Pedro Crisóstomo, in Público on-line
Novo mínimo de existência proposto pelo PS abrange quem ganha abaixo de 707 euros por mês este ano. PCP e BE deverão deixar passar a iniciativa.
A proposta do Partido Socialista para subir o valor do mínimo de existência no IRS em 100 euros permitirá que mais 20 mil trabalhadores de baixos salários passem a estar isentos do imposto total ou parcialmente, segundo cálculos do Governo.
A iniciativa deverá ser aprovada na votação do Orçamento do Estado na especialidade, porque tanto o PCP como o BE admitem ao PÚBLICO que não a travarão.
Entre os trabalhadores de rendimentos mais baixos, alguns já são abrangidos pelo mínimo de existência e, por isso, não sentirão diferença. Outros, igualmente de baixos rendimentos, e mesmo alguns que já beneficiam desta medida pagando menos IRS mas não estando totalmente isentos, passarão a estar cobertos por esta regra e irão pagar menos imposto.
O mínimo de existência é uma regra fiscal que pretende garantir que, depois de o fisco aplicar as taxas do IRS, um cidadão não fica com um rendimento líquido anual inferior a um determinado patamar considerado indispensável para viver. Isto significa que quem ganha menos está isento ou tem uma redução do imposto na proporção necessária para que, no final das contas, o rendimento líquido não seja inferior a esse limiar definido na lei.
A bancada do PS propõe subir esse tecto dos actuais 9215,01 euros para 9315,01 euros, para aplicar esta regra “excepcionalmente” ainda aos rendimentos de 2020. Embora os descontos mensais do IRS tenham por base o valor actual, será com base no novo (assumindo que a medida avança) que o fisco fará o acerto do imposto de 2020 (na Primavera de 2021), quando chegar a altura da entrega das declarações de rendimento.
A proposta pode ser encarada como uma aproximação ao PCP, que se absteve na votação do OE na generalidade e apresentou uma série de iniciativas para baixar o imposto para quem ganha menos. O Bloco de Esquerda (BE), por seu lado, admite votar a favor, o que abre a porta à aprovação da medida.
Ao PÚBLICO o deputado do PCP Duarte Alves afirma que o partido regista que “há propostas que não vão tão longe como as do PCP, mas que alteram o mínimo de existência”. Apesar de lembrar que a iniciativa socialista é limitada no tempo e “muito mais limitada” do que outra da bancada comunista — que faz subir o mínimo de existência em quase 500 euros, mas para os rendimentos de 2021 e anos seguintes —, o deputado admite que o PCP não obstaculize “uma medida que aumente o rendimento disponível”. “Agora, obviamente, um aumento de 100 euros é muito limitado”, contrapõe.
Quanto ao BE, o grupo parlamentar esclareceu, através do gabinete de imprensa: “Não deixaremos de votar favoravelmente aquelas [propostas] que, por limitadas que sejam, possam melhorar o orçamento”.
Impacto de 15 milhões
Com o novo mínimo pensado pelo Governo, pagarão IRS os contribuintes que têm um rendimento bruto mensal a partir de 707,6 euros, calcula a consultora PwC. Este patamar salarial é um pouco superior ao que resulta da aplicação directa da fórmula do mínimo de existência (665,4 euros, o equivalente ao novo referencial dividido por 14 meses), porque na liquidação do IRS é preciso ter em conta outras variáveis, como a dedução específica e as deduções à colecta.
Na prática, um trabalhador solteiro e sem filhos que em 2020 ganhe 707,6 euros brutos por mês (9906,36 euros por ano) pagará 591,34 euros de IRS anuais, ficando com um rendimento líquido anual de 9315,01 euros, o valor exacto do mínimo de existência. Esta simulação da PwC assume que este contribuinte alcançou o tecto dos 250 euros da dedução das despesas gerais familiares.
Dos 5,3 milhões de contribuintes, cerca de 2,46 milhões estavam isentos em 2018 por causa do seu nível de rendimentos, segundo os dados do Portal das Finanças.
Para “proteger o rendimento das famílias”, a bancada socialista propôs que “no IRS a liquidar no ano de 2021, relativo aos rendimentos auferidos em 2020” acresçam “excepcionalmente 100 euros” ao valor de referência do mínimo de existência. No Governo calcula-se que esta medida terá um impacto orçamental de 15 milhões.
Já relativamente aos rendimentos que os trabalhadores vão ganhar em 2021, o PS propõe que seja retomada “a aplicação da fórmula” normal, em que o valor do mínimo de existência equivale a 1,5 Indexantes de Apoios Sociais (IAS) vezes 14 (correspondentes aos rendimentos dos 12 meses do ano, mais os meses dos subsídios de férias e Natal).
O PCP tem a sua própria proposta para aumentar o mínimo de existência em 491 euros, melhorando a fórmula de cálculo (em vez de 1,5 IAS, o valor assumiria 1,58 IAS). A medida é distinta daquela do PS, porque teria efeitos relativamente aos rendimentos de 2021 e anos seguintes, sendo que, para o próximo ano, significaria colocar o mínimo de existência nos 9706,48 euros. Não se sabe se o PS apoia esta subida.
Caso a iniciativa do PCP seja rejeitada e o mínimo de existência mantenha o actual desenho, o mínimo de existência volta a ser de 9215,01 euros em 2021 (porque a tal excepção proposta pelo PS deixa de existir), porque o IAS deverá continuar a ser idêntico ao deste ano (438,81 euros).
No entanto, ainda é preciso esperar pelo anúncio do novo valor do salário mínimo para clarificar se o mínimo de existência serão 9215,01 euros ou se o tecto será mais alto. A explicação para isso está no facto de o código do IRS conter uma salvaguarda que estabelece que o valor de rendimento líquido de IRS (o tal mínimo de existência) não pode ser inferior ao valor anual da retribuição mínima garantida.
As quatro propostas do PCP para o IRS
A bancada do PCP tem quatro iniciativas na área do IRS — “medidas fiscais dirigidas especificamente aos rendimentos mais baixos e intermédios”, sintetiza o deputado Duarte Alves.
Além da solução de aumentar o valor do mínimo de existência, propõe um desagravamento do imposto para os rendimentos baixos e intermédios, através de uma combinação de outras medidas.
O objectivo, diz o deputado, é “devolver rendimento às populações”, para que possam consumir e desenvolver a actividade económica. “Além da visão da justiça fiscal, é uma questão de aumento do rendimento disponível da economia”, salienta.
Numa das iniciativas, a bancada comunista volta a propor um aumento do número dos escalões, iniciativa que dificilmente avançará agora, porque o PS não a tem no horizonte para 2021.
Outra proposta (no cenário em que se mantêm os patamares de rendimento actuais) passa por actualizar os limites dos escalões em 0,7%, à taxa de inflação prevista pelo Governo para 2021, para evitar uma perda de poder de compra (a bancada do PCP defende que, “de ano para ano”, os limites “devem ser actualizados para garantir que, em termos relativos, o imposto cobrado não aumenta com os aumentos dos salários e das pensões”). Ainda não é claro se tem condições para ser aprovada, porque o PS ainda não se pronunciou sobre a iniciativa.
O PCP propõe ainda aumentar a dedução específica que permite isentar de IRS uma parcela dos rendimentos do trabalho dependente e das pensões. A ideia é indexar a dedução específica ao IAS, assumindo a fórmula 0,7 x 14 x IAS (a dedução passaria para 4300,34 euros, mais 196 euros do que actualmente).