Primeiro-Ministro António Costa na conferência «Presidência do Conselho da União Europeia 2021», Lisboa, 23 novembro 2020
Primeiro-Ministro António Costa e ex-presidente da Comissão Europeia e ex-Primeiro-Ministro Durão Barroso, na conferência sobre a presidência portuguesa da União Europeia, Lisboa, 23 novembro 2020
As mudanças sociais causadas pelas transições digital e climática «geram uma profunda angústia e medo - fatores que têm sido pasto importante para florescer o populismo nas suas vertentes nacionalistas, xenófobas e iliberais», disse o Primeiro-Ministro António Costa na conferência «Presidência do Conselho da União Europeia 2021», na Universidade Católica, em Lisboa.
«Se queremos combater com eficácia esta deriva populista temos de atacar o problema na sua raiz, reforçando a confiança das pessoas. Aí, a dimensão social da Europa é fundamental», sublinhou, na conferência delineou o plano da presidência portuguesa da União Europeia, no primeiro semestre de 2021.
O Primeiro-Ministro salientou que a cimeira social e o Conselho Europeu informal, nos dias 7 e 8 de maio, no Porto, com a aprovação final de uma declaração vinculativa sobre o pilar social da União Europeia, será «o evento central» da presidência portuguesa.
No dia 7, estarão no Porto os parceiros sociais europeus, representantes de entidades da sociedade civil, líderes políticos dos Estados-membros e responsáveis das instituições comunitárias, para assinarem uma declaração sobre o desenvolvimento do pilar social. E, no dia seguinte, terá então lugar o Conselho Europeu informal, onde será aprovada a Declaração do Porto sobre o pilar social.
Qualificar e proteger
António Costa afirmou que as transições digital e climática «têm custos económicos e social, porque implicam mutações efetivas» porque os empregos «que irão aparecer não serão os mesmos dos que deixam de existir. E, porventura, não vão ser para as mesmas pessoas que ocupavam os postos de trabalho que serão destruídos».
Por isso, na sua resposta a estes desafios, a União Europeia tem de reforçar a sua estratégia da qualificação profissional dos cidadãos, capacitando-os para o processo de transição, e tem de investir mais na inovação para preservar a competitividade das empresas, em particular as pequenas e médias.
«Mas temos também de reforçar a proteção social para garantir a todos que ninguém fica para trás nestes processos de transição climática e digital. O pilar social tem de ser uma base de confiança para se acelerarem as transições climática e digital», disse ainda o Primeiro-Ministro.
Embora acreditando que haverá «mais postos de trabalho criados do que aqueles que vão ser destruídos» pelas transições digital e climática, António Costa disse que é preciso criar a «confiança da sociedade nas transições climática e digital».
Política externa
«Portugal destacou-se sempre na Europa como uma plataforma de ligação à escala global», e pretende seguir esta linha histórica na presidência português da União Europeia, disse ainda o Primeiro-Ministro.
Advertindo que a realização de reuniões presenciais depende da evolução da pandemia, António Costa sublinhou que «em matéria de política externa, a joia da coroa da presidência portuguesa será a realização da cimeira de todos os líderes europeus com o Primeiro-Ministro da Índia, Narendra Modi, em 8 de maio, no Porto».
«Este será o primeiro encontro de todos os líderes europeus com o Primeiro-Ministro indiano. É um encontro que considero da maior importância para que a Europa enfatize a importância do relacionamento com toda a região do Indo-Pacífico, tendo em vista a sua diversificação entre as diferentes potências que ali existem, casos da China, Japão, Nova Zelândia e Austrália e Índia», disse.
O Primeiro-Ministro referiu que «a Índia é a maior democracia à escala global e nós temos de o valorizar, tendo um relacionamento cada vez mais estreito, designadamente pelo contributo que poderemos dar em conjunto para componentes fundamentais dos processos de transição climática e digital», como são o «desenvolvimento da inteligência artificial ou da ciência de dados», em que «Europa e Índia podem desenvolver uma aliança estreita para o futuro».
António Costa referiu que «haverá em junho um momento simbólico muito importante, que será a amarração em Sines de um grande cabo submarino - o EllaLink -, ligando o continente europeu ao americano [Fortaleza, Brasil], com a presença da presidente da Comissão Europeia», Ursula von der Leyen.
