17.11.20

Auditoria aponta falhas no programa do Estado de apoio às pessoas mais carenciadas

André Rodrigues com Lusa, in RR

Uma análise ao Programa Operacional de Apoio às Pessoas Mais Carenciadas conclui que, no final do ano passado, a taxa de execução era de, apenas, 32%, muito aquém do compromisso estabelecido de 92%.

O programa do Estado que todos os meses distribui alimentos pelas famílias carenciadas está a chegar a poucos e nem sempre o cabaz de produtos é o adequado às idades de quem o recebe. São duas das conclusões do Tribunal de Contas que fez uma auditoria ao Programa Operacional de Apoio às Pessoas Mais Carenciadas.

Portugal desperdiçou, aproximadamente, 70% dos montantes de apoio às pessoas mais carenciadas, revela a auditoria divulgada nesta segunda-feira.

De acordo com o relatório, a taxa de execução do Programa Operacional de Apoio às Pessoas mais Carenciadas (POAPMC), de combate à pobreza, foi de apenas 32% em 2019, apesar de o objetivo comprometido ser de 92%.

A auditoria do TdC detalha que “o valor da despesa elegível executada ascendia a 35,6 M€, a que correspondiam 30,3 M€ do Fundo de Auxílio Europeu às Pessoas Mais Carenciadas (FEAC), o que, decorridos cinco anos do período de programação, refletia uma taxa de execução de apenas 17,1%”, valor que foi retificado para 32% pela Autoridade de Gestão do POAPMC, segundo a qual, a 31 de dezembro de 2019, havia uma execução acumulada de 66,4 milhões de euros de despesa pública total, dos quais 56,5 milhões de euros vindos do FEAC.

O relatório do organismo que fiscaliza a utilização dos dinheiros públicos assinala também que o programa, que deveria ter arrancado em 2014, só se concretizou, de facto, quatro anos depois do previsto e com verbas insuficientes, designadamente no que diz respeito aos custos das entidades beneficiárias com o transporte e armazenamento dos bens alimentares.

A auditoria detetou ainda constrangimentos na periodicidade da distribuição, levantamento e conservação de alimentos, e que o cabaz atribuído a pessoas carenciadas teve variações, quer na composição quer nas quantidades.

Por estas razões, o TdC recomenda ao Ministério do Trabalho e da Solidariedade e Segurança Social a adoção de um sistema de vales ou cartões eletrónicos, o desenho de um novo programa mais orientado, específico e quantificado, e a integração dos compromissos da Agenda 2030 das Nações Unidas na elaboração da Estratégia Nacional de Combate à Pobreza.

Ainda entre os problemas encontrados, o TdC aponta que os processos de seleção das entidades beneficiárias “decorreram com atrasos, inconsistências e fragilidades de análise”, além de as verbas serem “insuficientes para cobrir os custos das entidades beneficiárias com o transporte e armazenamento dos bens alimentares”.

Apesar das falhas detetadas, o Tdc entende que o POAPMC “é um dos instrumentos que contribui para a atenuação das situações de carência económica em Portugal”, embora o impacto desse contributo não esteja definido nem estimado.

A auditoria do Tribunal de Contas teve como principal objetivo aferir se o Programa Operacional de Apoio às Pessoas mais Carenciadas tem contribuído, de forma regular e eficaz, para atenuar a pobreza em Portugal.
A quem chegou o programa?

Em 2017, diz o TdC, o POAPMC apoiou 37.615 pessoas, número que aumenta para 79.037 pessoas no ano seguinte e chega às 92.632 pessoas em 2019.

"O número de pessoas apoiadas em 2018 representou cerca de 32% do número de pessoas que, no mesmo ano, não tinham capacidade para ter uma refeição de carne ou peixe (ou equivalente vegetariano), pelo menos de 2 em 2 dias, e perto de 13% do número de pessoas em situação de privação material severa nesse mesmo ano", refere o relatório.

As pessoas apoiadas em 2019 correspondiam a 34.380 agregados familiares, aos quais foram entregues 21,7 milhões de embalagens de alimentos, correspondendo a 11.054 toneladas de géneros alimentares.

Entre as pessoas apoiadas, havia 21 pessoas em situação de sem-abrigo em 2017 e 16 em 2018, sendo que o POAPMC "não está orientado para esta forma extrema de pobreza, sobretudo depois de ter sido eliminada a medida destinada a apoiar o fornecimento de refeições diárias".

O TdC aponta que as características deste programa "também não parecem ajustadas ao apoio a pessoas indocumentadas, já que os controlos pressupõem números de identificação e cruzamento de dados com os sistemas da Segurança Social".

Ainda assim, em 2017 este programa chegou a 6.935 pessoas migrantes, estrangeiras ou pertencentes a minorias marginalizadas, número que aumentou para 7.821 em 2018.

Neste sentido, o TdC considera necessário haver “melhor consolidação” entre o programa e outros instrumentos de redução da pobreza e promoção da inclusão social, sendo “reduzida” a complementaridade entre este programa e o Programa Operacional Inclusão Social e Emprego.


Refere ainda que, apesar de o programa se focar sobretudo na ajuda alimentar em géneros, também estava pensado que fosse financiada a distribuição de bens de primeira necessidade, "medida [que] não teve ainda qualquer concretização".