17.11.20

Estado de Direito é “a base de tudo” e uma “obrigação” para todos na UE

Rita Siza, in Público on-line

Avaliação das conclusões do relatório sobre o Estado de Direito na UE arranca esta terça-feira, sob a direcção do ministro alemão para a Europa, Michael Roth. Presidência portuguesa assume condução do processo em Janeiro.

Bélgica, Bulgária, República Checa, Dinamarca e Estónia serão os primeiro cinco Estados membros a ser escrutinados pelos restantes parceiros da União Europeia, esta terça-feira, no âmbito de um processo de avaliação das conclusões do primeiro Relatório Anual sobre o Estado de Direito, elaborado pela Comissão Europeia.

Nesse documento, o executivo identifica debilidades e aponta críticas e preocupações relativamente ao respeito pelas normas democráticas em quatro áreas: a independência do sistema judicial, o combate à corrupção, o pluralismo dos media e o quadro institucional de vigilância e escrutínio das autoridades, da administração e das várias agências públicas e reguladores independentes.

O desempenho de todos os Estados membros foi avaliado segundo essa grelha, e o debate que arranca esta terça-feira pretende alargar a apreciação feita pela Comissão e estabelecer um “diálogo permanente” para uma “compreensão mútua” sobre a cultura do Estado de Direito.

“A União Europeia não é só um mercado único, é antes de mais nada uma união de valores comuns, que queremos defender e fortalecer. E o Estado de Direito não é só mais um valor entre outros, é a base de tudo: democracia, respeito, tolerância e funcionamento das instituições”, lembrou ao PÚBLICO o ministro alemão da Europa, Michael Roth, que presidirá à reunião do Conselho dos Assuntos Gerais, onde o processo de revisão vai decorrer ao longo dos próximos meses, protocolarmente, por ordem alfabética dos países.

Roth, e o comissário europeu da Justiça, Didier Reynders, foram os principais promotores de um novo instrumento de carácter preventivo sobre o Estado de Direito​, e são ainda os grandes entusiastas deste processo de discussão das conclusões do relatório anual relativas a cada país, com o intuito de sinalizar as melhores práticas e trocar ideias sobre possíveis soluções para resolver alguns dos problemas identificados.

“A Comissão fez a sua avaliação e agora no debate com os Estados membros veremos se eles têm a mesma visão e o mesmo entendimento do Estado de Direito, e se a troca de ideias sobre as melhores práticas terá alguma influência e levará a mudanças e melhorias da situação nalguns Estados membros”, explicou o comissário europeu.

Michael Roth comparou a audição ao início de uma nova aventura: “É um ponto de partida”, disse, acrescentando que “o primeiro passo é o mais importante, porque temos de convencer todos os colegas do Conselho de que este instrumento não se foca num ou dois mas em todos. O Estado de Direito é uma obrigação para todos nós”, insistiu.

Numa entrevista conjunta de antecipação da reunião desta terça-feira (por videoconferência), os dois responsáveis admitiram que a discussão no Conselho será mais fácil para alguns países do que outros. “Há diferentes níveis de ambição e para alguns Estados membros é extremamente difícil discutir a independência dos tribunais porque, na sua opinião, têm que ser respeitadas as tradições, as culturas e os procedimentos nacionais”, reconheceu Michael Roth.

Por essa razão, o debate será limitado ao conteúdo do relatório produzido pela Comissão, “uma base objectiva” que colocou os 27 Estados membros em pé de igualdade. O executivo, lembrou Reynders, usou a mesma metodologia e seguiu a mesma abordagem nas centenas de contactos e visitas para a elaboração do relatório, junto das autoridades e organizações da sociedade civil nacionais.

Os cinco primeiros Estados membros sob avaliação constituem “uma boa amostra”, considerou Roth, uma vez que formam um “grupo muito diverso” de países mais antigos e mais recentes, da fundação e do alargamento da UE. A Bulgária é onde a situação se apresenta mais frágil do ponto de vista do Estado de Direito. No seu relatório, a Comissão manifesta uma “séria preocupação” com a composição e o funcionamento do Supremo Conselho Judicial do país, e também com a “eficácia da investigação, acusação e adjudicação dos processos por corrupção, incluindo ao mais alto nível”.

Mas o executivo também exprimiu dúvidas quanto à capacidade do sistema criminal para combater a corrupção e a lavagem de dinheiro na República Checa, “onde investigações e auditorias estão actualmente em curso, ao nível nacional e europeu, sobre potenciais conflitos de interesse no uso de fundos da União Europeia”.

Os dois responsáveis sublinharam que o relatório anual é apenas uma das várias ferramentas com que a UE pode afinar o respeito pelas normas democráticas, e que a capacidade de actuação das instituições comunitárias para pressionar e promover o Estado de Direito não se esgota no debate que ele deverá suscitar. “Temos mais instrumentos”, notou Reynders, referindo-se aos processos de infracção que a Comissão pode levantar, junto do Tribunal de Justiça ou no âmbito do artigo 7.º do Tratado de Lisboa, ou ao novo mecanismo que vai ligar o financiamento comunitário ao Estado de Direito.

Para contrariar a ideia de que estes instrumentos não tiveram, até agora, consequências em termos da correcção das violações das normas do Estado de Direito, o comissário da Justiça chamou a atenção para os efeitos imediatos da publicação do relatório. “Já temos algumas propostas a vir dos Estados membros para responder ao documento”, informou, dizendo ter recebido planos para reformas da Bulgária, Croácia, Eslováquia ou Malta. “Tenho uma longa lista de exemplos de como este processo pode ter uma grande influência”, garantiu.

No primeiro semestre de 2021, a condução do debate no Conselho dos Assuntos Gerais caberá à presidência portuguesa da UE, que já se comprometeu a prosseguir o debate, se necessário com ajustamentos para que este se torne “mais visível”. No segundo semestre, a responsabilidade passa para a Eslovénia — ao mesmo tempo que a Comissão estará a ultimar o segundo relatório anual. A expectativa de Reynders é “poder apontar para melhorias e progressos em áreas onde antes tínhamos identificado problemas”.