Esta ligação «marcará simbolicamente aquilo que tem sido sempre a função tradicional de Portugal como plataforma de ligação aos outros continentes», disse.
Multipolaridade
O Primeiro-Ministro afirmou que Portugal, no plano político global, deve continuar a contribuir para contrariar uma visão bipolar do mundo, valorizando em contraponto a multipolaridade, desde logo desenvolvendo as relações com a Índia e «onde as relações com a América Latina são elementos fundamentais».
Durante os seis meses de presidência portuguesa, poderão ainda ser concluídos acordos comerciais com a Austrália e Nova Zelândia e ser aberto o primeiro acordo comercial com Marrocos.
A multipolaridade «é o caminho de uma Europa que quer ter maior autonomia estratégica, mas que não acredita no protecionismo, batendo-se antes pela regulação do comércio livre à escala global», de que faz parte a assinatura de um novo acordo de parceria com África, as Caraíbas e o Pacífico, igualmente previsto.
A realização de uma reunião entre os dirigentes da União Europeia e os da União Africana, prevista pela presidência alemã, que termina no fim de 2020, poderá vir a só acontecer, devido à pandemia, na presidência portuguesa.
António Costa disse esperar que «se possa concretizar no próximo semestre, porque temos uma relação de vizinhança geográfica, proximidade cultural e de relacionamento histórico (por vezes traumático) entre Europa e África».
O eixo «euro-africano é fundamental para o mundo do futuro se não quisermos de que esse mundo seja exclusivamente bipolar», sublinhou, acrescentando que, atualmente, «temos uma oportunidade de reforçar as relações, agora que a União Africana assinou um acordo de comércio livre que gera novas oportunidades».
Futuro da União Europeia
O Primeiro-Ministro afirmou igualmente que temos de «saber se a União Europeia é uma união de valores, ou se, pelo contrário, é sobretudo um instrumento económico, para gerar valor económico», porque há hoje uma «verdadeira dicotomia» na União Europeia «que se expressa em debates como o Estado de Direito, política de migrações ou sobre a forma como se traduz a solidariedade em momentos de crise económica e social como o atual».
Neste debate entre Europa de princípios e Europa da economia, «temos de nos interrogar se a melhor forma é a rigidez», «ou se devemos olhar para a União Europeia com um espírito de maior flexibilidade, assumindo que, tal como Schengen [sistema de frontais comuns] ou o euro não são para todos, temos de ter outras geometrias variáveis no futuro da União Europeia».
Valores ou economia
A distinção entre Europa de valores e Europa de economias «é muito importante, porque a incompreensão desta distinção levou, seguramente, à saída do Reino Unido, que via na União Europeia uma plataforma de geração de valor, mas não algo que resultasse de partilha de valores fundamentais», acrescentou.
O Primeiro-Ministro afirmou que, presentemente, outros países «também se interrogam sobre qual é esse futuro e alguns são até fundadores do projeto europeu, mas eram menos visíveis e vocais porque seguiam na onda do Reino Unido e agora estão mais expostos».
Com a saída do Reino Unido da União Europeia, «deixou de haver um Estado-membro a defender as posições» mais economicistas «e passaram a existir vários países a defender as posições que só o Reino Unido defendia, aparentemente isoladamente».
António Costa lembrou que em 2007, durante a última presidência portuguesa da União, quando o próprio era Ministro da Administração Interna, vários países do leste europeu tinham como maior ambição e festejaram a abertura total de fronteiras com a União Europeia, «depois de décadas fechados e separados pela cortina de ferro».
«Mas, hoje, a abertura de fronteiras não é encarada como um momento de libertação, mas como uma ameaçada à própria segurança e identidade» e «não vale a pena iludir este debate e é necessário fazê-lo para podermos avançar», sublinhou.
Em Portugal, neste debate, «não há qualquer hesitação, porque desde a origem a adesão ao projeto europeu, mais do que dimensão económica, teve sobretudo uma dimensão geoestratégica e política de consolidação da democracia e liberdade».
O debate passará nomeadamente pela conferência sobre o futuro da Europa, que começa a 9 de maio, Dia da Europa, e terminará em 2022.