18.11.20

Modelo de apoio aos pobres é ineficaz, mas "não é fácil" trocar vales por alimentos em meio rural

Por Paula Dias, Gabriela Batista e Catarina Maldonado Vasconcelos, in TSF

Tribunal de Contas aconselha troca do modelo de vales e cartões em vez da distribuição de bens alimentares, que tem baixa eficácia. Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade defende um modelo misto.

O Tribunal de Contas sugere, em auditoria, que os vales e os cartões de compra possam ser uma alternativa ao atual modelo de distribuição de alimentos e bens essenciais. O tribunal deixa claro que é preciso melhorar a eficácia do Programa Operacional de Apoio às pessoas mais carenciadas.

Eleutério Alves, vice-presidente da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade, considera ser urgente a identificação dos novos pobres, criados pela pandemia.

"Há muita gente, há muitos cidadãos hoje que vivem essencialmente, em termos alimentares, deste programa", salienta, em declarações à TSF.

Eleutério Alves defende que o programa "tem de ter uma taxa de execução maior, tem de chegar a mais gente, tem de chegar a todas as pessoas que têm necessidade de comer", porque por estes dias somam-se os casos de pessoas que, de repente, resvalam para uma situação de pobreza, à qual "não estavam habituadas nem adaptadas".

"Esse levantamento tinha de ser feito", frisa o vice-presidente da confederação que reúne as instituições de solidariedade.

Os que já estavam a receber apoio rondam os 100 mil, mas, segundo o Tribunal de Contas, não recebem todo o apoio que estava previsto quando o programa foi lançado. Além dos alimentos, tinha sido antecipada a entrega de vestuário e até de material escolar.

Eleutério Alves defende um modelo misto de apoio

Eleutério Alves acredita ser necessário melhorar o programa, visto que o Tribunal de Contas calculou a eficácia da estratégia em 32%. O responsável fundamenta que a ideia de entregar vales ou cartões de compras pode ser viável, mas não para todos.

"Deveria haver as duas possibilidades: distribuição dos bens alimentares a quem que, de facto, interessasse receber os produtos já, e aqueles que o entendessem poderem receber vales e fazer a troca dos vales pelos bens alimentares que mais lhe interessassem", argumenta.

O vice-presidente da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade defende uma solução mista, porque "só assim é que nós conseguiríamos criar iguais oportunidades a todos", porque a hipótese de trocar os vales "numa zona urbana, nos grandes centros, é uma, nas zonas do interior, naquelas zonas despovoadas, onde nem sequer há uma loja, o que acontece é que, de vez em quando, vai um vendedor ambulante por essas freguesias levar alguns bens".

"Não é muito fácil" para as pessoas dos meios rurais ou do interior "poderem trocar os vales por bens alimentares", acrescenta Eleutério Alves.

Edmundo Martinho, provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e coordenador da comissão que está a preparar a Estratégia Nacional de Combate à Pobreza, lamenta as conclusões do Tribunal de Contas, mas garante que em Lisboa a experiência é bem diferente: o desperdício é uma exceção, uma situação excecional. "Pode haver algum desperdício às vezes, quando há concentração da distribuição às famílias de determinado bem - pode acontecer com um ou outro bem que seja distribuído em quantidades um bocadinho superiores àquilo que seria o consumo normal para um período."

"Não é, de todo, um problema que tenhamos detetado aqui, em Lisboa", esclarece.

O provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa considera que seria uma boa medida ajudar os mais carenciados através da atribuição de vouchers, já que ajudaria a que o processo fosse mais eficaz.

Edmundo Martinho espera "que este processo possa ser, por exemplo, agilizado e facilitado, através da atribuição de cartões que permitam que as pessoas adquiram diretamente esses bens nos estabelecimentos normais", o que seria um "avanço muito grande porque essa questão da conservação ficaria superada".

Falhas ao nível da conservação, reitera, devem-se à "concentração de bens em determinados momentos, por força das dificuldades de distribuição".

Ouça a explicação de Edmundo Martinho.

Edmundo Martinho coordena a comissão que está a preparar a Estratégia Nacional de Combate à Pobreza, uma estratégia a cinco ou dez anos. Por esta altura, a comissão tem estado a ouvir quem trabalha no terreno para conhecer quais as dimensões da pobreza. Só depois de conhecidos os dados, começará a ser desenhada a Estratégia Nacional de Combate à Pobreza.

"Nenhuma estratégia deste tipo pode ser bem-sucedida se não assentar naquilo que é a leitura e o olhar de quem está no terreno todos os dias, de quem se confronta diariamente com estas situações", justifica.

Já o presidente da Cáritas Portuguesa revela que nos últimos meses a instituição entregou cem mil euros em vales a seis mil pessoas. Substituir os alimentos por vales dá mais autonomia às famílias e evita desperdícios, defende Eugénio Fonseca.

Os vales permitem a compra de alimentos, mas também permitem o pagamento da água , gás e eletricidade. No entanto, para o presidente da Cáritas, o cartão eletrónico poderia ainda ser mais eficaz. "A pessoa ocupa-se a pensar nos bens alimentares de que necessita para confecionar as suas próprias refeições. Depois, pode ajustar as suas refeições àquilo que é a dieta habitual em cada casa, ajustar o seu tempo nas compras."

"A ocupação das pessoas privadas de emprego" é "muito importante" para evitar "situações depressivas", que têm sido detetadas e com "bastante gravidade", reforça o representante da Cáritas Portuguesa.

O cartão eletrónico permitiria assim que "as pessoas fossem de uma forma ainda mais privada a qualquer estabelecimento". Eugénio Fonseca salvaguarda que nem todos os estabelecimentos mais pequenos têm os dispositivos para receber pagamentos do cartão eletrónico, mas o Governo poderia interferir para permitir esse acesso.

* Atualizada às 14h39