José Volta e Pinto, in Público on-line
Dos dez concelhos com maior taxa de incidência a 14 dias por 100 mil habitantes, cinco estão entre os 13 municípios com mais jovens do país. População jovem é um factor de contágio, mas a elevada transmissão só pode ser explicada pela conjugação de características como as actividades profissionais predominantes e contextos familiares nos territórios, explica especialista.A lista das taxas de incidência a 14 dias de novos casos por cem mil habitantes dos concelhos, divulgada na segunda-feira pela Direcção-Geral da Saúde (DGS), é liderada por Paços de Ferreira, Lousada, Vizela, Manteigas, Paredes e Penafiel. Destes seis municípios, cinco estão entre os 13 com menor número de idosos por cada 100 jovens, de acordo com dados de 2019 do Instituto Nacional de Estatística (INE).
A excepção à regra é o município beirão de Manteigas, o quarto com maior taxa de incidência: é o 285.º concelho de Portugal continental com menor índice de envelhecimento, ou, se quisermos, o 24.º com mais idosos por cada 100 jovens (399,6).
Paços de Ferreira e Lousada são os dois únicos concelhos no país com mais de três mil novos casos por 100 mil habitantes (3698 e 3362, respectivamente) e são também os mais jovens dos enumerados no parágrafo anterior: Lousada está apenas atrás de Mafra na tabela do índice de envelhecimento, com 98,1 idosos por cada 100 jovens. Este indicador do INE considera como idosas as pessoas com 65 ou mais anos e jovens aqueles que têm entre 0 e 14 anos.
A segunda vaga da pandemia tem atingido predominantemente as faixas etárias mais jovens, nas quais têm sido identificados mais casos, mas com taxas de internamento e de letalidade menores. Os dados da DGS indicam que cerca de 45% dos casos identificados em Portugal desde o início da pandemia foram pessoas com menos de 40 anos – quase 107 mil casos – mas apenas dez dos óbitos se verificaram nesse grupo etário. E, de acordo com a ministra da Saúde, Marta Temido, apenas 4% dos internados neste momento são pessoas com menos de 40 anos.
População jovem é um de muitos factores
O facto de haver uma população mais jovem não justifica, só por si, um agravamento de casos nestes concelhos da região do Tâmega e Vale do Sousa (e arredores, no caso de Paredes, pertencente à Área Metropolitana do Porto, e Vizela, da região do Vale do Ave). As diferenças nas situações epidemiológicas que existem entre várias regiões do país têm de ser analisadas com base nas características dos respectivos tecidos populacionais, como explica Teresa Sá Marques, geógrafa da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP).
A investigadora explica que a juventude é “um factor de um conjunto de factores” que justificam a elevada transmissão nestes concelhos.
“Se [as pessoas] desenvolverem actividades predominantemente terciárias, podem estar mais confinadas”, lembra, face ao exemplo de Albufeira, um dos concelhos com menor índice de envelhecimento, mas com uma incidência reduzida em comparação com Paços de Ferreira ou Lousada.
“Podem ter as mesmas características demográficas, mas vai sempre depender das outras. E também da consciência colectiva, claro”, justifica ao telefone com o PÚBLICO.
No caso dos municípios mais afectados, essa conjugação de características começa pelo tecido jovem que aí vive.
“A juventude, por natureza, é uma faixa etária que é dada a grande interacção, e o facto de termos aberto as escolas motiva esse contacto”, reconhece Teresa Sá Marques. Mas a influência da idade não se fica por quem ainda está na escola: nestes concelhos há uma população “activa muito forte” em sectores que não têm possibilidade de passar para o teletrabalho.
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“Os sectores que dominam estes territórios são sobretudo de natureza industrial que têm estado sempre a trabalhar”, diz a geógrafa. Além disso, trata-se de um tecido económico “dominado por pequenas empresas”, não raras vezes negócios familiares, em que os trabalhadores nem sempre respeitam as regras de prevenção da transmissão.
“Temos conhecimento – genericamente, não só nesta região – de que, nas empresas de menor dimensão, não há uma prática constante do uso de máscara. O relacionamento entre as pessoas da empresa é muito próximo, alguns são familiares, vizinhos, o que faz com que as pessoas sejam menos rigorosas nestes comportamentos.”
Teresa Sá Marques realça que este é um mercado de trabalho com “uma população jovem activa a que estão associados níveis de escolaridade não muito altos”, o que por vezes pode levar a que as medidas “nem sempre sejam levadas a sério” e demorem mais tempo a ser cumpridas. São sectores de trabalho – como a indústria ou a construção civil – em que as pessoas “se expõem mais” por não se poderem confinar, porque “precisam do salário para viver e sobreviver”.
A docente acrescenta também que esta população jovem activa, “para além da escolar”, trabalha num meio “de grande mobilidade”, com frequentes deslocações ao Porto, por exemplo, e com bastante interacção com as regiões vizinhas como o Vale do Ave.
As relações de proximidade não se cingem ao trabalho e entram mais uma vez na equação do elevado contágio através dos relacionamentos familiares, que Teresa Sá Marques descreve como um factor em tudo “positivo, mas negativo no caso da covid-19”.
“Temos um contexto de famílias alargadas. A família é um espaço muito importante na qualidade de vida destas populações, e têm por hábito encontrar-se aos fins-de-semana, fazer refeições em conjunto”, explica a geógrafa.
“São comunidades muito coesas, tanto em termos familiares como locais. E isso é bom, tomara a nós termos esta solidariedade em todos os contextos territoriais. O problema é que tudo o que seja proximidade é mau nesta pandemia”, lamenta.
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População com grande número de jovens activos, ocupações profissionais que têm dificuldade em confinar, tecido económico dominado por pequenas empresas e em territórios em que há uma grande coesão, tanto profissional como pessoal, com a família e a vizinhança. Este conjunto de características apontadas fazem deste território, diz Teresa Sá Marques, “uma zona de risco”, o que já devia ter sido acautelado antes da segunda vaga.
“Antes do Verão deviam ter sido feitas políticas de ataque à pandemia a olhar para os territórios em função das suas características. Não fizemos isso”, considera a especialista, lembrando que um dos primeiros surtos também ocorreu perto da região agora afectada (o surto numa fábrica de calçado em Felgueiras, em Março, deu origem a 33 casos de covid-19 e obrigou mais 700 pessoas a estar em isolamento).
A geógrafa considera que devia haver “mais informação” disponível acerca do que se passa em cada território.
“Devíamos aprender que, enquanto não tivermos sistemas de monitorização territorial eficientes, rigorosos e com informação, não vamos conseguir tomar boas decisões, porque não temos informação suficiente.”
A melhor gestão da pandemia possível tem sempre de contar com “um grande envolvimento das estruturas locais”, considera, de forma a pormenorizar com precisão os riscos associados a cada município.
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“Devíamos ter começado isso antes, com presidentes de câmara, comunidades intermunicipais. (...) Tinha de ser pensado à partida. Agora, com contágio comunitário, é muito difícil controlar.”