democratas da Alemanha Oriental queriam) mas sim como uma ampliação da Alemanha Ocidental. Isso levou a pensar que a solução estava afinal encontrada desde que em 1957 se criara a Comunidade Económica Europeia (mais tarde União Europeia), com a participação da Alemanha Ocidental e com o objectivo, entre outros, de conter o extremo nacionalismo alemão. A verdade é que esta solução funcionava "automaticamente" enquanto a Alemanha estivesse dividida. Depois da reunificação, ela dependeria da autocontenção da Alemanha. Esta autocontenção foi durante os últimos vinte e cinco anos o terceiro pilar da construção europeia, sendo os outros dois o consenso nas decisões e a progressiva convergência entre os países europeus. O modo como foi sendo "aprofundada" a UE foi revelando que os dois primeiros pilares estavam a ceder e a criação do euro deu um golpe final no pilar da convergência. A importância transcendente da crise grega é a de revelar que o terceiro pilar também ruiu. Devemos aos gregos o trágico mérito de mostrar aos povos europeus que a Alemanha não é capaz de se autoconter. A nova oportunidade dada à Alemanha em 1957 acaba de ser desperdiçada. O problema alemão está de volta e não augura nada de bom. E se a Alemanha não é capaz de se autoconter, os países europeus têm rapidamente de a conter. O antigo chanceler alemão, Helmut Schmitt, viu este perigo com ímpar lucidez ao afirmar há muitos anos que, para seu próprio bem e o bem da Europa, a Alemanha não devia sequer tentar ser o primeiro entre iguais. Mal podia ele imaginar que a Alemanha se converteria em poucos anos no primeiro entre desiguais. E não nos sossega pensar que a Alemanha de hoje é uma democracia, se essa democracia for über alles. Não nos esqueçamos de que a terapia da imposição violenta exercida contra a Grécia foi praticada antes contra uma região derrotada da Alemanha, a Alemanha Oriental, durante o processo de reunificação e, de facto, praticada pela mesma personagem, Wolfgang Schäuble, então ministro do Chanceler Helmut Kohl. A diferença crucial foi que, nesse caso, a fúria financeira de Schäuble teve de ser politicamente contida por se tratar do mesmo povo alemão. Os gregos e, daqui em diante, todos os europeus pagarão caro por não serem alemães. Isto, a menos que a Alemanha seja democraticamente contida pelos países europeus. Não vejo muitas vantagens em reagir defensivamente com o regresso ao soberanismo. Em verdade, o soberanismo está já instalado na Europa, só que sob duas formas: o soberanismo ofensivo dos fortes (encabeçado pela Alemanha) e o soberanismo defensivo dos fracos (tentado pelos países do sul, a que se junta, ainda meio atordoada, a própria França). No contexto europeu, o soberanismo ou o nacionalismo entre desiguais é um convite à guerra. Daí que, por mais ténue que seja a possibilidade de êxito, há que tentar reconstruir a União Europeia sobre bases democráticas, uma Europa dos povos onde deixem de dominar burocratas cinzentos e não eleitos ao serviço dos clientes mais fortes ante a distração fácil de representantes democraticamente eleitos mas politicamente desarmados.

Estas soluções não resolverão tudo pois o problema alemão tem outras dimensões, nomeadamente culturais e identitárias, que se revelam com particular virulência em relação aos países europeus do sul. Em carta dirigida ao seu amigo Franz Overbeck, em 14 de Setembro de 1884, Friedrich Nietzsche zurzia "o medíocre espírito burguês alemão" pelo seu preconceito contra os países do sul da Europa: "frente a tudo o que vem dos países meridionais assume uma atitude entre a suspeita e a irritação e só vê frivolidade... É a mesma resistência que experimenta em relação à minha filosofia... O que detesta em mim é o céu claro". E concluía: "um italiano disse-me há pouco: 'em comparação com o que nós chamamos céu, o céu alemão é uma caricatura'". Traduzido para os tempos de hoje, é crucial que os europeus do sul convençam os alemães de que o céu claro do sul não está apenas nas praias e no turismo. Está também na aspiração do respeito pela diversidade como condição da paz, da dignidade e da convivência democrática.

Director do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra