19.11.20

Potenciadas pela pandemia, aumentaram as consultas online de psicologia

Hugo Moreira, in Público on-line

Ainda que se debatam as vantagens e desvantagens de ter consultas através de um ecrã, o consenso é de que ajudou a colmatar as restrições da pandemia.

Foi a partir de Março, quando a pandemia obrigou os portugueses a ficarem em casa, que Marta, 22 anos, deixou de ir ao consultório para passar a falar com a sua terapeuta à distância. As consultas de psicologia “à distância” não eram uma raridade, mas passaram a ganhar adeptos de forma “exponencial” depois da covid-19 ter mudado as nossas vidas, confirma David Neto, presidente do conselho de especialidade de psicologia clínica e da saúde da Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP).

Justifica-se não só com transição para o online de clientes regulares, mas também com maior procura de quem nunca teve ajuda psicóloga, acrescenta o especialista, salvaguardando que os profissionais devem transpor para o online os mesmos princípios aplicados em consultório. “Os estudos que existem, para já, apontam para taxas de sucesso [entre os dois tipos de consultas] equiparadas”, acrescenta.

Desde muito antes da pandemia que as consultas à distância eram já uma realidade para a WeCareOn. Criada por Paula Ribeiro, disponibiliza desde 2015 consultas de psicologia através da Internet. A criadora conta que foram os primeiros a apresentar o serviço no país e que teve que “validar” com aOPP a legalidade do projecto. “As pessoas começaram a ter mais atenção à sua saúde mental”, justifica Paula Ribeiro face à procura crescente e argumenta que muitos dos clientes “nunca procurariam consultas de psicologia” se o contexto não fosse online. A videochamada é a estratégia mais procurada, mas também há consultas por chamada de voz, chat ou e-mail.

O aumento não se verifica só nos clientes individuais. “Desde Março temos tido muitas empresas a procurar os nossos serviços”, confirma Paula Ribeiro, sendo que antes da pandemia “a maior parte das empresas não apostava muito” em oferecer consultas aos colaboradores.

Sem a Internet, a Blind Talk era impossível, explica Gonçalo Neves, co-criador da plataforma que disponibiliza sessões de esclarecimento com psicólogos, mas em regime de anonimato. O serviço “não é de intervenção, mas sim de aconselhamento” sobre como é que a psicologia pode ajudar, sublinha. Porquê o anonimato? “O receio da forma como o problema vai ser recebido ou a vergonha de falar de determinado assunto”, exemplifica. O objectivo é que depois da sessão se possa procurar uma intervenção já sem esconder a identidade.
Resultados “fáceis e rápidos”

Por estes dias, 100% das consultas de Gonçalo Neves são online. O psicólogo admite que quer os seus colegas quer os doentes tenham algumas reservas em relação a este método, mas sublinha que “os estudos que têm saído confirmam que há um efeito terapêutico” nas consultas feitas à distância.

Paula Ribeiro confirma que as métricas e estudos revelam que “na maioria dos casos, os resultados nas consultas online são mais fáceis e rápidos”. Em parte, porque as pessoas estão “em casa na sua zona de conforto”, conseguindo “explicar muito mais rapidamente a sua história do que numa sessão presencial”. Contudo, diz ser “fundamental criar um bom setting terapêutico online” para garantir que “a tecnologia está lá para suportar e não para ser dificultar”.

David Neto da OPP não é tão confiante quanto quem já pratica este género de consulta. “As pessoas consideram os consultórios lugares seguros. Já tive experiência de consultas à distância em que as pessoas falam mais baixinho quando se abrem sobre outras pessoas que estão na mesma casa”, testemunha. Experiência semelhante tem Marta, estudante de Relações Internacionais, confirmando sentir algum “desconforto” e “confusão” por não se conseguir “desligar” do seu ambiente. O consultório ajudava-a a “distanciar e centrar no que era preciso processar”. Se a pandemia acabasse hoje, não duvida que “a decisão seria regressar ao consultório”. “Mas é completamente possível fazer-se online e acho que é essencial, sobretudo nesta altura em que tanta gente precisa”, reconhece.

O representante da OPP lembra que o novo contexto permite pelo menos manter o acompanhamento, ajuda a “combater as desigualdades” no acesso ao apoio psicológico em diferentes regiões do país e permite “reduzir custos”. Reitera ainda a importância de procurar profissionais credenciados, e reconhece que esta é uma ferramenta que veio para ficar. “E ainda bem”, conclui.