30.11.20

Confinamento. Teletrabalho, precariedade e rendas vão agravar brutalmente desigualdade em Portugal

Luís Reis Ribeiro, in Dinheiro Vivo

Durante o período da troika, a desigualdade aumentou, mas desde 2015 que estava a melhorar. Estudo citado pelo FMI avisa Portugal: vai ser das sociedades mais dilaceradas pelo confinamento.

Portugal trilhou um caminho nos últimos anos em que conseguiu reduzir o nível de desigualdade na distribuição de rendimentos (índice de Gini ou IG). Mesmo com este progresso, em 2019, o País continuava a ser o nono mais desigual da Europa, isto é, tem o nono fosso mais fundo entre ricos e pobres. Um pouco mais cavado do que em Chipre, ligeiramente menos que no Luxemburgo.

Apesar dos avanços desde 2015, a crise pandémica pode virar totalmente este tabuleiro, empurrando a desigualdade para perto de níveis considerados perigosos para a paz e a coesão social. De acordo com uma análise apresentada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), a economia portuguesa é das mais vulneráveis e arrisca a enfrentar um dos maiores agravamentos da desigualdade da Europa; o País pode estar perante uma bomba relógio social.

Segundo um estudo citado pelo FMI, as medidas de confinamento estão a empurrar para as margens os que não têm possibilidade de adotar regime de teletrabalho, os mais precários, sobretudo os mais jovens, e os mais expostos ao mercado do arrendamento.

O referido artigo intitulado "Desigualdade salarial e os efeitos da pobreza e do distanciamento social na Europa" mostra que Portugal, Espanha e Chipre são os três países da Europa que enfrentam a maior ameaça que é o alastramento da desigualdade. Os autores são Juan Palomino, da Universidade de Oxford, e Juan Rodríguez e Raquel Sebastian, ambos da Universidade Complutense de Madrid.

Os economistas decidiram calcular o impacto no Índice de Gini na sequência de um período de confinamento, seguido de aberturas graduais. Assumiram um período de confinamento de dois meses e depois disso seis meses de reabertura das atividades, ainda parcial.

Os efeitos no tecido social e no fosso entre ricos e pobres são devastadores. De acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE), o coeficiente ou índice de Gini "é um indicador de desigualdade na distribuição do rendimento sintetiza num único valor a assimetria dessa distribuição". "Assume valores entre 0 (quando todos os indivíduos têm igual rendimento) e 100 (quando todo o rendimento se concentra num único indivíduo)", sendo que "este indicador é construído com base no rendimento monetário anual líquido das famílias".

No estudo divulgado pelo FMI, em Chipre, o aumento "previsível" da desigualdade na sequência do binómio confinamento/abertura parcial é de quase oito pontos, o que colocaria o IG cipriota em quase 39 pontos.

Espanha e Portugal surgem logo a seguir, registando o segundo pior impacto, com o coeficiente da desigualdade de ambos os países a piorar quase seis pontos. No caso de Portugal, significa que o nível de desigualdade, que durante os anos da troika se agravou, mas que desde 2015 estava a melhorar, pode facilmente chegar aos 38 pontos.

O Banco Mundial considera que até aos 40 pontos a situação de desigualdade é relativamente comportável, mas que de 40 para cima a situação passa a ser preocupante, problemática, causadora de fissuras sociais ameaçadoras.

Ou seja, por causa da pandemia e das medidas restritivas subsequentes, Portugal ficará à beira desse limite crítico. Espanha também.

O mesmo trabalho também mostra que a desigualdade tende a piorar na maioria dos países mais ricos, embora essa evolução assuma uma menor gravidade nos muito ricos, claro. Na lista de impactos previsíveis, os economistas espanhóis consideram que a Dinamarca será o território menos afetado pelo fenómeno. Mesmo assim, o respetivo IG sobe 3 pontos. É cerca de metade do caso português.

O que explica que alguns países sofram mais do que outros?

Para o FMI, é claro que a pandemia alargue o fosso da inclusão social em alguns territórios, como Espanha e Portugal.

"O impacto da pandemia será particularmente agressivo para os trabalhadores com baixas qualificações e temporários", sobretudo para os que estão envolvidos nos setores do turismo e da hospitalidade, observa o Fundo.

A Comissão Europeia e o Banco de Portugal fazem o mesmo tipo de aviso. O ajustamento à pandemia na economia portuguesa tende a ser mais duro e difícil por causa da exposição ao turismo (hotéis, restaurantes), setor onde não é possível trabalhar à distância.

Os trabalhadores com menor nível de qualificações são também aqueles que se defrontam com "menos opções de teletrabalho", um canal que amplifica o efeito devastador da pandemia numa parte muito específica da população e com elevada dimensão.

Segundo o INE, no terceiro trimestre, apenas 13% dos trabalhadores em Portugal estavam em teletrabalho, cerca de 644 mil pessoas num total de quase 4,8 milhões de empregados. Com a abertura gradual das atividades, o número de teletrabalhadores afundou quase 40% face aos três meses mais marcados pelo confinamento (abril a junho). Quase 400 mil voltaram ao trabalho presencial ou ficaram sem emprego pois muitas empresas simplesmente faliram ou foram esmagadas por uma forte quebra na procura.

A análise do FMI, com base no artigo dos economistas espanhóis, refere que o índice de teletrabalho na camada dos trabalhadores com menos qualificações é muito baixo em países como Portugal, Itália, Espanha e Grécia. E bastante mais elevado na Escandinávia (Noruega, Dinamarca, etc.), o que ajuda a amortecer o impacto negativo num quadro de confinamento, em que se limita o trabalho presencia.

Isto significa que os trabalhadores menos qualificados, com salários mais baixos (mais pobres, por assim dizer) e mais precários em Portugal são os que mais facilmente ficam sem trabalho ou são obrigados a parar, logo ficam sem sustento sempre que o confinamento aperta.

O FMI refere ainda que "as perdas de rendimento" decorrentes desta situação podem tornar a vida desses trabalhadores ainda mais difícil pois tendem a "agravar" o fardo do custo da habitação, que é fixo. Por exemplo, "se os preços do arrendamento não ajustam em simultâneo", esta população trabalhadora será ainda mais marginalizada, alimentando o problema da desigualdade.