18.11.20

Metade das pessoas com deficiência vive com menos de 600 euros

Camila Soldado, in Público on-line

Projecto de investigação do Centro de Estudos Sociais, coordenado por Fernando Fontes, mostra que são vários os obstáculos no acesso a uma vida independente.

Baixos rendimentos e dificuldade em aceder a serviços e equipamentos. Estas são algumas das conclusões do inquérito sobre as condições de vida das pessoas com deficiência em Portugal, realizado no âmbito do projecto de investigação DECIDE – Deficiência e Auto-determinação: o desafio da Vida Independente em Portugal.

Os resultados que são apresentados nesta quinta-feira, no colóquio “Deficiência e Vida Independente em Portugal: desafios e potencialidades”, que se realiza em formato online, mostram que 51% dos inquiridos tem rendimentos mensais até 600 euros, um valor que já inclui apoios sociais. No entanto, é o próprio coordenador do projecto e investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, Fernando Fontes, que explica que, pelas características sociodemográficas dos inquiridos (responderam 497 pessoas com deficiência entre os 18 e os 66 anos), sendo uma população mais escolarizada (44% têm curso superior), a amostra não é representativa da população com deficiência em Portugal, mas pode “servir como barómetro da situação”. Ainda assim, os inquéritos do DECIDE foram recolhidos em 2018. Entretanto, foi introduzida a prestação social para a inclusão que, refere Fernando Fontes, “veio tentar colocar estas pessoas acimar do limiar da pobreza”.

“O que já sabíamos de inquéritos anteriores é que as famílias que integram pessoas com deficiência são mais pobres”, contextualiza o presidente da Centro de Vida Independente (CVI), Jorge Falcato, instituição que co-organiza o colóquio. Isto acontece porque, frequentemente, um dos elementos deixa de trabalhar para cuidar do familiar, o que leva imediatamente a uma perda de rendimentos do agregado. Mas há também custos acrescidos. O coordenador do projecto cita um estudo de 2010, que estima que o custo de vida adicional para estes agregados familiares se situe entre 5100 euros e 26.300 euros anuais.

Mas, se mesmo com um nível de escolaridade elevado da amostra continua a verificar-se baixos rendimentos e dificuldades em aceder ao mercado de trabalho, explica Fernando Fontes, conclui-se “claramente que, se para a população portuguesa, em geral, as qualificações académicas têm sido uma alavanca social, no caso das pessoas com deficiência isso não é notório”. Ou seja, mesmo que haja um investimento na própria educação, acabam por “não conseguir um emprego adequado às qualificações”.

Este é um dos vários indicadores que pesam na hora de aceder a uma vida independente, uma ideia segundo a qual as pessoas com deficiência devem ter o controlo sobre as decisões que dizem respeito às suas vidas. “Vemos também que as pessoas com deficiência, por um conjunto de factores de opressão, não se conseguem autonomizar face às famílias de origem”, sublinha. 42,6% ainda vivem com estes familiares, sendo que poucos vivem com o cônjuge (17,83%) ou sozinhos (16,28%).

Os factores que condicionam a autonomia estão longe de ser apenas familiares. Dos inquiridos, 73,61% diz ter dificuldade em aceder a equipamentos e serviços devido a barreiras físicas, sendo que 53,7% apresentam a falta de transporte como motivo. Também a participação em actividades de lazer é condicionada, sendo a falta de acessibilidade dos locais o motivo para 47,64% dos inquiridos. Não ter quem acompanhe (46,78) surge logo de seguida.

Garantir assistente pessoal

O CVI nasceu para promover um projecto-piloto em Portugal, entre 2015 e 2017, financiado pela autarquia de Lisboa (num modelo que está a ser agora experimentado com alterações a nível nacional), que garantia o acompanhamento de um assistente pessoal a cinco pessoas com deficiência. “Tinha um orçamento limitado, mas deu para verificar um aumento de qualidade de vida muito grande nas pessoas que tiveram a assistência”, diz Jorge Falcato, também ex-deputado do Bloco de Esquerda.

Sublinha, no entanto, que a assistência pessoal “não é a panaceia que permitirá resolver todas as situações”. Apesar de ser uma “ferramenta muito poderosa”, se a pessoa morar num quarto andar sem elevador, a assistência pessoal não lhe serve de muito. Além da adaptação do ambiente construído, é preciso melhorar transportes e mudar o ponto de vista cultural, “o preconceito de que a pessoa com deficiência é menos eficaz, logo não consegue ter emprego e, portanto, nunca conseguirá ter meios para tomar decisões sobre o seu modelo de vida”, sustenta.

O colóquio que decorre até dia 21 de Novembro pretende também “lançar o debate e pensar o que é necessário alterar na legislação que aí vem” para estruturar o apoio à vida independente, explica Fernando Fontes.