19.11.20

Portugal assume papel de “bom aluno” na resposta orçamental à crise

Sérgio Aníbal e Rita Siza, in Público on-line

OE 2021 tem uma maioria de medidas de carácter temporário no combate à crise. Uma preocupação com a situação futura das finanças públicas que Bruxelas aplaude, mas os partidos à esquerda no parlamento criticam.

Com uma resposta orçamental à crise baseada essencialmente em medidas de carácter temporário, o Governo português parece estar, principalmente no Orçamento do Estado para 2021 (OE2021), decidido a seguir as recomendações de entidades como a Comissão Europeia e o Banco de Portugal, que pedem que os apoios à economia sejam dados com a preocupação de não deixar a dívida pública derrapar ainda mais no futuro próximo. O risco desta estratégia prudente é que a retoma da economia seja mais lenta e fique demasiado dependente dos fundos europeus.

Na análise às economias dos Estados-membros da UE que publicou esta quarta-feira no âmbito do pacote de Outono do Semestre Europeu, a Comissão Europeia reafirmou o apelo que tem vindo a fazer a todos os governos: é preciso “reconciliar a necessidade de apoio à economia com um desempenho e uma sustentabilidade orçamentais prudentes no médio prazo”, pelo que “as medidas de apoio devem ser temporárias e não comprometer a política orçamental no período pós-crise”.

É uma mensagem semelhante à transmitida esta semana por Mário Centeno que, numa conferência do Banco de Portugal, disse que as medidas anticrise devem ter um “carácter temporário” e actuar essencialmente “nas margens”, uma vez que o elevado nível de dívida não permite uma intervenção “massiva”.

Aparentemente, olhando para os números apresentados no relatório de análise às propostas de orçamento dos diversos Estados-membros, o governo português parece decidido a cumprir estes conselhos. A Comissão Europeia coloca Portugal como um dos três países da zona euro em que o impulso orçamental (o apoio dado à economia pelo Estado) previsto para 2021 é, retirando da análise as medidas de emergência, é negativo. Os outros dois países são a Bélgica e a Finlândia. E quando se soma também o impulso dado em 2020, Portugal fica com o segundo valor mais baixo, apenas acima da Irlanda.

As medidas de emergência que não são aqui contabilizadas são aquelas que foram tomadas para combater directamente a pandemia (por exemplo com a compra de equipamentos de saúde) e as que têm como objectivo compensar os rendimentos que estão a ser perdidos pelos trabalhadores e as empresas (como por exemplo o layoff simplificado). São medidas de carácter temporário, aquelas que a Comissão Europeia defende que devem ser as mais utilizadas, principalmente por países que chegaram à crise com um nível de endividamento público já elevado.

No caso de Portugal, também de acordo com as contas da Comissão Europeia, as medidas temporárias representam quase 90% de todas as medidas anticrise que o Governo pretende adoptar em 2021. No total da zona euro, esse número fica mais próximo de 75%.

Se para o estado das finanças públicas pode ser mais prudente, apostar essencialmente em medidas de emergência e temporárias aumenta o risco, reconhece a própria Comissão Europeia, de não dar à economia uma ajuda mais forte para esta entrar fase de recuperação.

Aliás, nas conclusões de mais uma missão de monitorização pós-programa de assistência financeira, Bruxelas aponta o baixo nível de investimento do país como um possível entrave à recuperação da crise. Este é um problema que Portugal, como outros países mais preocupados com a sustentabilidade da sua dívida pública, pode enfrentar.

Nestes casos, a solução apresentada está na utilização do fundo de recuperação europeu, que não agrava o nível da dívida. E Portugal parece claramente ser um dos países mais dependentes deste instrumento para fortalecer a retoma da sua economia.

Na discussão do OE 2021 que decorre neste momento no parlamento, os partidos à esquerda do Governo têm vindo a acusar o executivo de estar demasiado preocupado com a saúde das finanças públicas e de não estar a fazer o suficiente para apoiar a economia. Em resposta às recomendações feitas por Mário Centeno, Mariana Mortágua, deputada do Bloco de Esquerda, defendeu que “é um erro deixar o Banco de Portugal governar no Terreiro do Paço”.

O peso da dívida

Na apresentação do pacote de Outono do Semestre Europeu, a Comissão anunciou, sem surpresa, Portugal como um dos doze países da União Europeia onde se verificam “desequilíbrios excessivos”. Era o que já acontecia antes da crise. Por causa disso, vai ser objecto de uma avaliação aprofundada por parte dos serviços da Comissão, para “identificar e aferir” a severidade do impacto das medidas lançadas em resposta à situação de pandemia nas contas públicas.

Bruxelas assinalou que, em todos os países da UE verificou-se uma subida da dívida pública, justificada com a urgência do combate à covid-19, mas também explicada pelo efeito da queda do PIB. Isso quer dizer que este aumento poderá ser parcialmente corrigido no próximo ano, se as previsões de crescimento económico se concretizarem.

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Mas a Comissão não exclui que os países que antes da crise já apresentavam níveis preocupantes de endividamento, como Portugal, tenham de fazer um novo esforço de ajustamento para estabilizar os seus exercícios orçamentais a médio prazo.

“Tendo em conta o nível da dívida pública, e os importantes desafios de sustentabilidade a médio prazo já antes do surto da pandemia de covid-19, é importante garantir que as medidas orçamentais de apoio adoptadas preservem a sustentabilidade orçamental a médio prazo”, recomenda a Comissão, no seu parecer sobre o projecto de plano orçamental para 2021 enviado por Lisboa.

Um aviso que não seguiu só para Portugal: países como a Espanha, França e Itália devem ser especialmente cautelosos na sua política, para não comprometer os termos do seu financiamento e a sua capacidade de serviço da dívida, diz a Comissão.

De resto, Paris e Roma (e ainda Bratislava e Vilnius) receberam um aviso adicional, uma vez que os seus planos orçamentais incluem várias medidas que “não parecem ser temporárias ou estarem acompanhadas de medidas de compensação” e podem ter um reflexo negativo em termos macroeconómicos.

Só que ao mesmo tempo que alerta para a necessidade de garantir a sustentabilidade das contas públicas, a Comissão nota que as circunstâncias actuais ainda obrigam os países a operar num quadro de emergência, e que não estão reunidas as condições para retirar as medidas extraordinárias ou voltar a aplicar as regras de disciplina orçamental do PEC.