Em quatro anos, voltaram às casas de acolhimento pelo menos 67 crianças que já tinham sido adotadas ou que estavam em período de pré-adoção. Se compararmos com o número de crianças que foram adotadas desde 2016 (935), as crianças devolvidas representam 7,2%. Investigadores e técnicos reconhecem o problema e criticam a falta de acompanhamento depois da adoção. No próximo ano, arranca um projeto para monitorizar as necessidades de 270 famílias adotantes que serão acompanhadas durante três anos.
"Uma criança retirada à família biológica, que viveu numa instituição, foi adotada e volta ao acolhimento já foi revitimizada muitas vezes", diz Maria Barbosa Ducharne, do Grupo de Investigação e Intervenção em Acolhimento e Adoção (GIIAA) da Universidade do Porto. Só em 2019, segundo o relatório CASA, sete crianças adotadas e duas em fase de pré-adoção voltaram ao acolhimento. Foram 19 em 2018, 15 em 2017 e 24 em 2016.
Má gestão das expectativas
Ducharne acredita que há "pais que não estão preparados para uma criança que sofreu de maus-tratos, negligência e abandono, e criam expectativas que não são a realidade". Para as crianças que voltam ao sistema de acolhimento, pode ser um afastamento provisório da família adotiva com vista a uma reunificação. Mas isso pode não suceder .
Para a investigadora, "há uma necessidade demonstrada cientificamente de apoiar estas famílias no pós-adoção". Isso não acontece em Portugal. Está previsto na lei, desde 2015, o acompanhamento, mas só no caso de solicitação à Segurança Social.
A Casa de Acolhimento Crescer a Cores, em Castelo de Paiva, é exemplo de uma instituição que está à espera de vaga para acolher uma criança que foi devolvida. "Uma família que vende sonhos e depois volta a entregá-los é muito duro. Devia haver acompanhamento sistemático destas famílias, para terem retaguarda e saberem a quem recorrer, isso evitava muitas devoluções. Vêm muitas vezes bater-nos à porta", refere Marlene Gomes, assistente social.
Isabel Pastor entende que "há disrupções em todas as famílias; muitas vezes nem os pais biológicos têm capacidade de resolver crises de comportamento". A diretora da Unidade de Adoção da Santa Casa de Lisboa diz que há resposta quando há pedido de apoio. Mas defende que é "importante que as famílias possam ter um seguimento que não esteja apenas dependente do seu pedido, até para prevenir problemas".
Em janeiro, vai avançar o projeto "Follow up em pós-adoção", do GIIAA, em colaboração com o ISCTE e a Segurança Social - que não respondeu ao JN. Vai abranger 270 famílias que adotaram crianças de diferentes idades e em diferentes anos. Uma equipa de psicólogos vai monitorizar necessidades e criar uma plataforma de apoio à distância. "A ideia é identificar os problemas o mais precocemente possível", explica Ducharne, cujo projeto foi financiado pela FCT. "Uma vez validado que o acompanhamento é eficaz, depois será provavelmente um recurso que estará disponível a todas as famílias adotantes".