Samuel Silva, in Público on-line
Percentagem daqueles que não estudam nem trabalham após terminarem o ensino secundário recuou ligeiramente nos últimos dois anos. Raparigas com maior dificuldade em encontrar emprego.
São maioritariamente raparigas, vindas de famílias onde as qualificações não vão além do ensino básico e tiveram notas medianas durante o seu percurso escolar. É este em traço grosso o perfil dos jovens que não estudam nem trabalham, segundo um relatório da Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC) publicado esta semana. Foram cerca de 6000 os que concluíram o ensino secundário no ano lectivo de 2018/2019 e que estão agora nesta situação.
De acordo com o estudo que faz o retrato dos finalistas de 2018/19, mais de dois terços (70%) dos que estão inactivos concluíram um curso profissional ao nível do ensino secundário (precisamente o tipo de ensino mais vocacionado para a inserção no mercado de trabalho). O relatório assinala também uma “maior concentração”, neste grupo, de pessoas que concluíram a escolaridade obrigatória através de cursos vocacionais (23%).
Em sentido contrário, a percentagem mais elevada de jovens que prosseguem estudos, nomeadamente para o ensino superior, são provenientes de cursos científico-humanísticos (83%).
De acordo com a DGEEC, terminaram o 12.º ano em 2018/2019 um total de 97.150 alunos. Aqueles que não estudam nem trabalham constituem 6% desta população. São cerca de 6000.
A grande maioria destes jovens teve percursos escolares medianos. Mais de 60% obtiveram uma média de conclusão do ensino secundário entre os 10 e os 14 valores. “O menor sucesso escolar é um facto de maior desapego da continuidade do percurso académico”, sublinha a socióloga Ana Paula Marques, investigadora da Universidade do Minho, que tem estudo os percursos dos jovens.
O estudo Jovens no Pós-Secundário, é publicado regularmente pela DGEEC. A última edição, que saiu esta semana, tem por base um inquérito aplicado no ano lectivo passado a estudantes que tinham terminado o ensino secundário nos 14 meses anteriores. Este trabalho apresenta contudo uma metodologia diferente que permite traçar um retrato dos jovens que não estudam nem trabalham.
Portugal com mais “nem-nem"
A maioria deles provém de famílias com baixas qualificações. As habilitações dos pais de dois terços destes jovens não vão além do ensino básico. Há também uma maior proporção (53%) de mulheres no grupo dos que estão inactivos um ano após a conclusão do ensino secundário. Pelo contrário, há mais rapazes (54%) entre aqueles que estão exclusivamente a trabalhar depois de terminarem o 12.º ano.
“Os homens estão mais ligados ao mercado de trabalho”, analisa Ana Paula Marques, enquanto “as práticas de discriminação são sobretudo visíveis nas mulheres”, a quem são conferidas menos oportunidades de emprego e também menor qualidade nas propostas, quer em termos de duração dos contratos, quer de tipo de vínculo.
Aqueles que “não estudam, nem trabalham”, tal como são considerados neste estudo da DGEEC, não cabem por completo na categoria “nem-nem” que os estudos científicos e relatórios internacionais como os da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) consideram, alerta a socióloga da Universidade do Minho. Isto porque, de acordo com o relatório agora publicado, estes jovens mostraram “algumas diligências” para encontrar emprego. Não estão conformados com a sua situação.
Mais estudam e trabalham ao mesmo tempo
Pouco mais de um ano após a conclusão do ensino secundário, 62% dos jovens continuam a estudar, de acordo com o relatório Jovens no Pós-Secundário em 2019, publicado pela DGEEC. Dentro deste grupo, quase todos (98%) frequentam o ensino superior. A opção mais habitual é uma licenciatura numa instituição universitária (65%).
O número de jovens que prossegue estudos após o ensino secundário sofre um ligeiro recuo em relação ao relatório de há dois anos (menos 1,2 pontos percentuais). Em contrapartida, cresce (1 ponto percentual) a percentagem dos que, 14 meses após o final do 12.º ano, estão exclusivamente a trabalhar (23%).
Com a economia e o mercado de trabalho em crescimento nos últimos anos, os jovens tiveram maior facilidade de encontrar um trabalho, o que desviou alguns do prosseguimento de estudos – uma realidade que já tinha sido sublinhada pelos responsáveis das instituições de ensino superior nos últimos concursos nacionais de acessos. De acordo com o relatório da DGEEC, também aumento (1,2 pontos percentuais) os jovens que estudam e trabalham em simultâneo. São agora 8%.
Por exemplo, 77% dizem já ter pedido ajuda a um familiar ou amigo para arranjar trabalho, enquanto 75% relatam ter apresentado candidaturas espontâneas e outros 46% responderam a anúncios. “Não são jovens desligados, que desistiram”, sublinha Ana Paula Marques.
Essa diferença na forma de contabilizar os jovens inactivos explica a diferença entre os dados da DGEEC e os indicadores internacionais. No estudo agora publicado, aqueles que, pouco mais de um ano após o final do ensino secundário, não estudam nem trabalham, representam 6%, tendo recuado em relação ao relatório anterior, publicado há dois anos (menos 0,4 pontos percentuais). Uma variação ligeira, em linha com o que acontece com as outras vias seguidos por estes jovens (ver caixa).
Já na edição do ano passado do relatório Education at a Glance, da OCDE, Portugal estava entre os países onde havia mais jovens “nem-nem”, partilhando o problema com Itália, Espanha e Grécia. Cerca de 3% dos jovens dos 18 aos 24 anos estão desempregados há mais de um ano e não estão a estudar, o que é o dobro da média da OCDE.
Segundo o estudo da DGEEC, a esmagadora maioria (74%) dos jovens que não estudam nem trabalham procuram um emprego “para obter independência financeira”. Mais de metade deste grupo (53%) está ou esteve inscrito num centro de emprego.