20.11.20

Dezenas de crianças adotadas foram devolvidas ao Estado

Catarina Silva, in JN

São mais de 7% do total de adoções em quatro anos. Especialistas alertam para falhas no acompanhamento das famílias.

Em quatro anos, voltaram às casas de acolhimento pelo menos 67 crianças que já tinham sido adotadas ou que estavam em período de pré-adoção. Se compararmos com o número de crianças que foram adotadas desde 2016 (935), as crianças devolvidas representam 7,2%. Investigadores e técnicos reconhecem o problema e criticam a falta de acompanhamento depois da adoção. No próximo ano, arranca um projeto para monitorizar as necessidades de 270 famílias adotantes que serão acompanhadas durante três anos.

"Uma criança retirada à família biológica, que viveu numa instituição, foi adotada e volta ao acolhimento já foi revitimizada muitas vezes", diz Maria Barbosa Ducharne, do Grupo de Investigação e Intervenção em Acolhimento e Adoção (GIIAA) da Universidade do Porto. Só em 2019, segundo o relatório CASA, sete crianças adotadas e duas em fase de pré-adoção voltaram ao acolhimento. Foram 19 em 2018, 15 em 2017 e 24 em 2016.

Má gestão das expectativas

Ducharne acredita que há "pais que não estão preparados para uma criança que sofreu de maus-tratos, negligência e abandono, e criam expectativas que não são a realidade". Para as crianças que voltam ao sistema de acolhimento, pode ser um afastamento provisório da família adotiva com vista a uma reunificação. Mas isso pode não suceder .

Para a investigadora, "há uma necessidade demonstrada cientificamente de apoiar estas famílias no pós-adoção". Isso não acontece em Portugal. Está previsto na lei, desde 2015, o acompanhamento, mas só no caso de solicitação à Segurança Social.

A Casa de Acolhimento Crescer a Cores, em Castelo de Paiva, é exemplo de uma instituição que está à espera de vaga para acolher uma criança que foi devolvida. "Uma família que vende sonhos e depois volta a entregá-los é muito duro. Devia haver acompanhamento sistemático destas famílias, para terem retaguarda e saberem a quem recorrer, isso evitava muitas devoluções. Vêm muitas vezes bater-nos à porta", refere Marlene Gomes, assistente social.

Isabel Pastor entende que "há disrupções em todas as famílias; muitas vezes nem os pais biológicos têm capacidade de resolver crises de comportamento". A diretora da Unidade de Adoção da Santa Casa de Lisboa diz que há resposta quando há pedido de apoio. Mas defende que é "importante que as famílias possam ter um seguimento que não esteja apenas dependente do seu pedido, até para prevenir problemas".

Em janeiro, vai avançar o projeto "Follow up em pós-adoção", do GIIAA, em colaboração com o ISCTE e a Segurança Social - que não respondeu ao JN. Vai abranger 270 famílias que adotaram crianças de diferentes idades e em diferentes anos. Uma equipa de psicólogos vai monitorizar necessidades e criar uma plataforma de apoio à distância. "A ideia é identificar os problemas o mais precocemente possível", explica Ducharne, cujo projeto foi financiado pela FCT. "Uma vez validado que o acompanhamento é eficaz, depois será provavelmente um recurso que estará disponível a todas as famílias adotantes".