18.11.20

Covid-19 e pobreza. O que nos dizem 98 milhões de telemóveis?

por Alexandre Brito, in RTP

Um estudo realizado pela Universidade norte-americana de Stanford recolheu informação dos telemóveis de 98 milhões de pessoas para perceber onde é que o risco de infeção por Covid-19 é maior. E chegou a duas grandes conclusões. Primeiro, que o contágio está fortemente ligado ao que classificaram como "pontos de interesse". Na prática, espaços fechados como restaurantes, bares, ginásios e supermercados. Segundo, que o risco de contágio é maior entre a população mais vulnerável, mais pobre, pelo simples facto de que estão mais expostos. Os locais que visitam são por norma mais pequenos e estão mais cheios.

O estudo, que foi publicado na semana passada na Nature, acompanhou o movimento de 98 milhões de pessoas nas áreas metropolitanas de Atlanta, Chicago, Dallas, Houston, Los Angeles, Miami, Nova Iorque, Philadelphia, São Francisco e Washington DC.

Os investigadores concluiram que nas zonas onde a taxa de infeção é mais alta é possível estabelecer uma ligação à movimentação das pessoas em "pontos de interesse" muito específicos. Em particular espaços comerciais lotados em zonas onde a população tem baixos rendimentos.

"O nosso modelo prevê que uma pequena minoria de pontos de interesse são responsáveis por uma larga maioria das infeções e que restringir a lotação máxima em cada um desses pontos de interesse é mais eficaz do que reduzir uniformemente a mobilidade", lê-se no estudo. "Descobrimos também que grupos com maiores dificuldades financeiras não conseguiram reduzir tanto a mobilidade como outros grupos e que os pontos de interesse que visitam estão mais cheios e por isso são de maior risco".

Este trabalho de investigação dá força às decisões de saúde pública de redução da lotação em espaços públicos e encerramento de certos negócios para controlar a taxa de infeção da Covid-19.

Ao New York Times, um dos investigadores, Jure Leskovec, disse que o estudo concluiu também que os restaurantes são os espaços mais preocupantes. "De longe os espaços de maior risco", afirmou. "Cerca de quatro vezes mais do que os ginásios ou os cafés, seguido pelos hotéis".

Ainda esta semana, no 360 da RTP 3, o pneumologista António Diniz explicava que o risco era maior nos restaurantes porque automaticamente são derrubadas duas medidas essencias de higiene respiratória. A proximidade, com as pessoas muitas vezes frente-a-frente e a falta da máscara, que é retirada para as pessoas comerem.

O estudo da Universidade de Standford concluiu ainda que nos restaurantes de zonas mais desfavorecidas o risco é maior uma vez que o espaço tende a ser mais pequeno e a estar mais cheio.

No mesmo sentido, as lojas nas zonas de baixos rendimentos têm 60% mais pessoas por metro quadrado e as pessoas tendem a ficar mais tempo dentro das mesmas, indica o estudo. Uma vez mais, o risco é maior.

Os investigadores alertam por isso para o risco de abrir todos os negócios a 100 por cento. O impacto na taxa de infeção seria exponencial. "A primeira conclusão importante a que chegámos com este modelo é que se as pessoas continuassem com as suas vidas sem restrições um terço da população das 10 maiores cidades norte-americanas seriam infetadas após um mês", disse Jure Leskovec.

A solução, acrescenta, passa por abrir a economia em diferentes níveis.