Ana Cristina Pereira, in Público on-line
Programa Operacional de Apoio às Pessoas Mais Carenciadas chegava a 92.632 pessoas no final de 2019 e, com a pandemia de covid-19, foi alargado para chegar até 120 mil. No final de Outubro, abrangia 113.827.O que está em causa é o próprio paradigma da ajuda alimentar. O Tribunal de Contas recomenda ao Ministério do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social que promova um sistema de vales ou cartões electrónicos em vez de distribuir cabazes alimentares pelas famílias carenciadas.
A proposta resulta da auditoria feita ao Programa Operacional de Apoio às Pessoas Mais Carenciadas (POAPMC) - que, no final de Outubro, segundo o Instituto de Segurança Social (ISS), abrangia 113.827 pessoas. Os auditores consideram que, no período 2014-2020, o programa “contribuiu de forma regular e eficaz para atenuar a pobreza em Portugal”, mas precisa de melhorar.
“A sua implementação permitirá poupar custos e recursos, favorecer a autonomia, reforçar a economia local, obviar aos constrangimentos derivados dos procedimentos de aquisição dos bens e das dificuldades de armazenamento e garantir maior segurança no período da pandemia” Relatório de Auditoria ao Programa Operacional de Apoio às Pessoas Mais Carenciadas
O que existe é um passo em frente em relação ao antigo programa promovido pela Comissão Europeia. Em vez de apoios ocasionais, as famílias recebem com regularidade uma cesta básica, que inclui carne, peixe e legumes congelados e cobre 50% das suas necessidades nutricionais diárias. O que o Tribunal de Contas agora recomenda é que o Governo dê mais um passo.
Nada que não seja defendido por entidades como a Rede Europeia Antipobreza/EAPN-Portugal e a Confederação Nacional de Instituições Particulares de Solidariedade. A proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece o Fundo Social Europeu +, para o período 2021-2027, já prevê essa possibilidade - aí cabe o Fundo de Auxílio Europeu às Pessoas Mais Carenciadas (FEAC). E o próprio Governo integrou-a no Programa de Estabilização Económica e Social. “A sua implementação permitirá poupar custos e recursos, favorecer a autonomia, reforçar a economia local, obviar aos constrangimentos derivados dos procedimentos de aquisição dos bens e das dificuldades de armazenamento e garantir maior segurança no período da pandemia”, lê-se no relatório a que o PÚBLICO teve acesso.
Em 2014 e 2015, houve alguma distribuição de bens alimentares, mas ao abrigo das normas transitórias do regulamento do FEAC. Quando o PS se tornou Governo, crítico da rede de cantinas sociais criada pelo PSD/CDS-PP e do modelo europeu, quis repensar tudo. Em 2016 e até Novembro de 2017, nem houve distribuição. A mudança que queria introduzir era “profunda”.
O modelo é intricado: o ISS recebe os alimentos dos fornecedores e fá-los chegar às instituições coordenadoras dos 135 territórios, que os distribuem por muitíssimas outras instituições locais, que os entregam às famílias. Os beneficiários têm de cumprir os critérios de carência económica definidos pela segurança social (ter um rendimento de valor igual ou inferior à pensão social, isto é, 201, 53 euros).
Previa-se apoiar cerca de 60 mil pessoas no continente, meta que mais tarde foi alargada para abranger as ilhas (6.546 da Região Autónoma dos Açores e 2.766 na Região Autónoma da Madeira). No final de 2017, 37.615 pessoas eram apoiadas. Em 2018, 79.037. Em 2019, 92.632. Agora, com a pandemia, o programa poderá chegar até às 120 mil.
Ao que apuraram os auditores, o apoio é valorizado pelos destinatários. Mas tem havido alterações quer na composição dos cabazes, quer nas quantidades, provocados por “problemas de contratação pública na aquisição dos bens alimentares e necessidade de adaptação à realidade etária dos agregados”. E as pessoas enfrentam constrangimentos. Um estudo feito pelo Gabinete de Estratégia e Planeamento em 2018 já mencionava a dificuldade em ir buscar o cabaz (41,4%) – pelo peso, pela distância do local da recolha, pela ausência de transportes, pelos problemas de saúde. E em conservá-lo (30,9%), sobretudo a parte de congelados.
As entidades envolvidas na distribuição também enfrentam dificuldades “no armazenamento e conservação dos alimentos, em especial dos congelados, em virtude de o cabaz conter um excesso de vegetais congelados e de a distribuição desses bens ter sido mensal em vez de semanal”. Para além dos gastos com compra/aluguer de equipamentos de frio, há os gastos energéticos.
No entender do Tribunal de Contas, todos esses constrangimentos “poderão ser mitigados” com o recurso a vales ou cartões electrónicos. Recomenda à ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social que ponha essa possibilidade em prática e que desenhe um “novo programa com objectivos mais orientados, específicos e quantificados”.
Como está, as verbas revelam-se “insuficientes para cobrir os custos das entidades beneficiárias com o transporte e armazenamento”. Para o período 2014-2020, o programa contava com uma contribuição do FEAC de 176.946.201 euros e uma contribuição nacional de 31.225.804 euros. Entretanto, por causa da pandemia, a Comissão Europeia propôs um reforço. Já em 2017 se criou um Programa de Apoio Complementar com dinheiro dos jogos sociais.
Taxa de execução baixa
A taxa de execução do Programa Operacional de Apoio às Pessoas Mais Carenciadas era de 32% no final de 2019, mas a taxa de compromisso situa-se nos 92%. “Embora também visasse financiar a distribuição de bens de primeira necessidade, essa medida não teve ainda qualquer concretização”, lê-se no relatório do Tribunal de Contas. "A par do apoio alimentar, são asseguradas medidas de acompanhamento aos destinatários, que visam promover a inclusão social das pessoas mais carenciadas." A auditoria observou, porém, que “a articulação com outros instrumentos de redução da pobreza e promoção da inclusão social carece de melhor consolidação”. Há, desde logo, que melhorar a articulação com outros regimes de apoio alimentar.
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